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sábado, 20 de março de 2010

Os emirados cariocas

Carlos U Pozzobon

A emenda Ibsen que distribui os royalties do petróleo para todos os estados da federação causou reboliço no Rio de Janeiro, que esperava ficar com todos os royalties do petróleo extraído da Bacia de Campos. Uma manifestação de 80 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, e que no dia seguinte os cálculos refeitos pela mesma PM incharam sem mais nem menos para 150 mil pessoas, protestou contra a perda de receita daquilo que seria o grande negócio para o Rio de Janeiro neste início de século.

A princípio a questão é colocada com a confusão semântica de praxe. A imprensa, como sempre dando eco aos políticos de plantão, disse que a perda de receita dos estados produtores será de bilhões para o Rio e de milhões para o Espírito Santo. O fato é que não existe estado produtor. Do Rio de Janeiro não sai uma gota de petróleo. O petróleo de que se fala está localizado na Bacia de Campos e Santos, em alto mar, que constitucionalmente pertence ao governo federal. Além disso, a lei de Minas estabelece que os recursos do subsolo pertencem à União e não aos Estados.

A agitação que se criou diz respeito aos royalties do pré-sal, que deverão aparecer em um futuro que não se sabe exatamente quando. Do jeito que as coisas vão, o pré-sal parece destinado a ser um feudo da Petrobrás e, assim sendo, adeus exportação de petróleo, adeus Brasil potência petrolífera. O que o governador Sérgio Cabral pretende é a liberdade de criar títulos públicos a serem pagos no futuro para sustentar a gastança no presente, ou seja, criar endividamento com a garantia do petróleo.

Para isso inventou que a Copa do Mundo de 2014 é carioca e não brasileira, e que os jogos olímpicos vão ser pagos com o dinheiro do governo estadual, quando se sabe que o dinheiro vem do governo federal (vide os jogos panamericanos). E assim turbinar o processo de chantagem política tão natural na nossa cultura.

O Rio de Janeiro tem sido extraordinariamente beneficiado pelo desenvolvimento da exploração de petróleo da Bacia de Campos. Empresas de infra-estrutura petrolífera se instalaram às pencas no interior do Estado e mesmo assim parece que este desenvolvimento pouco importa ao Rio. O que eles estão querendo é transformar o governo do Estado num emirado e ganhar dinheiro no grito como se o petróleo fosse carioca.

Embora todos nós saibamos que a tradição de capital da República tenha inclinado indelevelmente a política carioca para o parasitismo, para o desdém com o desenvolvimento capitalista, para o aumento crescente do estado a ponto de governador ser um cargo com a mera função de aumentar receitas — e que não há nada nas profundezas psicológicas que possa diferenciar um político carioca de um sheik dos emirados, o governador Sergio Cabral está demonstrando vista curta para o que pode ser o futuro do petróleo no Brasil. E quando o petróleo começar a jorrar em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Amazônia, Mato Grosso, etc....? Quer dizer então que o Rio vai ficar sem nada? É isso que ele quer?

Ora, a questão do pré-sal está mal colocada desde o início. A sugestão deste site desde janeiro de 2009 é que os royalties (obtidos no regime de concessão e não de partilha) sejam apropriados em sua totalidade pelo governo federal, e que a parte da produção seja direcionada para um pacto social onde se trocariam royalties por descontos nos salários (por exemplo, Previdência), beneficiando toda a população e não a classe política. Evidentemente, ninguém espera que isso aconteça num país como o Brasil, mas o povo precisa saber como se constrói o desenvolvimento econômico em teoria e como se desperdiça dinheiro público na prática com o sistema político.

A grande desgraça nacional de que padecemos chama-se sistema político. Na imaginação política tupiniquim, o desenvolvimento se faz aumentando as receitas dos estados e municípios, mas com o grau de corrupção que pervade todas as esferas de governo, isso significa turbiná-la ainda mais. Em compensação, 100, 200 ou 2000 reais a mais no bolso do trabalhador criaria um círculo virtuoso de desenvolvimento. Isso é tão banal que no entanto parece algo dito por um alien chegado do espaço sideral. E, falando em espaço sideral, a única prova de que possam existir os tais buracos negros é olhar para o dinheiro gasto por nossas prefeituras e governos estaduais. Ali tudo desaparece vertiginosamente. Nem a luz reflete do imenso rombo que anualmente são encontrados nos orçamentos. Por mais que se coloque dinheiro, o resultado é sempre aquém do esperado. E tudo leva a crer que o petróleo somente vai aumentar esse buraco negro que absorve todas as matérias no seu torvelinho de corrupção e ganância *.

A mobilização do Rio em favor dos royalties corre o risco de incendiar o país e criar uma crise institucional. Até agora isso não parece provável, mas não se sabe se no caldeirão de insatisfações mais um ingrediente não faça o caldo derramar. Até onde se pode enxergar, não é improvável que se volte a amarrar os cavalos no obelisco dos emirados cariocas.


* Veja o caso de Rio das Ostras, no RJ. Com 91,1 mil habitantes, em 2004, virou símbolo de desperdício dos royalties ao aplicar R$12 milhões num calçadão de porcelanato na orla de um município carente de esgoto, com mais de 70% das casas usando fossa séptica. Porcelanato na calçada!? Isso mesmo. Não é uma prova da existência de buracos negros no Universo?

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