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quarta-feira, 17 de março de 2010

As Novas Tomadas Elétricas e as Jabuticabas do Inmetro

Quarta, 17 de março de 2010 13:08 Autor: Carlos U. Pozzobon

O Inmetro é aquele órgão do Ministério do Desenvolvimento responsável pelo selo de qualidade dos produtos estrangeiros vendidos nas lojas e dos nacionais fabricados por aqui. Para um país que não sabe o ABC do bom governo, o trabalho do Inmetro varia do simplesmente ridículo ao empolgantemente ufanista. É um órgão com síndrome bipolar sem que nestas polaridades existam qualquer conotação com as tensões elétricas. Às vezes mete-se a analisar tipos de produtos disponíveis no mercado e consegue interagir adequadamente com a indústria. Outras vezes, entra em crise de depressão e passa a exigir um ridículo selo de qualidade de produtos banais, chegando ao confisco dos produtos. Em uma batida de fiscais em shoppings do Rio de Janeiro em 2008 confiscou telefones de revendas porque não tinham o selo do Inmetro. O selo, como se sabe, certifica que o produto está adequado às normas nacionais. Isso é o que diz a imprensa. Como se o Brasil fosse produtor de equipamentos de telefonia que ficam nas centrais das operadoras, ou como se os telefones já não fossem testados no país de origem.

Esta truculência burocrática em nome da correção técnica volta e meia reaparece. No final de 2009, foram feitas diversas batidas da fiscalização na região da 25 de março (em São Paulo) para apreender os famosos cordões de lâmpadas pisca-pisca de decoração natalina. O argumento é sempre o mesmo: essas lâmpadas, quando não testadas pelo Inmetro, podem causar curtos-circuitos e incêndios em residências. Por outro lado, se as lâmpadas apresentarem o selo de certificação e assim mesmo queimarem ou incendiarem, nada acontecerá além dos limites do código do consumidor — que deveria bastar, mas não basta.

O lado mais odioso do burocratismo fascista é esse tipo de argumentação que cola muito bem na propaganda oficial tão zelosamente difundida. Como se o comprador, que paga uma ninharia por um cordão pisca-pisca, já não estivesse cautelosamente prevenido contra o risco de curtos-circuitos e incêndios. Afinal, quantos foram os incêndios para que justifiquem os confiscos aos comerciantes? Não há resposta. E, no entanto, a maioria dos produtos à venda não possui selo do Inmetro e nem por isso causa problemas. O Paraguai que o diga.

Foi este espírito "bipolar" herdado da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que criou as novas tomadas elétricas de uso residencial. O design de 3 pinos é uma invenção brasileira, como foi a tomada da Telebrás de 4 pinos nos anos 70, e que ninguém deu a mínima bola, pois o padrão miniaturizado norte-americano acabou se impondo em todos os produtos de telefonia de consumo. Mas se criou a indústria dos adaptadores que serviu para que se batessem muitas palmas ao governo naquelas sessões do Planalto em que o presidente se dirigiu aos empresários beneficiados pelo mercado doméstico que, diga-se de passagem, só serve para ferrar o cidadão com tranqueiras inúteis.

O que torna lamentável esta burocracia é a falta de ação por parte dos órgãos legislativos encarregados de conter a sanha padronizadora dos burocratas de baixo-escalão. Isso por si só é uma demonstração de governo fraco, não só no cume como nos órgãos ministeriais. Porque a camorra está sempre encilhada e quando sabe que a cúpula é fraca, então solta as negociatas com os empresários do troca-troca. Sim, porque as tomadas residenciais terão que ser ou trocadas ou substituídas por adaptadores. E o resultado é mais dificuldades para os brasileiros.

Ocorre que o panorama de então (as velhas tomadas) era uma adaptação feita pela indústria para que a tomada americana coubesse perfeitamente na tomada brasileira, onde os 2 pinos em haste se acomodavam lado a lado com os 2 pinos redondos. Para tomadas de 3 pinos vigorava 2 modelos: um usado em computadores (como ao lado) e outro em Y, usado em máquinas de lavar roupa e outros equipamentos mais robustos. Tudo ia bem até que alguém descobriu que os choques elétricos poderiam ser reduzidos se a tomada fosse embutida, e então era uma questão de unir a fome com a vontade de comer.

Bastaram algumas diligências entre os próprios burocratas e pronto, se estabeleceu o novo padrão. E sem possibilidade de opção pelo consumidor, sem a tão propalada Consulta Pública, pois que se consultado, obviamente, o consumidor iria preferir ficar com o que já tinha. Assim, ABNT - INMETRO conseguem impor esta tomada elétrica sem nenhuma resistência da indústria, dos sindicatos patronais e das organizações empresariais: uma vergonha que comprova que estavam comprometidos com os lucros da inovação infame.

É uma prova de país que tem um governo que marcha para trás. Inventa o que não deveria ser inventado. Confisca o que já está mais do que testado fora do país, e vive como se o mundo fosse um bando de selvagens ou irresponsáveis, aos quais cabe aos burocratas do governo o zelo pela boa engenharia e pela proteção do consumidor. Só que olhando mais detidamente, a certificação do Inmetro (e de seus congêneres como Anatel) não passa de uma indústria de venda de certidões, como qualquer outro negócio de cobrança de taxas e emolumentos tão ao gosto de nossas autoridades estatais.

Se você olhar para o panorama da Ásia, vai notar que primeiro o Japão, depois Taiwan e Coréia do Sul, mais tarde a China e o Vietnã, todos esses países cresceram ou estão em pleno crescimento porque estão voltados para os padrões desenvolvidos e regulamentados nos EUA. Todos olham para os Estados Unidos e seguem seu caminho. Um padrão desenvolvido nos EUA logo é imitado pelos asiáticos de todas as latitudes e já providenciado para ser vendido dentro do próprio EUA. Com isso, progridem e superam seus problemas de atraso. No Brasil não, nossa autoestima consiste em ir contra, pois a tradição de antiamericanismo rende bons empregos na política e, na prática, é muito melhor ser do contra do que ser a favor. Se o país tivesse uma cultura tecnológica própria, a valorização do produto nacional certificado seria um adicional para o consumidor. Mas isso talvez nunca fosse atingido em um mundo globalizado, onde sabidamente todos acreditam mais no que vem de fora do que no que é produzido aqui dentro. Seguindo este caminho, o Inmetro teria que se retirar das ruas e deixar que essas questões se resolvessem no âmbito da própria economia. Mas é claro que esta solução não serve para um estado paternalista que pueriliza todos seus cidadãos. E como a solução seria adotar o plugue norte-americano de imediato, o Inmetro vai em direção oposta, adotando alguma coisa que não existe em nenhum outro lugar. Tal como a jabuticaba, os brasileiros agora vão se tornar inconfundíveis pelo rabicho de seus aparelhos domésticos de 3 pinos.

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