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sábado, 4 de agosto de 2012

O julgamento do mensalão pode ser nossa última esperança

Carlos U Pozzobon

O relatório do PGR Roberto Gurgel mostra a extensão da rede de suborno criada pelo mensalão. A ênfase com que ele repetiu na TV que o chefe da quadrilha era o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, através dos depoimentos de dezenas de testemunhas, muitas delas que sequer tinham relações entre si, não deixa dúvida sobre o teor da acusação. O que podemos esperar para as próximas semanas será o confronto entre a peça acusatória e a defesa dos réus, permitindo com isso fazer com que o público fique instruído sobre o que está sendo julgado. Não será uma tarefa fácil, posto que a distância entre a acusação e a defesa no caso de 36 réus, torna o processo factível de ser acompanhado somente para quem está muito familiarizado com cada um dos tópicos da acusação. Mas esse deverá ser o papel da imprensa séria que nos alimenta com os fatos confiáveis sobre a vida política nacional.

O fato mais característico no julgamento do mensalão é a reação que ele pode causar em uma sociedade que já o absorveu com outras técnicas. Como se trata de um estilo de corrupção que parece ter sido interrompido importa saber como ele foi geneticamente modificado para continuar produzindo os frutos da anuência social em torno do partido mais corrupto que já existiu na história da República.

Tal partido não se manteria com sua base eleitoral expandida se não tivesse em permanente processo de cooptação social. E a maneira como a imprensa se refere ao maior escândalo de todos os tempos mostra que, ao avançar sobre veículos de comunicação, com publicidade direta, ou compra de cabeças de aluguel através do financiamento direto de blogs de jornalistas, proliferando-se na vida pública do país com a disseminação generalizada de aditivos contratuais criados com os mais estapafúrdios argumentos para obras paradas, como a transposição do SF em que se assinou uma pesquisa do conhecidíssimo solo da caatinga para justificar o bombeamento de dinheiro pelas valas da política, ou da ferrovia norte-sul e transnordestina cujos desvios já se tornaram rotina não para os trilhos dos trens, cujas locomotivas a ela ainda não chegaram, mas para os comboios fantasmas de dinheiro rumo aos paraísos fiscais. Ou quem sabe as verbas fantasiadas de caipira no financiamento direto da Petrobras para milionárias festas de São João no hinterland brasileiro, com quentão e fogueteio garantido não só para os foliões mas, sobretudo, para a farra generalizada de aliados do partido. Ou o travestimento de cultura no sustento direto de eventos carimbados pelo tráfico de influência do jabaculê artístico, sem esquecermos a aprovação de projetos milionários e francamente superfaturados de renúncia fiscal pela Lei Rouanet para compositores e cineastas contratados para louvar a figura presidencial. Ou quem sabe com a assinatura de decreto-lei proibindo o TCU de investigar a destinação do imposto sindical para um dos esteios mais representativos do apoio social do governo. Ou as consequências da emissão de um decreto para evitar a fiscalização das obras da Copa do Mundo chamado eufemisticamente de Regime de Contratação Diferenciado. Ou a famigerada proteção de investigação do extraordinário faturamento da Delta na CPI do Cachoeira, com uma vexaminosa mensagem de SMS que revela a continuação da chamada “organização criminosa” quase dez anos depois da denúncia do mensalão com o cifradíssimo código: “você é nosso e nós somos teu”. Tudo leva a crer que o julgamento do mensalão é apenas o preâmbulo, um entreato de um estilo de fazer política em que a corrupção se tornou sua própria essência.

Afinal, o PT sempre anunciou que tinha um novo estilo de fazer política: e de fato a promessa foi cumprida. Esta foi sua nova política, e com ela a cumplicidade de sua plutocracia e a evasão ou omissão causada pela imoralidade corrente de seu desdobramento. Nesse momento, nosso interesse no STF não passa da curiosidade de saber se o pós-mensalão já foi capaz de contaminar também a Suprema Corte. O comportamento dos ministros, seus argumentos e votos será nossa última esperança, ou talvez a comprovação de que a metástase do mensalão já não tem mais socorro no firmamento nacional.


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