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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O mal-estar paulista

Carlos U Pozzobon

O povo paulista tem todos os motivos para se sentir traído com os resultados eleitorais, ao verificar que com quase 7 milhões de votos de vantagem para Aécio Neves no estado de SP, os paulistas perderam uma eleição que, bem computada, foi decidida pelo voto dos bolsistas espalhados por todo o país, embora sua concentração seja maior no nordeste.

Não se pode admitir que o estado mais desenvolvido da nação, onde a expectativa de progresso é a força motriz da sociedade, tenha seus objetivos frustrados por uma parte da população que, alijada do processo produtivo e amparada pelas provisoriedades assistenciais, tenha adquirido o 'direito' de representar a opinião pública do país.

Não se trata apenas de uma fraude no cômputo dos votos, de violação de urnas e de tantos exemplos que aparecem em clipes todos os dias. Trata-se de uma falácia no processo eleitoral que seleciona os eleitores, atribuindo direitos de cidadania a pessoas sem a independência necessária para se considerarem cidadãs.

A maior fraude que cala fundo no sentimento paulista foi a hipertrofia da democracia, em que o voto dos setores ativos da nação foi subtraído pelo voto dos setores passivos, os dependentes do estado. Como se sabe, a democracia não foi um acidente de percurso na história da humanidade. A forma mais fácil de compreendê-la é entender que é um regime em que a sociedade elege seus governantes na expectativa da melhor gestão do estado. Supor que aqueles que são sustentados pelos que financiam o estado têm o direito de decidir sobre o que o estado lhes repassa, é o mesmo que aceitar que o chantagista seja inocente em um processo de extorsão.

A inquietação que se originou do abismo entre a esmagadora vitória paulistana de Aécio e a derrota no cômputo geral não permite mais o sossego de tantos quantos lutam por uma pátria livre da corrupção e da bandalheira institucionalizada. E não há possibilidade de aceitar moralmente uma eleição que foi fraudada em sua probidade ética, quando cidadãos alienados do convívio da federação, excluídos da vida produtiva e arregimentados em currais eleitorais possam ser os eleitores cativos que decidam os mandatários do país. Nos anos 60, não se falava em reforma política, porém em reforma eleitoral. E quando se falava em reforma eleitoral, a questão que se colocava nas colunas dos jornais é que ela deveria começar pela reforma do eleitorado. Não começou nunca. Todas as tentativas de selecionar o eleitor viraram letra morta na prática populista que infestaram os costumes políticos.

Ao contrário do ordenamento jurídico, para o sistema eleitoral, o retirante, o andarilho, o sem teto, o sem terra, o índio ou o presidiário são considerados cidadãos aptos e capazes. O voto obrigatório torna cidadão o assassino, o estuprador, o larápio e o delinquente. Um cidadão honesto e responsável tem seu voto anulado por um marginal. E juntamente com os despossuídos, os olvidados, os que perderam o lugar no penoso processo de progredir é que se tornam os capacitados para fazer parte da mais importante decisão da República: a eleição de seus mandatários. Logo, a política foi obrigada a incorporar o discurso daqueles que são capazes de fazer a coleta miúda desses votos, e o varejo político é sempre o reflexo do modelo eleitoral, e não poderia ser outra realidade que a supremacia da demagogia, do toma lá dá cá, das malas de dinheiro cruzando de um lado para outro como moedas correntes do estelionato eleitoral.

Não existe outro nome para o terrorismo político consubstanciado em ameaças de perda dos benefícios do bolsa família que não se classifique como estelionato eleitoral. E foi o que aconteceu em todos os quadrantes onde o bolsa família tinha uma concentração urbana considerável.

Os paulistas, pela enormidade dos votos dados a Aécio têm, a partir deste momento, a autoridade para comandar a reação ao estelionato eleitoral e buscar cada vez mais adesão a causa que aglutinou a oposição até aqui: o FORA PT. Os fatos econômicos, as tentativas de amordaçar o que resta da democracia, já são o suficiente para a ignição do ânimo popular no estado inflamado em que se encontra a sociedade com o resultado qualitativo das eleições. A qualquer momento, as multidões nas ruas vão mostrar que eleições não se legitimam com a anuência dos grotões chantageados pelo governo cujo ativismo político não se sustenta mais sem um exército mercenário agindo descaradamente. E o desgaste resultante haverá de provocar as rachaduras no bloco aliado a ponto de implodir o governo. A oposição das redes sociais não se cansa nunca. Ela faz da crítica a sua arma favorita. E não dará sossego ao governo, pois já sabe que o fracasso deste mandato será seu indetível destino.


Um comentário:

  1. Não tenho certeza de que o recente processo eleitoral tenha de ser visto do ponto de vista dos paulistas. É certo que eles deram uma maioria expressiva, em termos nominais, ao candidato oposicionista, mas terá sido ela uma maioria também proporcional, não apenas absoluta? Não teria havido, além dos 7 milhões de votos para o candidato da oposição um número igualmente significativo, embora minoritário, para a candidata continuista? Certamente houve estelionato, e terrorismo eleitorais, mas será que devemos culpar exclusivamente aqueles inscritos no curral eleitoral do governo pelos resultados adversos? Imaginemos que tivesse havido troca de governo em 2010, e presumivelmente o candidato oposicionista teria continuado o Bolsa Família, talvez até ampliado os benefícios, e convertido o programa em algo permanente e oficial, como aliás prometeu agora o mesmo candidato da oposição. Ou seja, os mesmos dependentes de hoje teriam votado pelo candidato paulista, que seria continuista, portanto, em lugar de votar pelo "incerto", que foi o que fizeram agora.
    A miséria, a inconsciência, a dependência de eleitores não deveriam determinar o padrão da nossa democracia, que é supostamente inclusiva, ao contrário da clássica, que excluia todo mundo menos os cidadãos "ativos". Um pouco como o eleitorado da Velha República, sem mulheres e sem analfabetos, ou do Império, de tipo censitário (que poderia incluir alguns analfabetos).
    Concordo inteiramente em que tenha havido fraude, estelionato, terrorismo, mas não sei se isso justifica uma noção paulista, excludente, do corpo eleitoral, e uma concepção elitista do processo democrático. Estou tão ou mais frustrado do que você, mas as únicas soluções que vejo são, de um lado, a denúncia dos crimes eleitorais, o trabalho incessante de perseguir a fraude política, as infrações de campanha, e todos os demais crimes cometidos; de outro, um trabalho consistente de oposição, de crítica, de apresentação de propostas, o que a "soi disant oposição" foi incapaz de fazer nos últimos 12 anos.

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