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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Um novo MST para as Telecoms

Carlos U Pozzobon

Finalmente ficou claro o projeto do governo para a NewTelebras. Por mais que demorassem, as ideias gerais estão esboçadas e já fazem parte da campanha eleitoral de 2010.

Ficamos sabendo que a NewTelebras, iniciativa estatizante para um setor que padeceu os desatinos do controle estatal durante 30 anos, volta a assombrar os brasileiros — agora rebobinada para a era da Internet.

A ideia central do governo é fornecer acesso exclusivo à Internet, inicialmente aos prédios públicos, como hospitais, universidades, escolas, sedes administrativas e assim por diante. Para isso, pretende utilizar a rede de fibras ópticas comprada da falida Eletronet (para entender melhor, leia neste site ‘O que está por trás da NewTelebras’). Mas a rede governamental não chega aos prédios públicos, muito menos nas cidades, pois trata-se de rede interurbana criada pelas antigas concessionárias de energia elétrica aproveitando o fato de as fibras ópticas não serem suscetíveis a interferências eletromagnéticas e, portanto, adequadas ao percurso nas redes de energia elétrica de alta tensão. Isso não foi uma inovação brasileira, porém uma racionalização aplicada em diversos países do mundo nos anos 90, na fase explosiva da Internet.

Para chegar aos prédios públicos, será preciso construir uma rede capilarizada de fibras ópticas e instalar os equipamentos de codificação óptica e de conversão eletro-óptica, além do resto, como roteadores, modems, adaptadores, etc. Provavelmente o modelo utilizará também o sistema wireless, para conexão de última milha com as tecnologias disponíveis de última geração.

Do ponto de vista operacional, a NewTelebras prometeu oferecer uma banda insignificante de 300 kb/s por 15 reais mensais a usuários domésticos. Com isso, deixou claro que não pretende se limitar à oferta de serviços somente para órgãos públicos. Mas o problema central não é técnico: a questão começa com a legalidade da iniciativa. A lei geral de outorgas não prevê a existência de uma empresa estatal no setor. Além disso, uma empresa estatal não pode competir com empresas privadas, e a lei prevê que qualquer empresa pode se instalar e oferecer serviços de banda larga, bastando para isso requerer registro de empresa multimídia na Anatel. A antiga Telebras também não era uma empresa estatal e nem uma operadora: era uma empresa holding. Seu papel era de normatização — papel atualmente desempenhado pela Anatel. Portanto, esse é um ponto em que as atuais operadoras podem muito bem argumentar em um processo contra a NewTelebras.

O outro ponto é a questão juridicamente chamada de “concorrência desleal”. Por isso se entende a presença de uma empresa sem fins lucrativos concorrendo com empresas privadas. O artigo 209 da Lei de Propriedade Intelectual (9.279/96) diz o seguinte:

"Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviços, ou entre os produtos e serviços postos no comércio."

Como a maior parte de nossas empresas estatais não paga impostos (conforme se sabe das estatais do passado e eu não incluo a Petrobras nisso), e como os recursos da NewTelebras — que serão retirados dos impostos — não serão cobertos por esta receita insignificante, e ela já anuncia que não terá concorrentes (com preço de 15 reais por conexão de banda larga), como ficarão as empresas privadas que pagam todos os impostos e têm de se sujeitar à contabilidade de receita e despesa que não existirá na NewTelebras?

A resposta para esse dilema deve ser buscada na torrente bolivariana que assaltou parte da América Latina nos últimos anos. Trata-se do ressurgimento do fascismo com o nome pomposo de socialismo do século XXI. Nessa visão de governança, as estatais voltam como monopólios para gerir a sociedade, como em quase todos os países vítimas do populismo, onde esses monopólios não serão viabilizados sem que se faça o desmanche da atividade concorrencial.

Esse desmanche começou primeiro entre nós com o MST lutando contra o agronegócio e, literalmente, destruindo tudo o que estivesse instalado nas fazendas-alvo — só não se veem as fotos, os clipes de vídeo, e as reportagens das maravilhas da ‘economia familiar’ da propriedade retalhada pela sua Reforma Agrária. Depois, não-satisfeito, o governo acabou com a concorrência no setor de extração de petróleo do pré-sal. Um país como o Brasil descobrindo recursos capazes de se transformar numa Arábia Saudita preferiu ficar na lista dos autossuficientes, sem qualquer relevância na captação de divisas para saldar sua dívida social. Agora com a NewTelebras, o governo mirou seu canhão demolidor para a área de Telecom.

Então podemos esperar o pior com as boas intenções de sempre. Ao entrar feito um dromedário em fuga em um bazar privado, a NewTelebras sem nenhum critério de racionalidade econômica, e na base de preços subsidiados, vai roubar clientes das empresas privadas: isso pode significar a ruína dessas empresas. Um olhar para a Venezuela é o bastante para saber o que vai acontecer com a economia do país avançando nesta direção.

Mas nada disso parece preocupar a chamada ‘oposição’ no Congresso e nos meios políticos do Oiapoque ao Chuí. Em plena campanha eleitoral não se vê uma palavra sobre a NewTelebras, a menos dos comentaristas habituais do tema. Parece que a opinião pública não precisa saber o que vem pela frente ou só será capaz de se decidir depois dos estragos de sempre. Como se trata de criar uma sociedade espantando o capital competente, botando a correr o capital produtivo e entregando a nação para o partido político no poder, estamos criando as condições necessárias para a involução econômica, para a pobreza planejada e para a escassez como política de gestão. Ao contrário do que se esperava de um governo que ‘pretendia’ resolver o problema da baixa disponibilidade de Internet nos lares brasileiros.

No fim do processo, a NewTelebras terá conseguido reduzir as receitas de ICMs dos estados, pois ela não terá como repassar o ICMS para os governos estaduais, não só por falta de recursos para cobrir seus déficits como pela tradição caloteira das estatais. Quem duvida dessa afirmativa consulte a situação tributária do Brasil na era anterior a privatização ou leia o ‘Perda do Capital Social’ neste link para se informar como se empobrece um país ou como o retrocesso faz parte de uma política econômica alicerçada em empresas estatais.


Se o governo realmente tivesse interesse em beneficiar a sociedade com acesso à Internet deveria partir do raciocínio econômico elementar: como implementar um plano de máximo alcance com a menor quantidade de recursos para oferecer serviços mais baratos. Isto significa trabalhar com as empresas existentes, sem bloquear a entrada de novas no setor. Nesse caso deveria se basear no seguinte:

  1. Alterar a tributação sobre Telecom que chega a 40% da conta do assinante. Estes impostos são injustificáveis e um escândalo para o contribuinte.
  2. Elaborar junto às teles uma análise dos custos dos equipamentos e serviços e criar um banco de dados, ambos fundamentais para o plano de ação.
  3. Ouvir as autoridades do setor e as sugestões para uma grande mobilização nacional, a fim de levar a Internet superbanda larga, isto é, no mínimo 30 Mb/s para as residências e assim facilitar a implementação de IPTV. IPTV significa TV pela Internet e não adianta espernear porque a convergência de TV com Internet é a tendência dos próximos anos. Por isso, o governo deve abandonar a ideia dos 300 kb/s e pensar logo na superbanda larga.
  4. Criar um plano de metas como resultado desses estudos.
  5. Utilizar os fundos existentes como instrumento de financiamento do plano de metas. A imprensa seguidamente fala sobre os 10 bilhões recolhidos ao Tesouro pelo FUST e FUNTEL, desde a privatização. Já é algo significativo para começar.

Mas nada disso será feito enquanto o PT estiver no poder. Que ninguém se engane: a estratégia governamental se alinha com a necessidade de ampliar a base eleitoral para a obtenção de uma maioria de ‘dependentes políticos’ das concessões estatais. Esse foi o instrumento de popularidade do regime militar, que por sua vez imitava o método do governo Vargas, e agora passa a ser carimbado como o modelo petista de governar.

O desprezo pela ação baseada em fundamentos legais, capitaneado pelas mobilizações do MST, passou para o Palácio do Planalto, com a decretação do PNDH3 no final de 2009. A estratégia é a mesma: em vez de ampliação da riqueza, cercar as empresas que a produzem a ponto de tornar o negócio delas inviável. Conseguida a ruína financeira, a empresa passa para o domínio estatal, para regozijo auriverde da militância. É o que estão fazendo com o sistema de cotas para a TV por assinatura. Não bastasse a pletora de canais estatais (TV Senado, TV Câmara, TV Assembléia Legislativa, TV Justiça, TV Sesc, TV Brasil, etc.), agora o alvo são os canais mais assistidos porque são exatamente os que oferecem a melhor programação: os filmes clássicos, os canais de viagens, de variedades, de tecnologia, de ciência e assim por diante. Inicialmente vão inocular apenas o germe da destruição: obrigar a inserção de umas poucas horas de vídeo. Depois basta apertar as tenazes para provocar a ruína financeira, forçando por decreto o aumento progressivo da ‘programação nacional dirigida’. Obrigados a assistir a programação preparada pelo novo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do governo, os telespectadores irão fugindo progressivamente dos canais, que terminarão abandonando o país e inviabilizando as redes de satélites privados, operadoras via cabo e assim por diante. É o modelo bolivariano em marcha. Depois quando se pergunta por que somos um país subdesenvolvido, por que nossa renda per capita não acompanha os países do primeiro mundo, vem a resposta bisonha e vitimista de sempre: a culpa é das elites.

Portanto, que ninguém se engane: o que está em marcha não é o governo abrir um canal para oportunizar a produção audiovisual do país. Se assim fosse, bastava forçar os 7 canais estatais citados acima a divulgar a produção brasileira em 1/3 de sua programação. Com 8 horas diárias por canal, teríamos 56 horas para a produção audiovisual por dia. Para programação contínua, isso não seria conseguido nem com 10 anos de trabalho, a menos que se colocasse no ar a porcaria do cinema brasileiro dos tempos da Embrafilme dos anos 80.

Não haveria interferência nos canais internacionais e tudo estaria resolvido. Mas tem um pequeno detalhe: quase ninguém assiste estes canais, sua audiência é tão pequena, tão eventual (a TVSesc transmite excelentes programas de música popular brasileira, infelizmente mal divulgados) que representam um desperdício de dinheiro público. Então qual é a solução? Como forçar o monopólio no setor? A resposta é cristalina: acabando com a audiência dos canais internacionais. Expulsando-os das redes nacionais.

Eis aí a verdadeira intenção do socialismo do século XXI, que não por acaso é o velho fascismo do século XX. Em termos de açambarcamento, confiscos e de monopólios estatais não há muito o que inventar.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O que está por trás da NewTelebras?

Carlos U Pozzobon

Em 1972, para superar nosso atraso em telefonia, o governo militar criou a Telebrás no rastro da criação de estatais que se chamou de “milagre brasileiro”, e que somadas atingiram o total de 360, boa parte delas sem qualquer fundamento econômico, mas integradas na ordem política de então. Este festival de estatais foi o responsável pela crise da década seguinte, gerando altos déficits e inflação.

A Telebrás surgiu como uma holding para administrar as operadoras de telefonia regionais em cada Estado. Uma empresa de âmbito nacional, chamada Embratel, se encarregava de conectar as Teles regionais e manter os recursos de conexão internacional do Brasil, além de administrar e operar os satélites domésticos. Cabia à Telebrás emitir normas de telefonia e criar o laboratório de certificação e análise de equipamentos, ainda existente. A principal razão disso eram os baixos investimentos das concessionárias privadas no setor, embora esses baixos investimentos fossem justamente devido à instabilidade institucional.

As estatais de Telecom tinham como foco principal o atendimento das reivindicações políticas dos prefeitos e governadores, de modo que os investimentos em Telecom eram realizados tendo em vista o calendário político de ocasião. Claro, isto quase nada mudou, a não ser o fato de que a privatização tirou do sistema político a possibilidade de interferência. Agora, piano-piano, os fantasmas do passado voltam a espantar o presente: sinal inequívoco de que o Brasil anda para trás. Mas nosso atavismo regressista não pode ser entendido sem que se entenda o sistema político — elemento fundamental no desperdício do dinheiro público e um dos componentes mais brilhantemente produzidos pela nossa tradição histórica e sociológica de subdesenvolvimento.

No tempo da Telebrás, as Teles eram constituídas por 3 áreas fundamentais: transmissão, comutação e redes. A área de transmissão tratava das conexões interurbanas. A área de comutação era destinada à implantação e gerenciamento das centrais telefônicas, e a área de redes cuidava do cabeamento urbano e do atendimento ao cliente.

Uma das características mais importantes daquele período era a definição dos fornecedores. Somente poderiam ser fornecedoras empresas estabelecidas no país — todas as outras estavam excluídas, até mesmo de consultas. Com isso, a Telebrás criou uma reserva de mercado para cada empresa fornecedora, que, nos anos 70, as principais eram a Ericsson, a Siemens, a Standard Electric (depois Alcatel) e Pirelli. Mais tarde, chegaram a NEC, e outras com atuação episódica, como a Inbelsa (que pertencia à Philips). Havia também as nacionais, como a Telefunken, fornecedora de rádios e outras fornecedoras de rádios V-UHF monocanais, ao lado de poucas outras empresas beneficiadas pela divisão de mercado dos militares.

Esse sistema pode ser definido como mercantilismo clássico, mas por certas carências intelectuais básicas, no Brasil era mal falado como capitalismo. Como vimos, o país era dividido em regiões e cada região tinha seu próprio fornecedor, embora para efeitos práticos se fizessem licitações que — como nos dias atuais — eram carregadas de exigências burocráticas que acabavam dando vitória aos fornecedores escolhidos previamente, no velho jogo das cartas marcadas vigente e recorrente. O preço pago pelas estatais girava em torno de 4 a 5 vezes o preço do mercado internacional, mas como este estava blindado, o preço e o custo pesado dos impostos de importação não eram muito importantes já que tudo acabava na conta do infeliz usuário de telecom. O resultado dessa dirtorção é que essas empresas não atendiam a população, e, como todo mundo sabe, a escassez cria por si mesma o mercado paralelo, que vendia um telefone pelo preço que variava de 2 a 5 vezes o valor da concessionária da Telebrás, que já era extraordinariamente caro. Em regiões mais opulentas do Brasil, a defasagem poderia ser ainda maior.

Como todos os equipamentos eram importados, e a crise do petróleo de 73 trouxe sérios problemas no balanço de pagamentos do Brasil, a solução foi nacionalizar o máximo possível a tecnologia. Com lideranças burocráticas estatais impotentes para desenhar um programa nacional de investimentos tecnológicos, o governo decidiu nacionalizar os produtos com base no peso. Assim, se um equipamento tivesse 100 quilos, e 80 quilos fossem de placas de aço dos gabinetes e da estrutura montados no Brasil, se dizia que ele era '80% nacional'. Enquanto o mundo evoluía para a microeletrônica (fase anterior à nanotecnologia), o nacionalismo brasileiro era tanto maior quanto mais peso se colocasse no equipamento, contanto que este peso fosse nacional. Era a maquiagem de então e, como cada época tem seu próprio figurino, a única solução para o traje não cair era buscar crédito nos bancos internacionais para viabilizar as vendas das próprias empresas transnacionais aqui instaladas. Como os juros pagos aos bancos internacionais eram melhores que os domésticos, naturalmente o negócio deu certo — e, assim, o modelo de telecomunicações foi fartamente responsável pelo endividamento externo do Brasil.

O fator característico do modelo estatal da Telebrás (e de todos os outros) era a falta de poder de decisão de suas diretorias. Começando pelos financiamentos, passando pelos investimentos e contratações, tudo era feito externamente às empresas — no âmbito das decisões políticas. As diretorias eram apenas vacas de presépio, e aos técnicos cabia o insuportável papel de fazer as 'adaptações'.

Quando uma empresa não tem poder de decidir sobre sua própria atividade, toda a estrutura vertical de autoridade desanda. Incapaz de reagir às interferências, a empresa torna-se presa dos desmandos, das suspeitas, do faz-de-conta, que por sua vez alimentam as corriolas que terminam se deitando e rolando, fomentando o desperdício, a desonestidade institucionalizada e a fraude. Dessa forma, a máquina prestadora de serviços é capturada pelos funcionários, que fazem o que querem, quando e como querem. A falta de poder de decisão termina desembocando na ausência de poder de coerção. Boa parte da brasilidade está alicerçada neste mau-caráter produzido pelo estatismo de cada um agir como bem entende.

Mas estes fatos — embora produzidos aos milhares no país, desde os tempos remotos do Brasil colonial — não migraram para nossa "intelligentsia", não fazem parte da análise de sociólogos, historiadores e críticos. Por alguma razão misteriosa, nosso estatismo não entra para o crédito do nosso atraso. Quando muito nos dedicamos a comparações quantitativas, mas nunca qualitativas.

Para comprar um telefone, o cidadão esperava abrir as inscrições, que poderia levar um ano ou dois. Assinava o contrato, pagava em prestações mensais, e esperava até 36 meses para receber o telefone. Mas se o prazo não fosse cumprido, isso não era muito importante, afinal o mercado paralelo estava disponível para qualquer um. A única forma de contornar esta dificuldade, era um bom padrinho político, que tratava dos contatos com as diretorias das concessionárias, que então lançavam mão de suas reservas técnicas para atender os afilhados. Essa foi a era gloriosa da popularidade da Arena, hoje tão imitada pelo PT. Não há nada mais característico do nosso sistema político do que fazer a sociedade refém de seus representantes que, através de suas intervenções, criam o clientelismo indispensável à sua perpetuidade no poder. Em outros lugares, este sistema é chamado de fascismo, mas no Brasil todos o chamam de democracia. E, por uma estranha razão, este sistema desfruta de imensa popularidade e prestígio — demonstrados pela criação da NewTelebras, e de qualquer outra estatal que crie empregos para correligionários.

Nossa tradição tem uma deferência tão grande pela pobreza, que conhece muito bem o quanto os indivíduos necessitados são capazes de aceitar todas as formas de subserviência (quando não de humilhação), para se submeter aos caprichos dos políticos no poder, em troca de uma boa recompensa, de uma moedinha cintilante jogada na calçada dos desvalidos. Os telefones do passado tinham essa moeda de troca. As privatizações acabaram com essa infâmia nacional — agora quer se reativar a mesma vergonha do passado.

Claro, a NewTelebras deverá fornecer banda larga à população brasileira. Como isso é meio vago, é preciso criar um rosário de boas intenções para se chegar ao ponto, que é forrar os bolsos dos espertalhões de sempre e de seus novos associados no mundo político. Então, começa-se dizendo que existem locais do país em que não se tem nem telefones. Esse é o mesmo argumento utilizado pela Agência Nacional para irradiar a abominável 'Voz do Brasil', pois não é verdade que existem uns municípios perdidos nos grotões que precisam dos serviços daquela gente de Brasília?

A NewTelebras utilizará a rede da Eletronet, que faliu porque seus proprietários acreditaram em um mercado que mal entendiam e não foram capazes de dar soluções. Mas como fazer com que a rede da Eletronet, uma rede pendurada pelas torres de energia elétrica, chegue aos consumidores? Como levar a fibra óptica até dentro da casa do assinante?

A resposta para essa pergunta é a chave da questão. E a chave está bem guardada. A questão vem lá de trás, com a fusão entre a Oi e a Brasil Telecom, ocorrida nesta sequência: a Oi se associa à Gamecorp, levando o filho do presidente para a tribo dos esquenta-cadeiras ministeriais e dos sócios minoritários. Afinal, o rapaz era modesto. Nesse meio tempo, é dado um pescoceio em Daniel Dantas, celebrado como um mago do mercado financeiro, até que se descobrem as "fraudatio vulgatus brasiliensis". A fusão Oi-BrT chegou a ser saudada por alguns incautos como um bom negócio para o Brasil, que poderia criar uma operadora em condições de competir internacionalmente. Como sempre, os tolos em ação. Para realizar a proeza da fusão, foi necessário alterar o Plano Geral de Outorgas, que, no tempo do Sérgio Motta, dividiu o país em áreas de atuação. Mas por trás do negócio, havia um investidor da Oi que era irmão do senador Tasso Jereissati. Assim, oposição e situação, ou se quiserem melhor, Senado e Planalto convergiram para os mesmos interesses. Muda-se o Plano de Outorgas alinhavado na época da privatização e pronto: eis aí um novo monopólio comandado pelos fundos de pensão (aqueles do capitalismo com o capital alheio) em consórcio com os empresários de Estado. E 26 dos 27 estados da federação passam a ter uma empresa exploradora de telefonia fixa.

A fusão da OI com a Brasil Telecom já teve o carimbo das mamatas. Um dos fundos de pensão, que por acaso era o Petros, não participou da audiência onde deveria fazer a fusão das ações na composição do novo capital. Resultado: perdeu 50 milhões no cochilo produzido por cochichos de espertalhões.

Agora vem a última fase: Telefonia não tem futuro se não estiver associada à Internet e IPTV. Como fazer para criar uma rede nacional que no passado era monopólio da Embratel? Aí aparece a Eletronet com um novo Daniel Dantas, o mago Nelson dos Santos que comprou por R$1,00 (hum real) 49% das ações da falida Eletronet. Batendo na porta de Zé Dirceu, descobriu-se que a rede de fibras ópticas às escuras, penduradas nas torres de alta tensão de Furnas e congêneres, tinha enfim um destino luminoso: servir de integração nacional da Oi-BrT contornando a concorrente Embratel. Tudo certo? Não, é claro. A Eletronet tem dívidas e ninguém quer empresas endividadas, ou melhor, ninguém quer as dívidas e todos querem a empresa. Então o passo seguinte é passar a dívida para o governo, ora bolas. E aí surge a NewTelebras para ocupar seu lugar no mundo dos negócios desenhados em Brasília.

Assim, a interligação está pronta para a superbanda com largura mínima de 30 Mb/s — para viabilizar os serviços de IPTV em alta definição — na ponta do assinante. Mas como chegar ao assinante se a rede é apenas backbone, isto é, uma rede interurbana? Isso significa investir uma montanha de dinheiro. Mesmo considerando que as redes de fibras ópticas de assinantes são passivas (denominadas no jargão de telecom de GPON, Gigabit Passive Optical Network) e, portanto, permitem que uma fibra se divida em 32 assinantes (com um par de frequências para cada um), ainda assim será necessária a instalação de uma nova rede óptica. E isso não é feito da noite para o dia.

De qualquer forma, o que se sabe é que uma empresa estatal não pode competir com empresas privadas. Então a NewTelebras nunca chegará na casa do assinante, mas servirá de suporte para a Oi fazer sua rede. Sendo o governo parte da Oi, o que se pode esperar para as outras empresas como Telefonica-Vivo, Embratel-Claro e Tim? O que vai acontecer com a NET e TVA? É legal o governo interceder em favor de uma empresa em detrimento de outras? Se prosseguir nesta direção, o governo pode estar criando um imbróglio jurídico inescapável. Aliás, se o governo quisesse efetivamente impulsionar a superbanda larga para toda a população, bastaria usar os recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, cobrados em 1,5% em todas as contas mensais) que já acumulam mais de R$10 bilhões. Bastaria usá-los como subsídio para uma superbanda larga barata. Dois ou três especialistas em telecom, e mais um ou dois em regulamentação, podem apresentar um plano de superbanda larga para toda a população com esses R$10 bilhões acumulados pelo Tesouro.

Mas não é isso o que pensa Brasília. E como Brasília parece ser a nossa principal fonte de geração de desigualdades, nada se pode esperar da ressurreição deste monstro do passado, a menos do desperdício do dinheiro público.