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segunda-feira, 8 de março de 2010

O que está por trás da NewTelebras?

Carlos U Pozzobon

Em 1972, para superar nosso atraso em telefonia, o governo militar criou a Telebrás no rastro da criação de estatais que se chamou de “milagre brasileiro”, e que somadas atingiram o total de 360, boa parte delas sem qualquer fundamento econômico, mas integradas na ordem política de então. Este festival de estatais foi o responsável pela crise da década seguinte, gerando altos déficits e inflação.

A Telebrás surgiu como uma holding para administrar as operadoras de telefonia regionais em cada Estado. Uma empresa de âmbito nacional, chamada Embratel, se encarregava de conectar as Teles regionais e manter os recursos de conexão internacional do Brasil, além de administrar e operar os satélites domésticos. Cabia à Telebrás emitir normas de telefonia e criar o laboratório de certificação e análise de equipamentos, ainda existente. A principal razão disso eram os baixos investimentos das concessionárias privadas no setor, embora esses baixos investimentos fossem justamente devido à instabilidade institucional.

As estatais de Telecom tinham como foco principal o atendimento das reivindicações políticas dos prefeitos e governadores, de modo que os investimentos em Telecom eram realizados tendo em vista o calendário político de ocasião. Claro, isto quase nada mudou, a não ser o fato de que a privatização tirou do sistema político a possibilidade de interferência. Agora, piano-piano, os fantasmas do passado voltam a espantar o presente: sinal inequívoco de que o Brasil anda para trás. Mas nosso atavismo regressista não pode ser entendido sem que se entenda o sistema político — elemento fundamental no desperdício do dinheiro público e um dos componentes mais brilhantemente produzidos pela nossa tradição histórica e sociológica de subdesenvolvimento.

No tempo da Telebrás, as Teles eram constituídas por 3 áreas fundamentais: transmissão, comutação e redes. A área de transmissão tratava das conexões interurbanas. A área de comutação era destinada à implantação e gerenciamento das centrais telefônicas, e a área de redes cuidava do cabeamento urbano e do atendimento ao cliente.

Uma das características mais importantes daquele período era a definição dos fornecedores. Somente poderiam ser fornecedoras empresas estabelecidas no país — todas as outras estavam excluídas, até mesmo de consultas. Com isso, a Telebrás criou uma reserva de mercado para cada empresa fornecedora, que, nos anos 70, as principais eram a Ericsson, a Siemens, a Standard Electric (depois Alcatel) e Pirelli. Mais tarde, chegaram a NEC, e outras com atuação episódica, como a Inbelsa (que pertencia à Philips). Havia também as nacionais, como a Telefunken, fornecedora de rádios e outras fornecedoras de rádios V-UHF monocanais, ao lado de poucas outras empresas beneficiadas pela divisão de mercado dos militares.

Esse sistema pode ser definido como mercantilismo clássico, mas por certas carências intelectuais básicas, no Brasil era mal falado como capitalismo. Como vimos, o país era dividido em regiões e cada região tinha seu próprio fornecedor, embora para efeitos práticos se fizessem licitações que — como nos dias atuais — eram carregadas de exigências burocráticas que acabavam dando vitória aos fornecedores escolhidos previamente, no velho jogo das cartas marcadas vigente e recorrente. O preço pago pelas estatais girava em torno de 4 a 5 vezes o preço do mercado internacional, mas como este estava blindado, o preço e o custo pesado dos impostos de importação não eram muito importantes já que tudo acabava na conta do infeliz usuário de telecom. O resultado dessa dirtorção é que essas empresas não atendiam a população, e, como todo mundo sabe, a escassez cria por si mesma o mercado paralelo, que vendia um telefone pelo preço que variava de 2 a 5 vezes o valor da concessionária da Telebrás, que já era extraordinariamente caro. Em regiões mais opulentas do Brasil, a defasagem poderia ser ainda maior.

Como todos os equipamentos eram importados, e a crise do petróleo de 73 trouxe sérios problemas no balanço de pagamentos do Brasil, a solução foi nacionalizar o máximo possível a tecnologia. Com lideranças burocráticas estatais impotentes para desenhar um programa nacional de investimentos tecnológicos, o governo decidiu nacionalizar os produtos com base no peso. Assim, se um equipamento tivesse 100 quilos, e 80 quilos fossem de placas de aço dos gabinetes e da estrutura montados no Brasil, se dizia que ele era '80% nacional'. Enquanto o mundo evoluía para a microeletrônica (fase anterior à nanotecnologia), o nacionalismo brasileiro era tanto maior quanto mais peso se colocasse no equipamento, contanto que este peso fosse nacional. Era a maquiagem de então e, como cada época tem seu próprio figurino, a única solução para o traje não cair era buscar crédito nos bancos internacionais para viabilizar as vendas das próprias empresas transnacionais aqui instaladas. Como os juros pagos aos bancos internacionais eram melhores que os domésticos, naturalmente o negócio deu certo — e, assim, o modelo de telecomunicações foi fartamente responsável pelo endividamento externo do Brasil.

O fator característico do modelo estatal da Telebrás (e de todos os outros) era a falta de poder de decisão de suas diretorias. Começando pelos financiamentos, passando pelos investimentos e contratações, tudo era feito externamente às empresas — no âmbito das decisões políticas. As diretorias eram apenas vacas de presépio, e aos técnicos cabia o insuportável papel de fazer as 'adaptações'.

Quando uma empresa não tem poder de decidir sobre sua própria atividade, toda a estrutura vertical de autoridade desanda. Incapaz de reagir às interferências, a empresa torna-se presa dos desmandos, das suspeitas, do faz-de-conta, que por sua vez alimentam as corriolas que terminam se deitando e rolando, fomentando o desperdício, a desonestidade institucionalizada e a fraude. Dessa forma, a máquina prestadora de serviços é capturada pelos funcionários, que fazem o que querem, quando e como querem. A falta de poder de decisão termina desembocando na ausência de poder de coerção. Boa parte da brasilidade está alicerçada neste mau-caráter produzido pelo estatismo de cada um agir como bem entende.

Mas estes fatos — embora produzidos aos milhares no país, desde os tempos remotos do Brasil colonial — não migraram para nossa "intelligentsia", não fazem parte da análise de sociólogos, historiadores e críticos. Por alguma razão misteriosa, nosso estatismo não entra para o crédito do nosso atraso. Quando muito nos dedicamos a comparações quantitativas, mas nunca qualitativas.

Para comprar um telefone, o cidadão esperava abrir as inscrições, que poderia levar um ano ou dois. Assinava o contrato, pagava em prestações mensais, e esperava até 36 meses para receber o telefone. Mas se o prazo não fosse cumprido, isso não era muito importante, afinal o mercado paralelo estava disponível para qualquer um. A única forma de contornar esta dificuldade, era um bom padrinho político, que tratava dos contatos com as diretorias das concessionárias, que então lançavam mão de suas reservas técnicas para atender os afilhados. Essa foi a era gloriosa da popularidade da Arena, hoje tão imitada pelo PT. Não há nada mais característico do nosso sistema político do que fazer a sociedade refém de seus representantes que, através de suas intervenções, criam o clientelismo indispensável à sua perpetuidade no poder. Em outros lugares, este sistema é chamado de fascismo, mas no Brasil todos o chamam de democracia. E, por uma estranha razão, este sistema desfruta de imensa popularidade e prestígio — demonstrados pela criação da NewTelebras, e de qualquer outra estatal que crie empregos para correligionários.

Nossa tradição tem uma deferência tão grande pela pobreza, que conhece muito bem o quanto os indivíduos necessitados são capazes de aceitar todas as formas de subserviência (quando não de humilhação), para se submeter aos caprichos dos políticos no poder, em troca de uma boa recompensa, de uma moedinha cintilante jogada na calçada dos desvalidos. Os telefones do passado tinham essa moeda de troca. As privatizações acabaram com essa infâmia nacional — agora quer se reativar a mesma vergonha do passado.

Claro, a NewTelebras deverá fornecer banda larga à população brasileira. Como isso é meio vago, é preciso criar um rosário de boas intenções para se chegar ao ponto, que é forrar os bolsos dos espertalhões de sempre e de seus novos associados no mundo político. Então, começa-se dizendo que existem locais do país em que não se tem nem telefones. Esse é o mesmo argumento utilizado pela Agência Nacional para irradiar a abominável 'Voz do Brasil', pois não é verdade que existem uns municípios perdidos nos grotões que precisam dos serviços daquela gente de Brasília?

A NewTelebras utilizará a rede da Eletronet, que faliu porque seus proprietários acreditaram em um mercado que mal entendiam e não foram capazes de dar soluções. Mas como fazer com que a rede da Eletronet, uma rede pendurada pelas torres de energia elétrica, chegue aos consumidores? Como levar a fibra óptica até dentro da casa do assinante?

A resposta para essa pergunta é a chave da questão. E a chave está bem guardada. A questão vem lá de trás, com a fusão entre a Oi e a Brasil Telecom, ocorrida nesta sequência: a Oi se associa à Gamecorp, levando o filho do presidente para a tribo dos esquenta-cadeiras ministeriais e dos sócios minoritários. Afinal, o rapaz era modesto. Nesse meio tempo, é dado um pescoceio em Daniel Dantas, celebrado como um mago do mercado financeiro, até que se descobrem as "fraudatio vulgatus brasiliensis". A fusão Oi-BrT chegou a ser saudada por alguns incautos como um bom negócio para o Brasil, que poderia criar uma operadora em condições de competir internacionalmente. Como sempre, os tolos em ação. Para realizar a proeza da fusão, foi necessário alterar o Plano Geral de Outorgas, que, no tempo do Sérgio Motta, dividiu o país em áreas de atuação. Mas por trás do negócio, havia um investidor da Oi que era irmão do senador Tasso Jereissati. Assim, oposição e situação, ou se quiserem melhor, Senado e Planalto convergiram para os mesmos interesses. Muda-se o Plano de Outorgas alinhavado na época da privatização e pronto: eis aí um novo monopólio comandado pelos fundos de pensão (aqueles do capitalismo com o capital alheio) em consórcio com os empresários de Estado. E 26 dos 27 estados da federação passam a ter uma empresa exploradora de telefonia fixa.

A fusão da OI com a Brasil Telecom já teve o carimbo das mamatas. Um dos fundos de pensão, que por acaso era o Petros, não participou da audiência onde deveria fazer a fusão das ações na composição do novo capital. Resultado: perdeu 50 milhões no cochilo produzido por cochichos de espertalhões.

Agora vem a última fase: Telefonia não tem futuro se não estiver associada à Internet e IPTV. Como fazer para criar uma rede nacional que no passado era monopólio da Embratel? Aí aparece a Eletronet com um novo Daniel Dantas, o mago Nelson dos Santos que comprou por R$1,00 (hum real) 49% das ações da falida Eletronet. Batendo na porta de Zé Dirceu, descobriu-se que a rede de fibras ópticas às escuras, penduradas nas torres de alta tensão de Furnas e congêneres, tinha enfim um destino luminoso: servir de integração nacional da Oi-BrT contornando a concorrente Embratel. Tudo certo? Não, é claro. A Eletronet tem dívidas e ninguém quer empresas endividadas, ou melhor, ninguém quer as dívidas e todos querem a empresa. Então o passo seguinte é passar a dívida para o governo, ora bolas. E aí surge a NewTelebras para ocupar seu lugar no mundo dos negócios desenhados em Brasília.

Assim, a interligação está pronta para a superbanda com largura mínima de 30 Mb/s — para viabilizar os serviços de IPTV em alta definição — na ponta do assinante. Mas como chegar ao assinante se a rede é apenas backbone, isto é, uma rede interurbana? Isso significa investir uma montanha de dinheiro. Mesmo considerando que as redes de fibras ópticas de assinantes são passivas (denominadas no jargão de telecom de GPON, Gigabit Passive Optical Network) e, portanto, permitem que uma fibra se divida em 32 assinantes (com um par de frequências para cada um), ainda assim será necessária a instalação de uma nova rede óptica. E isso não é feito da noite para o dia.

De qualquer forma, o que se sabe é que uma empresa estatal não pode competir com empresas privadas. Então a NewTelebras nunca chegará na casa do assinante, mas servirá de suporte para a Oi fazer sua rede. Sendo o governo parte da Oi, o que se pode esperar para as outras empresas como Telefonica-Vivo, Embratel-Claro e Tim? O que vai acontecer com a NET e TVA? É legal o governo interceder em favor de uma empresa em detrimento de outras? Se prosseguir nesta direção, o governo pode estar criando um imbróglio jurídico inescapável. Aliás, se o governo quisesse efetivamente impulsionar a superbanda larga para toda a população, bastaria usar os recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, cobrados em 1,5% em todas as contas mensais) que já acumulam mais de R$10 bilhões. Bastaria usá-los como subsídio para uma superbanda larga barata. Dois ou três especialistas em telecom, e mais um ou dois em regulamentação, podem apresentar um plano de superbanda larga para toda a população com esses R$10 bilhões acumulados pelo Tesouro.

Mas não é isso o que pensa Brasília. E como Brasília parece ser a nossa principal fonte de geração de desigualdades, nada se pode esperar da ressurreição deste monstro do passado, a menos do desperdício do dinheiro público.

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