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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Quando a torpeza vira deboche

Carlos U Pozzobon


Se você acha que só nosso Congresso elege políticos verdadeiramente energúmenos, não sabe o que se passa no resto das casas legislativas do mundo. Nos EUA, ainda a maior potência mundial, tem representantes que parecem ter saído de uma periferia dominada pelas milícias, como é o caso de uma congressista republicana da Georgia, chamada Marjorie Taylor Greene, já conhecida da imprensa como porta-voz de teorias conspiratórias, que assim se referiu às investigações lançadas pelo Congresso contra a tentativa de invasão pelos fanáticos trumpistas em 6 de janeiro de 2021:
“Não temos apenas a prisão DC (District of Columbia, a sede do governo), mas agora nós temos a polícia gaspacho de Nancy Pelosi, espionando os membros do Congresso, espionando o trabalho legislativo que fizemos, espionando os funcionários e os cidadãos americanos que frequentam esta casa para falar com seus representantes”, disse Marjorie.

Reproduzo aqui a reportagem do “The Times of Israel” (10-2-22). As reações não poderiam ser em outro tom que o da galhofa: “nossa equipe está de olho no GOP (o partido republicano) da sopa às nozes”, disse Sarah Longwell, fundadora de um grupo republicano no Twitter com o propósito de expulsar do partido os acólitos de Donald Trump. No caso, “da sopa às nozes” era um trocadilho intraduzível, já que nuts (nozes) é também doido varrido.

Imediatamente seguiu-se a adesão de mais alguns judeus liberais com a artilharia da ironia: “Aderi a ela na luta contra tanto a polícia Gaspacho como seus aliados colaboracionistas na Vichyssoise”, disse Akiva Cohen, fazendo mais um trocadilho entre o regime colaboracionista francês de Vichy com o nome de uma sopa fria da região.

“São coisas que a polícia gaspacho faria no caldo!” disse Eric Muller, um scholar do Holocausto na Universidade da Carolina do Norte, “na câmara de tortilla deles”.

Um outro influencer verificou que a deputada Marjorie provavelmente quisesse se referir a outra coisa: “ela pensa que Pelosi é uma sopa Nazi”. Outros expressaram suas preocupações de que ela pudesse confundir o sistema prisional soviético chamado “gulag” com “goulash” um picadinho de carne de origem húngara.

Marjorie Taylor Greene já era conhecida da imprensa por um episódio ocorrido em 2018 quando afirmou que a família Rothschild tinha lançado raios lasers desde o espaço para provocar incêndio nas matas da Califórnia. Ela é uma aderente devota das teorias da conspiração e promovia as ideias do grupo de extrema-direita QAnon em apoio a Trump.

Mentes lúcidas também cometem gafes, como foi o caso de Kim Kataguiri, que provocado sobre a legalidade de um partido nazista no Brasil, afirmou que se tal ocorresse serviria para que se combatessem as ideias nazistas no âmbito democrático. Kim é um dos maiores talentos políticos que conheço, mas sua gafe merece ser desculpada, já que é um erro explicável e não uma confusão mental. O banimento do nazismo não se enquadra apenas na necessidade de sobrevivência da democracia que, neste caso, também deveria incluir os partidos comunistas e pró-bolivarianos, mas no fato de que o nazismo é assumidamente racista, supremacista, homofóbico e, principalmente, genocida. Isto não impede que tenha surgido regimes com a mesma inspiração que, desde a Segunda Guerra Mundial, apareceram na África, Oriente e América Latina. E continuam a se proliferar com seus próprios nomes.

O nazismo DEVE ser objeto de estudos acadêmicos, justamente para que as elites políticas não se deixem iludir com as dissimulações proteiformes que usualmente façam renascer os velhos pesadelos com novos nomes. Embora a história tenha mostrado que alertas, em geral, não são suficientes para frear a avalanche. Isto é diferente de conferir status legal. O Marquês de Sade também deve ser objeto de estudos da psicologia, mas nem por isso o sadismo merece qualquer amparo, embora se saiba que existem mais sádicos que nazistas no mundo. Quando não são os mesmos.


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