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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A EMBRAER E O COMPLEXO DE VIRA-LATA

Carlos U Pozzobon

Os que viajam ao exterior costumam ficar sobressaltados toda a vez que o BC, em comunicado alarmante, anuncia alguma medida como aumento de IOF ou da cotação do dólar, devido ao fraco desempenho das exportações brasileiras frente à escassez de reservas.

E, naturalmente, a imprensa não se furta de lembrar que os responsáveis são os brasileiros que viajam perdulariamente para o exterior. Não ocorre a ninguém lembrar a sucessão periódica de desperdícios com que tratamos nossa economia como a causa de nossas aflições.

A venda da Embraer representa nada menos do que a perda anunciada de 5 bilhões de dólares anuais com que o Brasil dispensa em divisas depois que, abocanhada pela Boeing, perceber que “não vale a pena” produzir no ambiente tributário e social caóticos do Brasil.

Embora as duas empresas não possam ser comparadas em tamanho – a Boeing é 16 vezes maior em faturamento – não existem justificativas de mercado, como apregoam os paladinos da fusão, para a Embraer entregar sua expertise e sucesso pelo equivalente ao faturamento anual da empresa.

A própria Embraer se encarregou de dar o aviso da opulência do setor: “a Embraer estimou em seu Relatório das Perspectivas de Mercado (2018) uma demanda de 10.550 novas aeronaves com capacidade para até 150 assentos nos próximos 20 anos no mundo. A frota de aeronaves em serviço deve aumentar para 16.000 unidades no período, maior do que as 9.000 que estão atualmente em operação.”

A Embraer se anuncia como “líder na fabricação de jatos comerciais de até 150 assentos”. Como explicar que a líder tenha razões para se fundir em condições tão desvantajosas com relação à participação societária na nova empresa? Na fusão da Bombardier com a Airbus, aquela ficou com 49,9% das ações, sendo a Bombardier uma perdedora no mercado. Por que a Embraer deveria aceitar 20% se é a “winner”?

Se o argumento principal pela fusão é o da tendência de concentração do mercado, vale a pena lembrar que a Boeing, já centenária, só despertou para a aviação regional porque se tornou um grande negócio. Neste caso, ela deveria procurar a Embraer para fazer sinergia com sua grande quantidade de produtos, e isso seria natural com uma participação minoritária, já que a expertise é da Embraer que preservaria o comando das decisões porque simplesmente é quem comanda a produção.

No entanto, frente a uma grande e poderosa empresa, ninguém se atreve a determinar as condições que preservassem a Embraer como sócia majoritária. Afinal, o interesse é da Boeing e não da Embraer, porque a iniciativa foi da primeira e não da segunda.

Tudo leva a crer que a Boeing se sentiu ameaçada com o sucesso da Embraer, e ninguém me convence que em poucos anos a Embraer não poderia entrar também no mercado dos aviões de grande capacidade por upgrade. Atualmente, o E-195 E2 da Embraer já compete com o Boeing 777-300. Neste caso, estaria com seu portfólio aumentado e seu número de empregados bem acima dos atuais 18,5 mil.

Isto é possível? Depende do lado que se vê: para um país que já investiu em campeões nacionais como Eike Batista e JBS, e exportou capital para países bolivarianos a rodo, não me parece impossível a Embraer dar um salto e passar a competir com as grandes. Principalmente quando se sabe que experiência ela já tem, e que nesta terra não deve faltar dinheiro para investir onde já se sabe que deu certo. Ou seria o sucesso a possível maldição e descaso com que a Embraer está sendo tratada no novo governo? Assim como quem fabrica automóveis pode fabricar caminhões e ônibus e o resto do setor automotivo, certamente a Embraer seria capaz de surpreender outra vez, se fosse tratada como empresa inserida no interesse estratégico do Brasil. Qualquer país que queira dar um salto em seu desenvolvimento e condições de vida e riqueza precisa estabelecer estratégias de investimento em alta tecnologia. Foi com este pensamento que Osires Silva construiu uma empresa símbolo da educação de elite gerada pelo ITA.

E tudo leva a crer que ela está sendo comprada exatamente pela possibilidade de ser uma grande empresa em poucos anos.

Não basta ser bem sucedido no agronegócio e na exploração mineral. O Brasil precisa de mais, muito mais, se quiser se inserir na economia mundial além de exportador de matéria-prima. No mundo empresarial internacional, no fremente desenrolar dos investimentos não interessa se tal ou qual negócio foi realizado por este ou aquele governo. Conta apenas o que o país fez num intervalo de tempo de uma década, ou outro intervalo qualquer. E para o Brasil que comprou Pasadena e está prestes a vender a Embraer não se pode esperar outra coisa da comunidade internacional senão a zombaria à boca pequena, aquela cochichada nos ouvidos para não humilhar nosso complexo de vira-lata.

O complexo consiste exatamente em não se acreditar que o Brasil possa ter empresas participantes no mercado internacional. O sentimento de inferioridade leva a opiniões como, “o mercado não é favorável à Embraer”, “a tendência é a concentração e ela não sobreviverá”, “o futuro do setor não nos beneficia”, e coisas do gênero. O sentimento que aqui vigora é solenemente desprezado em qualquer país asiático.

Não importa o quanto os governos que se sucedem diferem um do outro. O fato inegável é que eles seguem o mesmo padrão de autodestruição do país. Porque aqui ninguém muda em mentalidade.


Um comentário:

  1. Pq ela não se associou a uma empresa chinesa, onde ela teria acesso privilegiado no mercado chinês e tb acesso a tecnologia de ponta q foi um dos argumentos da venda pra Boeing

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