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terça-feira, 11 de setembro de 2018

A cultura da conspiração

Carlos U Pozzobon

O fato de ter nascido em uma cidade ferroviária em que os trens desapareceram depois de um lento fenecimento, sempre me chamou a atenção para o inexplicável descaso com a retomada do transporte sobre trilhos. Não obstante, e sendo um entusiasta de trens e usuário sempre que ando pela Europa, toda a vez que mencionei este assunto nos últimos 40 anos, seja em oficina mecânica, posto de gasolina ou conversa de rua com desconhecidos, ao indagar o porquê do desaparecimento dos trens de passageiros sempre obtive a mesma resposta: “a indústria automobilística não deixa”. 

Esta frase, recorrente em nosso flaubertiano dicionário de ideias prontas, comprova como é forte as nossas inclinações para aceitar sem mais suspeitas a lógica da teoria da conspiração.

Tudo se passa como se o estado fosse impotente perante a decisão de um grupo corporativo que, sob suas ordens, fosse capaz de prescrever o que deve ser feito na infraestrutura do país que, não obstante, mudando de dirigentes e até de regime político, não é capaz de alterar a determinação de uma decisão secreta, confidencial e supostamente ameaçadora, a ponto de barrar qualquer iniciativa no setor.

Olhando mais detidamente, a conspiração é a forma mais eficaz para estabelecer relações que se adequem a um propósito político. Ela serve para explicar o adversário, mas não serve para ser usada em favor do postulante. Este sempre diz a verdade.

Os argumentos que fundamentam as ideias da teoria da conspiração apresentam mais um paradoxo: alguns casos pontuais verdadeiros passaram a ser usados como um fenômeno geral. Uma contaminação de um produto alimentício passa a ser usada para combater todo o produto. O defeito em um aparelho eletrodoméstico liquida com toda a produção. Um acidente de trânsito sempre tem a suspeita de ter sido provocado, antecedendo qualquer explicação.

A teoria da conspiração possui uma superioridade imbatível. Ela conforta aqueles atormentados pela dúvida com uma explicação simples. Serve de autojustificativa para o descontentamento pessoal frente à expectativa de uma vida melhor. Diariamente, milhões de brasileiros estão pensando em como sair da situação em que se encontram para conseguir uma vida mais confortável e segura. Perceptível nos olhares aflitos, no discurso de resignação e na recorrência da esperança, a conspiração como discurso explicativo dispensa qualquer esforço intelectual para entender a realidade: ela passa a ser a vontade sórdida e oculta dos inimigos. E levada para a disputa eleitoral, se transforma em um festival de besteiras letal para qualquer candidatura reformista.

A ideia de conspiração se ajusta a falta de confiança que fundamenta a vida social. Povos submetidos a autocracias garantidoras de poderes discricionários são propensos ao pensamento conspiratório. A conspiração está para o pensamento político como a superstição para a explicação de fenômenos naturais nos povos que antecederam a modernidade científica.

Conhecendo de sobra o legado do lulopetismo para o dicionário de conspirações, saí em campo atrás de uma explicação na direção oposta, me detendo na tão badalada afirmação de que o PCC comanda a política em São Paulo. Alguma coisa deve se passar, pensei eu, nos subterrâneos do poder que, de forma abafada e subversiva, define o que Alckmin faz ou deixa de fazer no estado, por ordens secretas de um grupo que comanda detrás das grades, mas com um aparelho que deve ser superior a tudo que se imagina.

E assim cheguei no meu vendedor de peixes das sextas-feiras, um atento erudito de tudo o que se passa no mundo do crime organizado. Diz ele que sim, o PCC manda e desmanda em São Paulo, e sabe por quê? Eles derrubaram o helicóptero do filho de Alckmin e mandaram o recado: ou ele obedecia ou seria o próximo. E o governador, impotente e amedrontado, passou a ceder a tudo o que o PCC queria.

A teoria da conspiração foi feita para criar perplexidade mesmo. Teria alguma relação com a cultura das novelas de TV? Recobrando o fôlego de tão certeira análise, perguntei a ele o que o PCC quer, queria ou pretende para os próximos anos? E aí percebi que o peixeiro é mais escorregadio que os produtos que vende. “Ora pois, não sabes? Mas como?” E ficou com a pergunta no ar até que eu me rendesse e dissesse que não sabia, ao que ele então replicou triunfante: “Para tirar a Polícia Militar do caminho e deixar o tráfico agir impunemente”. Toda a vez que fico basbaque não sei realmente o que responder. Na minha humilde opinião é mais difícil controlar uma corporação policial-militar de 150 mil homens com ordens secretas e instruções veladas, do que algumas quadrilhas que, não obstante, continuam a ser combatidas pela polícia e quase sempre levam a pior, demonstrando que Alckmin deve ser muito incompetente para a conspiração a que tem se dedicado.

É inútil qualquer pensamento racional perante o silogismo que a lógica propicia ao eleitor com a limitação confortável das ideias prontas com que foi doutrinado. Nesse ponto da conversa percebi que ele poderia estar utilizando o modelo das milícias cariocas para se referir a São Paulo. E foi então que indaguei em tréplica se de fato era isso. O meu erudito em crime organizado fez um gesto de mão negativo dizendo: “lá é o Comando Vermelho, aqui é o PCC”. Então perguntei: “se os índices de violência em São Paulo são muito menores do que os do Rio, por que o governador carioca não implanta o nosso modelo, levando o PCC para o Rio e reduzindo assim os índices de criminalidade?” Acho que ele já esperava minha contestação, porque foi rápido na resposta: “lá o Comando Vermelho não deixa o PCC entrar”.

E assim me despedi derrotado com a humilhação dos paulistas frente aos cariocas. Vejam: aqui em São Paulo o governo se submete ao PCC por este possuir uma força descomunal que ultrapassa a capacidade do sistema de segurança do estado que, não obstante, é impotente para dominar o crime no Rio de Janeiro. Legal, não? E essa gente vota. E elege.