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terça-feira, 16 de junho de 2009

Pelo sim pelo não o SENAI é um grande senão

Carlos U Pozzobon

A licitação 0024/2009, convocada para selecionar empresas com experiência em e-learning e webdesign para o SENAI, no período de abril/maio de 2009, teve a chancela de 52 empresas que retiraram o edital, 10 participaram e 2 levaram os contratos. Uma leitura do edital fez com que 42 empresas desistissem de passar pelo calvário das certidões e preparação de documentação técnica.

No jogo do pôquer em que se transformaram as licitações, as empresas que pagaram para ver não podiam ter outra constatação à medida que as cartas foram tiradas da manga: o receio de uma grande pizza foi confirmado com o recheio de marmelada. A licitação foi requentada de outra lançada e suspensa no ano anterior, não se sabe a razão, mas o edital de “contratação de empresa para a prestação de serviços de produção de conteúdos, gráfica e multimídia de elementos para cursos a distância” foi dividido em 3 grupos, e, mesmo assim, continuou misturando alhos com bugalhos.

O grupo 1 tratava de produção de material multimídia e exigia dos participantes a capacitação para produzir gráficos com telas simples em HTML, telas dinâmicas, em PHP ou Dotnet, animação de baixa, média e alta complexidade em Flash, ilustração de baixa, média e alta complexidade em Photoshop, tratamento de imagens, criação de personagem de baixa, média e alta complexidade, jogos pedagógicos para exercícios e avaliações, ‘demo’ de curso, captura de imagens, locução, efeitos sonoros, gravação em CD-ROM, vídeo de curta, média e longa duração, e, por fim, desenvolvimento no padrão SCORM e inserção do curso no ambiente virtual do próprio SENAI.

Os 3 grupos

Neste grupo 1, já existe uma mistura de atividades que não são específicas para uma mesma empresa. Quem trabalha com ilustração e animação, dificilmente cria telas dinâmicas em PHP ou Dotnet. E também não faz produção de vídeo. A surpresa é a obrigação de inserir o resultado nos servidores do SENAI, uma atividade que parece que os redatores da licitação não sabem que certamente não é permitida para outros, além do administrador do sistema.

O grupo 2, chamado de material impresso, exigia das empresas capacitação de diagramação em softwares do tipo Word, digitação de texto, escaneamento de elemento, revisão técnica e revisão gramatical. É outra mistura de competências não miscíveis. Escaneamento de elemento não se sabe por que, mas esta exigência já estava presente no grupo 1 com o nome de captura de imagens. Revisão técnica não tem nada a ver com digitação de textos, coisa feita por secretária.

O grupo 3, chamado de criação, exigia capacitação em desenho instrucional, definido como “planejamento de curso, conforme metodologia adotada pelo SENAI-SP, e elaboração de textos com linguagem adequada à mídia e ao público, sob orientação da equipe de ensino a distância do SENAI”. Além disso, o storyboard – que nada mais é do que um guia para construção de roteiro, este sim um planejamento ao estilo cinematográfico do curso, e o desenvolvimento de conteúdo de baixa, média e alta complexidade. O edital explica quais as características dos cursos a serem desenvolvidos. Depois trata das obrigações da contratada e, por último, fornece uma tabela para a discriminação de preços de cada item. O grande problema aparece na avaliação dos objetos da licitação. Aqui começa a estranheza.

A questão é saber como um portfólio – consistindo de um CD-ROM com cursos já desenvolvidos pela empresa participante a outros clientes – poderá ser objeto de julgamento, se tais cursos não são necessariamente aplicáveis às exigências do edital? Em outras palavras, como exigir que uma empresa coloque em seu portfólio um curso desenvolvido para terceiros – e cumprindo as exigências do terceiro –, e ao mesmo tempo achar que estas exigências vão se adequar a outro edital de outra empresa contratante? Em segundo lugar, como utilizar critérios objetivos e mensuráveis cientificamente? Se a exigência do edital era a nota mínima 4, de uma classificação de 0 a 5 em valores inteiros para cada grupo, como justificar notas a critérios tais como:

  • “Utilização de linguagem adequada”; se o julgamento é baseado em trabalhos anteriores, como comprovar que a linguagem utilizada para um cliente não está adequada para o SENAI?
  • “Comunicação clara”; o mesmo argumento. Suponhamos que você escreva um artigo para um jornal e este faça a revisão alterando diversas sentenças para adequação a sua linha editorial. Se você mandar esse artigo para julgamento de um
    terceiro jornal, este poderá achar que a comunicação não está muito clara, mas não poderá dizer que você não tenha capacitação para escrever com clareza, afinal foi o jornal que editou seu artigo e não você. Para se atribuir um julgamento sobre clareza, é preciso mostrar a nova redação. E isso não foi feito. Solicitado a fazê-lo, na fase de recursos, o SENAI indeferiu.
  • "Utilização de processo lúdico e contextualizado na criação do programa”; isto só existe quando você tem alguns modelos na cabeça, mas não há como adivinhá-los, o que torna a objetividade desta exigência impossível de ser atendida. E, naturalmente, um quesito bem a propósito de privilegiar alguém.
  • “Diversidade de meios (imagens fixas e em movimento, animações, simulações, som, etc.)”; também não é um critério que possa ser generalizado. Um excelente curso pode não ter tanta diversidade de meios, já um curso superficial poderá ter muita diversidade. Na verdade, este critério não interessa à qualidade de um curso.
  • “Adequação dos meios à apresentação do conteúdo e à problemática do curso”; este critério é um salve-se quem puder. Não se pode saber o que é isso objetivamente. Se o meio e o conteúdo não estiverem previamente adequados, então o planejamento do curso foi falho e o erro precede o critério em muitas outras instâncias.
  • “Criatividade nas soluções virtuais para a apresentação de informações”; também não se sabe se isto pode ser mensurado ou se fica no ‘gostei, não gostei’.
  • “Clareza na organização e estruturação das informações”; bem, e o planejamento serve então para quê? Por que um curso tem tantas etapas de preparação se a conclusão final é que não há “clareza na organização e estruturação das informações”?
  • “Acesso amigável (flexível e fácil compreensão pelo usuário das informações)”; aqui parece que o acesso é um assunto relacionado à plataforma de e-learning e não ao curso em si. Como um curso pode ter um acesso em que objetivamente se atribui uma nota 1, ou 2, ou 3, ou 4, ou 5?
  • “Adequação das soluções apresentadas ao público que se propõe atingir, ao conteúdo proposto e à problemática envolvida”; também um parâmetro de baixa visibilidade na difusão geral dos critérios de avaliação. Existe um curso que não esteja adequado à “problemática envolvida”? ou que esteja mais ou menos em valores de 1 a 5?
  • “Avaliação da aprendizagem flexível, adequada à problemática do curso e contemplando, também, a auto-avaliação”; novamente volta a nebulosa “problemática do curso”, e não se sabe o que significa aprendizagem flexível. Como sustentar esses conceitos? Como justificar objetivamente uma nota para um modelo de curso?
  • “Harmonia de traços e cores”; essa é aparentemente simples, mas existe um conceito em que isso possa ser mensurável com critério de notas? Quem determina o que é harmonioso ou não? Além do mais, para que existem templates? Para que se definem previamente padrões?
  • “Equilíbrio e disposição de informações e imagens na tela; adequação ao público alvo”; o que é o equilíbrio em uma tela como um conceito a que se podem atribuir gradações? Considerando que se trata de cursos que o SENAI irá encomendar, ele não teria futuramente a liberdade de solicitar alterações, para melhor “harmonizar” ou “equilibrar” as informações?
  • “Clareza e hierarquia nas informações apresentadas”; mais um item que já deveria estar resolvido no planejamento e que vem à passarela do impressionismo subjetivista.
  • “Instâncias diferentes de comunicação para públicos diferentes”, essa é uma pérola negra, uma pérola autêntica, ou uma pérola falsa? Como julgar isso? Ou que importância tem isso para um aluno que vai a um curso em busca de informação e saber?
  • “Carregamento rápido”; eis aqui, finalmente, um critério que pode ser medido cientificamente. Basta adquirir um software que meça o carregamento do curso em um browser padrão de teste e que ofereça o valor em milissegundos de cada curso oferecido pelo licitante. Então, digamos, um curso que carregue em 800 milissegundos teria nota mais alta que um em 1000, e assim sucessivamente. Agora, cá para nós, uma diferença de 0,2 segundos tem alguma importância no aprendizado de alguém? Será que os alunos tem essa exigência de pressa? Em todo o caso, foi solicitado ao SENAI que apresentasse a forma de medição e o software utilizado. Novamente indeferiu.
  • “Respostas precisas e imediatas às escolhas feitas pelo usuário”; outra pérola do retorcimento para propósitos escusos. Se
    um teste com uma pergunta não oferecer uma resposta precisa, ele não poderá ser emendado? Como avaliar que um teste tenha uma resposta mais precisa do que outro? Algumas destas questões acima foram apresentadas ao SENAI, na fase recursal da licitação, com o propósito de solicitar suas justificativas sobre as notas dadas a empresas participantes, quando então foi solicitado que apresentasse uma imagem capturada de uma das telas do participante que obteve a nota mais alta. O SENAI RECUSOU-SE A FORNECER exemplos e desconsiderou o recurso. Isto por si só já é um sinal de que a licitação foi conduzida. No grupo 2, chamado material impresso, os critérios de análise da licitação consistiam em analisar um documento criado pelo licitante para outro cliente e fazer um julgamento também com notas atribuídas de 1 a 5 sobre:
  • “Equilíbrio na distribuição do texto e das imagens”; foi solicitado justificativa por escrito para este item. O SENAI INDEFERIU.
  • “Clareza na comunicação com o público a que se destina”; novamente um item do grupo 1 que se repete no 2. Veja o item comunicação clara acima.
  • “Qualidade do projeto visual gráfico”; aqui existe a margem para um esteticismo sem propósitos didáticos, porém artísticos. Mas eles estão preocupados com arte ou com ensino?
  • “Escolha adequada de fontes e tamanhos e cores para hierarquização das informações”; aqui é colocado em julgamento se os títulos possuem arte suficiente. Como um documento é baseado em template, qualquer título ou estilo pode ser modificado alterando-se o próprio estilo, sob um simples pedido. Isto significa que o SENAI sabe o que é adequado, mas não sabe como se faz.
  • “Clareza na organização e estruturação das informações”; novamente um critério do grupo 1.
  • “Adequação das soluções apresentadas ao público a que se propõe atingir, ao conteúdo proposto e à problemática envolvida”; idem ao grupo 1. Como é que um documento aprovado por um cliente pode não ser adequado para a licitação de outra empresa?
  • “Clareza das imagens, traços e gráficos”; este grupo não cria gráficos. O item não faz sentido.
  • “Boa distribuição no texto”; alguém sabe o que significa isso? Talvez um texto que respeite espaçamento entre parágrafos, linhas não muito amontoadas, ou hifenização. Nada que não se corrija com um simples pedido.
  • “Criatividade nas soluções”; idem. O que estranha nos critérios estabelecidos por este grupo 2 é a exigência de revisão gramatical. Por que não foi solicitado um texto ou por que não foi feita uma revisão gramatical dos textos apresentados e atribuídas notas? O quesito capacitação técnica poderia avaliar a familiaridade da empresa com a linguagem de sistemas eletrônicos, robóticos, computacionais e de telecom, já que o SENAI é um órgão da indústria. Isto nem sequer entrou em pauta na licitação. Quanto à revisão técnica, o SENAI poderia ter submetido um texto para a empresa observar a veracidade dos conceitos e sugerir nova redação para eles, cabendo ao SENAI a opção final pelo conteúdo observando a metodologia e o público-alvo. Um revisor técnico – não sendo o próprio criador – deve ser um crítico do material apresentado, especialmente quanto a conceitos, definições, variáveis e parâmetros envolvidos. Não houve avaliação deste quesito.

Como o SENAI disponibiliza ‘demos’ de seus cursos online, o leitor pode tentar avaliar estes quesitos nos próprios cursos do SENAI e atribuir valores de 1 a 5 para cada item. Será que consegue manter a objetividade? Obviamente a resposta é não.

Pegue qualquer um dos cursos que lá estão e você logo irá começar a coçar a cabeça. Não sendo possível, então como deveria ser a licitação? Resposta novamente óbvia: bastaria utilizar o critério de preço, selecionar 3 ou 4 empresas e fazer como toda empresa privada (que o SENAI tanto se dispõe a servir): empiricamente, por tentativa, por experimentação até conseguir seu parceiro ideal. Nada mais simples. Dispensaria uma enorme burocracia de exigências e requisitos. E, sobretudo, dissiparia a suspeita de favoritismo.

A grande vencedora da licitação 024/2009 (grupos 1 e 3) foi uma multinacional inglesa, com sede em Londres e escritório em São Paulo, que por acaso é uma grande editora e famosa por imprimir livros técnicos. Em seu site não existem traços de cursos online ou e-learning, objeto da licitação.