As discussões em torno do Código Florestal e as mobilizações com a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, e, pouco depois, a conferência internacional Rio+20, colocaram a questão ambiental na ordem do dia com enorme intensidade em 2012.
Novamente, o país se divide em grupos de opinião, destacando-se comunidades envolvidas com a preservação ambiental, o mundo acadêmico, a imprensa e as redes sociais. Nossa escassa formação cultural, nosso subdesenvolvimento, nosso anticapitalismo de cátedra, nosso apartheid social institucionalizado, nosso mundo sorrateiro de vilanias e iniquidades nos tornam uma comunidade desconfortavelmente dividida, e o ambientalismo vem bombardear tudo o que antes se conhecia em termos de progresso e futuro. Porque, quando se discute a questão ambiental, o progresso é bradado com a altissonância do desejo de regresso, e o futuro proposto com a roupagem do passado colonial do verde sem fim.
Desde as seitas talibânicas do ambientalismo primitivo até os militantes das forças ocultas dos interesses internacionais, os representantes do mundo selvagem e os intelectuais de asfalto, todos conseguem formular com renomado desdém qualquer visão de progresso capitalista como superação de desigualdades, propondo uma visão de futuro como uma volta ao passado silvícola do latifúndio improdutivo, tantas vezes execrado pela geração que antecedeu nossos universitários.
Como a questão ambiental chegou a esse ponto não é fácil de entender, sobretudo quando percebemos que por fora, e com um processo político dos mais tortos e intelectualmente obscuros, se organizaram milícias de mercenários intelectuais, cabeças de aluguel, em todos os níveis do Estado. O difícil é entender a conjunção, em um mesmo momento, de diversos fatores aparentemente contraditórios.
Ecomisticismo
O ambientalismo é um conhecimento empírico, mais associado à mitologia do que qualquer outra ciência, até mesmo a filosofia. Tal como as narrativas que envolvem os deuses pagãos e suas relações com a natureza, o ambientalismo formula conceitos de pureza ambiental de origem mitológica, destacando mitos que contribuem para que se estabeleçam a posteriori posições políticas equivocadas sobre a proteção ambiental.
O mito da fontes d´agua como locais sagrados
O primeiro mito é o das fontes nascentes de córregos e rios. Pela mitologia greco-romana, as fontes eram o local reservado a cerimônias em que as ninfas apareciam para recitar versos e celebrar rituais. Deusas gregas, romanas, celtas, e provavelmente de todos os povos, estão associadas à pureza das águas, às fontes, córregos e mares. Tais mitos influenciaram tremendamente nossa visão do sagrado. A América foi fundada em torno do mito do Eldorado, um território onde deveria haver cascatas e fontes em que todo aquele que bebesse de suas águas permaneceria na eterna juventude, nunca mais envelhecendo. Em Visões do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda investigou nossas fantasias com relação à natureza nos 2 primeiros séculos de formação histórica do Brasil.
Nossa exuberância tropical está relacionada com nosso verde único e nossos recursos aquíferos sem igual. Para quem conhece o Brasil, no seu interior profundo, sabe que as fontes são um dos patrimônios mais cativantes de nossa natureza. Aqui temos o primeiro mito que informa nosso sistema político – de que as nascentes devem ser preservadas longe de qualquer atividade humana. A proteção dos mananciais faz parte do discurso político de candidatos de todas as espécies, e parece estranho que ainda se fale sobre um assunto que deveria estar resolvido há muitas décadas. Mas se as fontes fazem parte da cultura humana, poderíamos supor que elas dispensam controvérsias, admitindo uma lei que apenas mencione sua importância. No entanto, o Código Florestal prevê a necessidade de se proteger 80 metros de distância do principal olho d’água. O porquê de 80 e não 20 ou 150 metros é um argumento sem resposta. E o tipo de fonte d’água também não é especificado. Assim, uma vertente ocasional pode receber o mesmo confisco territorial que um manancial caudaloso. Trata-se de mitos relacionados com a pureza da água. E qual o sentido de se proteger a nascente, se no percurso da água seus diversos tributários não sofrem o mesmo cuidado?
O mito dos córregos limpos
Da mesma forma o córrego. Um córrego é tanto mais puro quanto mais cercado estiver de vegetação. Achamos que a água se conserva fria pela sombra, e esta proteção garante sua pureza. Trata-se de outro mito que não encontra justificativa científica. Basta argumentar que um córrego que serpenteia um campo pode ter águas mais limpas do que outro coberto de vegetação, apenas porque não cai sobre ele uma grande quantidade de folhas e galhos, quando não troncos inteiros de árvores, ninhos de pássaros, excrementos de animais, e todo o tipo de detritos do ecossistema. O córrego protegido da vista humana nos parece muito mais límpido e cristalino do que se estivesse correndo em campo aberto.
O mito das matas ciliares
A partir do córrego criamos outro mito brasileiro: o das matas ciliares. Como as terras ao redor de rios e córregos são úmidas, formam espontaneamente uma vegetação, bastando que se deixe a terra intacta. Mas, nesse caso, não se entende que a educação ambiental para a conservação das matas ciliares seja suficiente, e até mesmo compatível com o interesse do proprietário em manter uma reserva de biomassa para uso contínuo. É preciso uma lei que estabeleça as metragens de mata nativa na beira de rios, sem critérios científicos. Considera-se um barranco nu ou gramado sujeito à erosão pelo movimento variável das águas, enquanto que coberto de vegetação seria protegido do desbarrancamento pelas raízes vegetais.
O mito da mata ciliar como proteção contra erosão
A questão das matas ciliares é mais um mito associado a ideias antigas. A verdade é que cada caso é um caso. Não existe uma razão comum para que possa ser transformada em um princípio universal. Barrancos altos em certas curvas de rios, quando chegam as cheias, são mais castigados quando têm vegetação do que quando não têm. Uma das razões, é que as águas ao derrubar certas árvores na margem terminam sendo forçadas a desviar seu fluxo mais violento quando estas mesmas árvores ficam dispostas transversalmente ao rio, provocando mais erosão pela virulência dos obstáculos do que se não estivessem junto ao barranco, antes de serem carregadas pelas águas turbulentas das cheias. Portanto, quem conhece nossos rios sabe que a mata ciliar é um mito como proteção contra erosão, pois as características geológicas do leito dos rios associadas ao regime das águas tornam a dinâmica dos rios incontrolável por ação humana, em certos casos. Entretanto, a mata ciliar é invocada também como fonte de conservação da biodiversidade, já que sua natureza úmida abriga diversas espécies animais.
A prevalência do homem sobre a natureza implica em fazer escolhas em meio à biodiversidade que lhe cerca. Assim, não deveria haver mata em uma propriedade com uma casa muito próxima a um rio, para que seu morador não corresse o risco de ser devorado por muriçocas, aracnídeos, répteis, ofídios, e outros animais indesejáveis. Conforme o lugar, a escolha pela biodiversidade pode condenar o homem a abandonar seu habitat. Portanto, uma lei não deveria ser draconiana a ponto de estabelecer regras que nem sempre podem enquadrar a natureza e a cultura humana. O homem não deveria ceder seu lugar a uma natureza indesejável ou perigosa para si. Mas isso sequer é considerado no debate ambiental. Os ambientalistas de asfalto e os ecologistas de apartamento acham que a preservação da natureza deve ser resolvida com soluções genéricas cabíveis em artigos de lei.
Áreas de proteção permanente – APPs
Da mesma forma, as APPs não têm relação com a ciência, porém com a necessidade de se aumentar o colchão vegetal do país. Um princípio geral pode se chocar com a realidade local, como têm assinalado os críticos do Código Florestal. Não obstante, descobriu-se na região de Sorocaba uma solução vergonhosa para a aplicação do reflorestamento. Uma propriedade, cujo proprietário necessitasse explorar a área onde deveria haver mata, poderia comprar áreas de mata equivalente da prefeitura na forma de parques de conservação. Os tais parques de conservação seriam administrados por empresas privadas, recebendo 80% do valor do hectare vendido. Falaram em 13 mil reais o hectare, com o negócio total superando 1 bilhão de reais. Trata-se de mais um caso de utilizar a questão ambiental para formar máfias com a finalidade de explorar os proprietários de terras. Pois, se o que conta é a mata, então a prefeitura poderia criar um parque florestal de compensação e mantê-lo cercado, tomando apenas o cuidado de evitar penetrações indesejadas, não necessitando de mais argumentos do que o de criar áreas verdes para compensação ambiental do município. Mas isso seria civilizado demais para nossos padrões. No espírito ambientalista, o que vigora é adequá-lo à ideologia da rapinagem da população, já consolidada na estrutura do modelo político e tributário.
Misticismo Moderno
A partir dos anos 70, começaram no Brasil os movimentos de valorização dos produtos naturais, quando apareceram lojas de ‘produtos coloniais’ cultivados no modo tradicional – sem conservantes nem agroquímicos, produzidos por pequenas propriedades rurais. Durante certo tempo, tiveram boa aceitação no mercado, mas depois foram praticamente extintas no meio da crise geral inflacionária e da perda do poder aquisitivo da classe média. Nos EUA, na mesma época, apareceram cooperativas de produtos naturais também cultivados sem agroquímicos.
Com o conhecimento de diversos cereais não constantes na mesa tradicional das famílias, o conceito de alimentação natural se expandiu. E uma filosofia de interação homem-natureza apareceu como caudatária dos movimentos hippies, que haviam adotado certo tipo de vida comunitária, e que se baseavam em um complexo de filosofias e atitudes.
O ecomisticismo de Ricardo Braun
Um dos livros que explica esse movimento chama-se Novos Paradigmas Ambientais (desenvolvimento ao ponto sustentável) de Ricardo Braun (Editora Vozes – 2005). O autor é doutor em ciências ambientais pela Universidade de Aberdeen na Escócia e, portanto, uma autoridade para ser ouvida na questão do ecomisticismo. Ele apresenta os índices de degradação ambiental do planeta curiosamente incluindo a fome, a desnutrição de quase 1 bilhão de pessoas, mas também a escassez de água, os problemas com a redução dos cardumes marítimos, a extinção das espécies, a perda de solo fértil pela erosão, etc. Apresenta todos os parâmetros como sendo derivados da ação humana, e é aí que começa a primeira dificuldade para entender os argumentos de órgãos como o Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente (PNUMA).
Como entender que a fome e a desnutrição sejam um problema da natureza e não do homem? Por que misturar coisas imiscíveis? E também como entender outras afirmações de Braun como a de que anualmente se perdem mais de 25 bilhões de toneladas de solo fértil pela erosão, que o faz escorregar para os rios e para o mar. Mas se o homem não existisse não haveria erosão? Quanto dessa erosão se pode efetivamente atribuir ao homem e quanto à natureza em si mesma, é uma pergunta que não tem resposta factível. Ou, ainda, dizer que 70% dos estoques de pesca marinha estão sendo explorados acima de sua capacidade, e que os oceanos não podem mais suportar as atividades pesqueiras, são afirmações que desconhecem o fato de que para sanar o problema de um bem inserido na oferta e procura da economia de mercado, a própria demanda se encarrega de sanar tal problema. As fazendas marinhas conhecidas tendem a aumentar, deslocando a pesca extrativista dos mares para a pesca em águas privadas, permitindo controlar sua produção da mesma forma como se faz com frangos e gado. Aliás, temos diversos exemplos de peixes e camarões sendo cultivados em cativeiro.
Não obstante, a apresentação dos dados por Braun envereda para o ecofatalismo, um artifício que – vociferando ameaças apocalípticas – pretende canalizar mais verbas para instituições parasitárias do ponto de vista da produção, ignorando a capacidade humana de superar a ameaça de extinção de certas espécies biológicas, se houver demanda por elas dentro do contexto da economia de mercado. Como neste país ninguém fala nas virtudes do lucro, tampouco se utiliza o argumento de que frangos, suínos e bovinos não irão se extinguir simplesmente porque estão na nossa mesa.
Ecovilas
Ricardo Braun fala ainda dos movimentos criados em torno das ecovilas ao redor do mundo. As ecovilas propunham um estilo de vida que combinavam a sobrevivência através de métodos coletivos de sustentabilidade aliados ao desenvolvimento espiritual do indivíduo e à promoção de atividades culturais. Uma das instituições pioneiras em ecovilas foi a Fundação Findhorn da Escócia que, ao perceber a disseminação dos condomínios ecovilas, criou uma rede global de ecovilas para a troca de experiências entre seus membros e para aperfeiçoar técnicas e expandir atividades. As ecovilas reúnem assim conhecimentos de tecnologias alternativas (energia solar, eólica, compostagem e tratamento d’água), arquitetura ecológica, alimentação orgânica, dinheiro alternativo (com moeda de referência limitada a alguns tipos de escambos internos) e, por último, espiritualidade.
A questão da espiritualidade merece uma análise à parte. Neste aspecto, seus integrantes apresentam alguma relação com o budismo, seja na prática de meditação como nos rituais próprios da religião, enquanto outros se dedicam à ioga, e ainda outros à busca de uma religião independente, bem como uma filosofia de vida com alto teor de esoterismo.
Equidade Biocêntrica
A visão de mundo é fundamentada em um princípio chamado de Equidade Biocêntrica, que significa “todos os elementos e seres da biosfera possuem o direito de viver e se desenvolver plenamente para atingir sua própria forma individual e realização dentro do todo (o ser no ser)” (p. 33). Esse princípio implica em uma visão do mundo fundada no altruísmo. Dizer que todos os seres têm direito à vida revela apenas as boas intenções, mas na verdade o que sabemos é que a vida humana está sempre em luta com outras formas de vida que lhe são hostis, ou atrapalham seu caminho ou atividade. Desde que os homens viviam em cavernas trataram de eliminar todas as formas de vida hostis, não apenas animais. E até hoje o homem continua combatendo bactérias e fungos, ratos e escorpiões, mosquitos e baratas, e sabe-se lá onde vai parar esta lista, pois cada comunidade tem seus “entes biológicos” a combater.
Esses movimentos contêm erros teóricos preocupantes, como o da proposta de um governo mundial, altamente combatida nos dias atuais por se tratar de uma proposta de governo não eleito pelo povo, ademais o de colocar nos mesmos valores qualitativos as opiniões de civilizados e cultos com as de atrasados e ignorantes, sendo por isso um artifício seguramente populista e totalitário, com implicações que ultrapassam o escopo deste artigo.
Misticismo Moderno
O moderno misticismo não se baseia mais na alquimia de transformar prata em ouro, porém na vinculação dos valores espirituais com o mundo das partículas atômicas. O complexo mente-corpo-espírito é imbuído de energias que precisam ser explicadas através do equilíbrio. Não se sabendo no que consiste o equilíbrio, se na serenidade do ócio ou na preguiça justificada, pois na natureza qualquer equilíbrio é sempre instável, parte-se para o mundo obscuro da física quântica – obscuro evidentemente para não físicos – e se chega assim a criar relações de identidade entre os fenômenos atômicos da matéria com os da consciência. Nisto entra tudo o que a ciência pode estar elaborando, mesmo que ainda sem comprovação. O misticismo ecológico é assim uma sopa tomada de empréstimo da ciência a serviço da paz interior.
Máquina Thesta Distática
Chega a ser chocante ler a opinião de Braun sobre a máquina Thesta Distática. Trata-se de um gerador de energia elétrica de um metro cúbico de dimensão e que funciona violando alguns princípios da física, como o princípio da conservação de energia, que se chamava de motocontínuo. Seu inventor, um tal de Prem Oscar, garante que ela produz até um megawatt de energia elétrica. Está instalada em uma clínica para tratamento de saúde nos Alpes suíços. Ao ser indagado se a máquina não deveria ser disseminada mundo afora, especialmente em regiões carentes da África, ele simplesmente respondeu: “... a Thesta Distática só funciona em ambiente meditativo, onde as pessoas e a atmosfera geral estivessem em sintonia com as vibrações superiores da energia livre” (p. 161). Essa máquina é um gerador perpétuo estruturada com placas de metal sobre uma folha de plástico, que giram entre as escovas de metal produzindo energia elétrica. A geringonça tem um sistema de retroalimentação que a mantém funcionando sem parar movida pelo movimento perpétuo que move os planetas e as estrelas do Universo. E o autor não consegue esconder seu espanto: “sem dúvida um verdadeiro ovo de Colombo para a crise energética atual” (p. 161). Como alguém pode acreditar que um físico maluco possa inventar uma máquina que viole os princípios da física é algo que só a razão mística pode engolir.
Mas as surpresas não param aí. Na busca incessante pelo conhecimento de partículas atômicas, os físicos que trabalham nos laboratórios de partículas atômicas criaram uma hipótese para uma partícula que seria mais rápida do que a luz e que teria uma função estranha com o tempo. Ela poderia se deslocar para o passado. Essa extravagância não pode ser comprovada até hoje, mas as pesquisas científicas continuam com o bósom, outra partícula-hipótese misteriosa e sem qualquer conclusão, apesar do grande sensacionalismo que encobre suas propriedades. Pois bem, do ponto de vista da superstição, a partícula com essa propriedade seria capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, abrindo caminho para que a consciência mística atribuísse a tal transcendência, a existência de um esquema de onipresença no Universo.
Sendo assim, a onipresença corresponde a um estado superior de repouso no Universo, também chamado Ponto-Zero. A fantasia mística é levada ao paroxismo de dizer que sendo uma energia que inclui todas as outras energias, como a astral, a etérica e a energia eletromagnética, ela flui através de um continuum energético que se origina de uma única fonte – a Mãe Divina como é chamada na Índia; o Espírito Santo para o Cristianismo; ou Energia Cósmica para a New Age. E, na física moderna, a Energia do Ponto-Zero é uma explicação para o velho vácuo (p. 158).
Mística Quântica e Ambiental
Assim colocada a mística em torno dos problemas físicos, como ela se insere no ambiental? Primeiro ela passa pelo mental, pois nossa saúde estaria vinculada a este continuum energético. Tudo o que faz parte do corpo humano estaria codificado na forma de energia dos táquions. “Um claro exemplo disso pode ser observado na fauna selvagem, pois os animais que não tenham sido influenciados por qualquer ser humano normalmente possuem um estado de saúde quase perfeito. Quanto mais naturais na alimentação, no pensar e no ser, mais estaremos permitindo a energia táquion fluir não somente pelo nosso organismo, mas também dentro de nossas células e de nossos corpos sutis, promovendo a organização e o balanceamento do metabolismo da maneira como deveríamos realmente funcionar” (p. 159). Eis aí como o esoterismo se vincula ao ambientalismo, sem nenhuma concessão à razão. Um discurso de efeito, mas desprovido de evidências; uma captura apriorística de sentido para explicar eventos sem qualquer fundamentação no conhecimento científico. Enfim, a razão mística voltada para o passado transcendente onde todas as forças telúricas tenham sua narrativa impregnada do empréstimo tomado à ciência de seu vocabulário e vulgarização popular de seus conceitos.
Ecofatalismo: Marxismo Ecológico
Outra corrente ecológica baseia-se no marxismo acadêmico depois da derrubada do Muro de Berlin. Se no misticismo ecológico muitas ideias em circulação não se podem comprovar, no marxismo ecológico, ou ecofatalismo, quase tudo pode ser refutado. Desde a terminologia até os argumentos. Um livro basilar para se entender essas ideias é o do professor Carlos W. Porto-Gonçalves da UFRJ, com o título: A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização (Civilização Brasileira – 2006).
Para criticar o livro do professor Gonçalves de 460 páginas seriam necessárias outras 460 páginas, tal o universo de perplexidades que ele lança página após página sobre história, geografia (sua especialidade), sociologia, política, economia, e afins. Sua crítica mistura vitimismo (motivos do nosso subdesenvolvimento), fatalismo (mundo avançando para seu fim), ressentimento (treinamento para o espírito de inferioridade), nacionalismo (base de dados que compõe o elenco de informações do marxismo), historicismo (certeza no futuro) e catastrofismo (destruição da natureza pela produção intensiva) ...
Na página 14, roído pela superioridade dos EUA sobre a URSS na corrida espacial diz: “na lua finca-se uma bandeira. E não é a bandeira do mundo – é a bandeira dos EUA”. Essas pérolas do pensamento tupiniquim ressentido, do primitivismo brasileiro, percorrem todo o livro em incontáveis passagens. Para ele, supõe-se que a única bandeira do mundo deve ser a bandeira das Nações Unidas, odiada pelos EUA com toda a razão, pois quem é grande não gosta de trampolim para os que se recusam a seguir o caminho de sua própria grandeza. E imagine-se em plena guerra fria os EUA não se limitando a si mesmos, mas arrogantemente pretendendo representar toda a humanidade, colocando uma bandeira do mundo na lua. O que não diriam os marxistas de todo o mundo com semelhante afronta? “Como eles ousam representar a humanidade, este povo de imperialistas e saqueadores do resto do mundo?” Pois bem, limitando-se a sua nação, ele acha que isso é um gesto de arrogância, e não de liderança, supremacia tecnológica, etc.
Para o professor Gonçalves, no mundo impera uma “injustiça ambiental”, o caminho neoliberal do mundo nos últimos 30 anos colocou sérios riscos não só para a humanidade como para o planeta. Como provar isso? Não há provas, apenas afirmações peremptórias.
O esquerdismo desapegado, ressentido com o fracasso comunista, mas que não conseguiu enxergar neste fracasso seu conteúdo totalitário fez, ao contrário, a manutenção da ideologia, expurgando a nominata marxista para filtrar apenas o essencial – o Estado como fim e objetivo da ordem social. O resultado é a continuidade do pensamento marxista fazendo de conta que sua experiência histórica não existiu, ou que não lhe era legítima. Assim, a globalização é mantida como sendo o regime em que organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, “vão se constituindo em peças-chave da afirmação hegemônica dos Estados Unidos no mundo, contribuem para diminuir (sic) o poder soberano de outros estados e para sua maior subordinação ao capital financeiro internacional” (p. 22).
Não entende o professor que tais bancos tenham sido criados para financiar programas de saneamento ou transportes públicos (Banco Mundial), ou dívidas das balanças comerciais e déficits públicos (FMI). Ao contrário, para o professor os bancos foram criados para tornar os países dependentes dos EUA. É um caso em que uma suspeita factível somente a analfabetos se transforma em uma superstição exequível somente a certos catedráticos vitalícios. Ora, se um país recorre a um empréstimo do FMI é porque tem alguma coisa em suas receitas e despesas do Estado, caso contrário, não recorreria. E são sempre países cujas oligarquias estatais desperdiçam irracionalmente movidas pelo sistema político populista. Mas isso é exatamente o que o professor Gonçalves não pode admitir. Fracassado o marxismo, é preciso conservar a todo o custo a ideologia do Estado como bem público, e as estatais como expressão desse patrimônio público, caso contrário, ele teria que se converter à ordem liberal. Como isso seria a confissão de uma apostasia, sua teoria consiste em esconder a responsabilidade do Estado no desatino dos países do terceiro mundo, Brasil na frente. Seu recurso é apelar para o vitimismo, tão abusado ao longo do século XX. Difícil sustentar tais argumentos quando temos o caminho asiático ao capitalismo como prova inconteste da negação da razão estatista como fator de desenvolvimento e progresso para a superação da pobreza e da ignorância.
Pilotando a nau dos insensatos, Gonçalves chega a afirmar que a propriedade privada priva os não proprietários e assim se constitui em escassez como base da economia mercantil capitalista (p. 123). Privar as formas de riqueza... é a condição para que se instaure o reino da economia mercantil (p. 123). Essa é a explicação mais bisonha que já apareceu sobre a propriedade privada. Sua confusão é total e insalvável. Para demonstrar que o mundo científico não pode ter uma visão única, porém pluralista do Universo (como se fosse possível duas verdades contraditórias), chega a citar o princípio da incerteza de Heisenberg como sustentação de que a ciência deve ser alimentada por múltiplas correntes. Ora, para a física quântica, o tal princípio da incerteza trata apenas de uma imprecisão relativa ao que se conhece com relação à posição de uma partícula e ao seu momento num mesmo intervalo de tempo.
E a própria Wikipedia adverte o professor Gonçalves para esse tipo de erro: “Thus, the uncertainty principle actually states a fundamental property of quantum systems, and is not a statement about the observational success of current technology” http://en.wikipedia.org/wiki/Heisenberg_uncertainty_principle. Parece que este argumento já foi utilizado por outros amigos ideológicos do professor Gonçalves para que a Wikipedia colocasse tal advertência.
Sincretismo ou Morte
A tentativa de sincretizar o raciocínio marxista latino-americano com o ambientalismo cria o ECOFATALISMO, uma doutrina em que o meio ambiente entra como objeto de exploração e cobiça do capital internacional, integrado ao tradicional discurso do papel excludente de fornecedor de matéria prima reservado ao Brasil. Era de se esperar que a ascensão asiática fosse enterrar este discurso, pela notória evidência de que países subdesenvolvidos podem ascender aos padrões de vida do primeiro mundo, mas o marxismo verde-amarelo continua renitente em admitir seu fracasso quase secular.
Ao contrário, seu discurso continua usando jargões do tecnocentrismo, um eufemismo para a tecnologia desenvolvida nos países avançados (repito, não há uma palavra em todo o livro para o fenômeno asiático), e da subordinação norte-sul, em que o sul é forçado a entregar suas matérias primas para sustentar o norte rico e prepotente. Com isso, a modernidade é inseparável do colonialismo expresso na apropriação de matérias primas e, agora, na destruição ambiental.
Esse tipo de embrulhada envereda até pela terminologia, ao distinguir os países entre capitalista monopolista de Estado e capitalista de Estado monopolista. Os primeiros seriam os liberais e os segundos o resto. Ora, capitalismo de Estado monopolista é um pleonasmo, pois todo Estado é um monopólio.
A perplexidade está em cada página, em cada argumento do professor Gonçalves: “A ciência e a técnica modernas, tal como concebidas pelo Ocidente europeu e expandidas pelo mundo, foram instituídas como critério não só de verdade, mas também, como se essa verdade tivesse uma bondade naturalmente nela inscrita. Com isso, a verdade científica deslocou outras formas de construção do conhecimento e se tornou uma verdade possuída por uma espécie de mais-valia simbólica: o que é científico é bom e, assim, o Estado e os gestores passaram a invocar a verdade científica como se fora A Verdade” (p. 85).
E o que mostra que A Verdade não é verdadeira? O fato de o homem basear seu conhecimento usando cobaias e sacrificando animais cria uma premissa que em si mesma não é científica, pois nenhum princípio autorizaria semelhante atrocidade contra a natureza. Ou o autor deseja que se use o próprio homem em experimentos de laboratório, o que não é de acreditar, ou então o homem renuncie ao conhecimento, e ficaríamos sem os modernos fármacos que vêm revolucionando a cura de tantos males e, no segundo caso, o homem deveria se tornar vegetariano. Mas ele fala como se a nossa moral tivesse que evoluir para uma forma de conhecimento totalmente avessa ao próprio uso da natureza como recurso disponível à nossa vida.
Com tantos retorcimentos idealistas, ele finalmente revela um segredo de polichinelo que comprova que o marxismo é um derivativo do fascismo: o Estado é o poder público e o risco à democracia consiste no deslocamento do poder público para o mercado. Quando a lógica do mercado penetra nos organismos públicos ela logo degenera. E ainda cita a Embrapa para mostrar a verdade do modelo de empresa estatal. Quando sabemos que as pesquisas da Embrapa foram totalmente solapadas pelos talibãs da CNTBio, que com diversos artifícios de sabotagem ideológica conseguiram fazer com que a empresa passasse de 70% para 30% no fornecimento de sementes transgênicas, permitindo que Cargyll e Monsanto ficassem rindo à toa com o marxismo atuante no controle dos resultados da Embrapa. Aliás, como acontece agora com as multinacionais petroleiras que se refestelam nos lucros vendendo gasolina para a Petrobras petista desde os EUA. Naturalmente que esses argumentos nem sequer chegam ao vaticínio do professor Gonçalves.
E quanto ao risco à democracia o que podemos dizer? Será a democracia que está contida no nome da República Democrática Popular da Coréia, para expressar o regime da Coréia do Norte?
Mas nenhuma lógica é suscetível de decantar em raciocínio tão alvoroçado por preconceitos anticapitalistas. Como, por exemplo, ao reclamar da iniciativa privada no desenvolvimento científico: “a ciência deixa de ser patrimônio da humanidade e tende a perder seu caráter livre e democrático” (p. 112). É mais uma idealização absurda: isole-se a ciência do descobridor, da meritocracia que oferece benefícios materiais para as conquistas intelectuais, isole-se o conhecimento da patente, do lucro do mercado, e não haverá ciência. O que Cuba e Coréia do Norte têm dado de contribuição inovadora para a humanidade? A defasagem entre o discurso e a realidade é tamanha que não se sabe como uma pessoa pode estar circulando no meio acadêmico com tais ideias.
O tom geral e quase sufocante do livro evolui para se conhecer como o pensamento marxista procura se agarrar em qualquer coisa viva depois do naufrágio. A objeção à economia de mercado parte de considerações morais na economia, já fartamente sepultadas no debate das ideias econômicas. Mas o autor não se contém e parte para a pregação do preço justo, preço natural, citando Adam Smith para constatar que a economia foi se desfazendo de seus vínculos com a ética e a moral na medida em que, paradoxalmente, foi se tornando economia política e, mais recentemente ainda, simplesmente economia sem moral e sem política, enfim, como algo que se impõe enquanto necessidade econômica (p. 121-122).
Este argumento revela o erro garrafal do passado redivivo no presente das ideias do professor carioca. Pressupõe que os preços não sendo regulados pela lei da oferta e procura terão que ser justos. E quem faria a justiça na determinação dos preços? Quem seria a força por trás? Eis aí como se gasta saliva para vender a ideia do totalitarismo na justificação dos argumentos. Pois basta um relance sobre a economia cubana para termos uma ideia do afundamento econômico da ilha caribenha com os tais de preços justos. Foi ali onde as soluções do professor Gonçalves levou os cubanos depois de 50 anos de socialismo, ou economia moral, a produzir apenas 20% dos alimentos que consomem. Para uma população forçada a viver uma vida econômica vegetativa, por impossibilidade de determinar seu próprio caminho, a dialética do ecofatalismo não tem qualquer apoio no mundo real. É algo sociopático.
Mas o livro apresenta um banco de dados com análises de diversas áreas de produção, por exemplo, compara custos da produção de soja no Estado de Iowa, nos USA, com os do Mato Grosso (p. 237 e sgts). Lança custos com sementes, fertilizantes, calcário, herbicidas e maquinaria, mas esquece o fundamental: custo de transportes e portos. Ou seja, ao escamotear estes custos, Gonçalves esconde a responsabilidade do Estado, quando sabemos que, nos portos brasileiros, uma saca de feijão vinda da China custa 4 dólares. E que para transportá-la do Paraná (maior produtor brasileiro) para o Nordeste custa mais 12 dólares (Maio de 2012). Aí já vemos onde está o furo do marxismo ecológico.
Pelo argumento do marxismo ecológico, a venda de uma pequena propriedade rural, por ineficiente e anacrônica que seja para o moderno sistema de produção, corresponde à expulsão de uma família do campo. Portanto, a migração do campo para a cidade não faz parte do processo de busca de melhores condições de vida para a família camponesa, mas de expulsão mesmo, como se a família fosse corrida à vara.
Um doutor em geografia, como o Professor Gonçalves, não poderia ignorar a importância dos defensivos agrícolas para a sobrevivência da agricultura e de bilhões de pessoas pelo mundo. No entanto, Gonçalves acha que a indústria utiliza uma linguagem defensiva para escamotear o real significado dos termos que ferem o meio ambiente – assim, a indústria não diz que usa agrotóxicos, mas defensivos agrícolas. Considera oligarquia os setores multinacionais do agribusiness. Ora, no Brasil, oligarquia sempre foi a classe política e o primeiro escalão estatal, por sua histórica impunidade e privilégios, jamais a classe produtora e muito menos os ruralistas.
Mas isso não importa. O que vemos em seu livro é uma mistura de dados para mostrar que somos vítima dos outros. Tanto mais vítimas quanto mais longe estivermos da verdade, verdade que os asiáticos já descobriram e se enriquecem a passos largos, enquanto nossas universidades continuam abrigando mistificadores fanáticos.
Por último, entrou na moda a ideia de se trocar a dívida externa por conservação da natureza, ou simplesmente pela natureza existente. O raciocínio é bastante peculiar e esdrúxulo. A princípio, argumenta que as nações latino-americanas sempre foram pilhadas, a começar pelo pau Brasil, depois pelo colonialismo e imperialismo. Como nunca recebemos direitos de patente pelos nossos recursos ‘roubados’, isso nos dá o direito de abater ‘a dívida’ com os organismos financeiros internacionais. É uma ideia derivada do rentismo e da passividade imposta como forma de relação entre as nações. Ficaríamos estatizados e paralisados ao estilo cubano, enquanto as nações nos pagariam para mantermos nossas árvores em pé.
Essa bisonhice cretina desconsidera que os grandes ciclos econômicos do Brasil foram de produtos não nativos. Começa pela cana de açúcar, que veio da Índia ou Ilhas Canárias. Depois o café que veio da região arábica. Mais tarde a soja, algodão, arroz e pecuária, que também não são nativos do Brasil. Em suma, se tivéssemos que pagar com a mesma moeda sugerida pelo professor Porto-Gonçalves, acho que a dívida aumentaria ainda mais.
Em suma, o erro básico da visão ecofatalista de vertentes socialistas e comunistas é de que o desenvolvimento liquida irremediavelmente com a natureza, e isso provocaria uma catástrofe inelutável. Tal visão vem da impossibilidade teórica de se querer solucionar a questão social fora do Estado, e da necessidade que essas vertentes têm de esconder o fracasso do estatismo brasileiro – em contraponto ao demonstrado de forma cristalina pelo sucesso asiático, cujas sociedades atrasadas migraram em direção ao capitalismo high-tec, com ou sem estatismo.
Pela doutrina marxista, o capitalismo levaria inevitavelmente ao socialismo, porque o capitalismo, ao se desenvolver, engendraria cada vez mais operários que se tornariam seu coveiro. Agora o foco mudou – o capitalismo leva inevitavelmente à destruição da natureza, a menos que o Estado entre em ação para impedir. Trata-se, portanto, de uma variação do determinismo histórico.
A única importância do livro de Gonçalves é sua capacidade de acumular conhecimentos sobre como pensar errado. Neste ponto, podemos nos deter com grande interesse para entender como uma parte do Brasil pode se perder pelo pensamento acadêmico marxista – irremediavelmente.