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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A crise que virá

Carlos U Pozzobon

Escrevo este artigo em 10 de agosto de 2012. Faço questão de registrar a data para defender meu ponto de vista com relação à crise que se avizinha. Ou confessar meus erros altivamente se os rumos dos acontecimentos forem em direção oposta. Não sabemos quando o descalabro da inflação irá forçar a população a uma mudança de atitude. Sabemos apenas que ela virá, e com ela uma nova fase no calvário das calamidades brasileiras recicláveis.

Wilson Martins, em sua obra monumental ‘História da Inteligência Brasileira’, no tomo VII, ao se deter nos acontecimentos dos anos 60, no Brasil, não consegue esconder sua perplexidade. Citando um artigo seu de 1959, advertia: “O nacionalismo e, em particular, o nacionalismo primário, sentimental e intolerante [...] transformou-se, já agora, numa espécie de grave neurose brasileira; mais ou menos latente em toda a nossa história, ele aparece por irrupções bruscas, como as epidemias, e causa tantos males quanto elas. O Brasil sofre da mania de perseguição colonialista – é ela a responsável pelo nosso alheamento da realidade. Resultante de velho complexo de inferioridade – compensado e sublimado delirantemente pela criação de estereótipos os mais inconsistentes – ela alcança, neste momento da vida nacional, formas verdadeiramente patológicas, erigida que está em política, em programa da vida coletiva. É que uma grande parte do povo brasileiro deseja doentiamente preservar alguns valores vazios de conteúdo, agarra-se, justamente, por paradoxo, à constelação mental que caracterizava a sociedade luso-brasileira e deseja imobilizar o Brasil no instantâneo de um dos seus momentos históricos. Esse "velho País colonial", para conservar a terminologia de Jacques Lambert, opõe-se, com a força indestrutível da inércia, servida pela agressividade emocional, ao "País novo" e progressista, que compreendeu a permanência do Brasil sob as suas diversas fisionomias sucessivas e que responde às solicitações do momento em que vive. Se, até agora, entretanto, o "velho País colonial" representava a maioria absoluta, do ponto de vista demográfico, estamos chegando a um ponto em que as duas forças antagônicas tendem a equivaler-se e a partir do qual as correntes do progresso, da identificação com o seu tempo e com a "essência" brasileira começarão a prevalecer. A onda nacionalista que atualmente nos submerge bem pode ser a febre desse minuto culminante do conflito: explorada e mantida por interesses políticos que, precisamente, e por escárnio, nada têm de nacionais, nem de brasileiros, sua permanência e duração, seu alcance efetivo e a influência real que puder exercer decidirão, por muitos anos, do nosso destino coletivo".


A primeira onda de esquizofrenia veio com a Revolução de 30, especificamente a agitação nacional que culminou na morte de João Pessoa, candidato derrotado a vice-presidente nas eleições em que concorria com Vargas. João Pessoa foi assassinado em um crime passional em Recife em decorrência de uma tentativa de outro coronel estabelecer um governo separatista na Paraíba de onde era governador. Sua morte despertou o estopim da revanche política protagonizada por Getulio com o apoio de Minas Gerais. O cadáver de João Pessoa foi tribuna para a agitação política que se iniciou em Julho de 1930 e cujo féretro foi enviado de navio de porto em porto, onde sucediam-se comícios e quebra-quebra para condenar o governo, urdido como o verdadeiro conspirador para assassinar João Pessoa. O que se pode chamar de caráter esquizofrênico consistiu na mudança de opinião do povo que poucos meses antes havia eleito Julio Prestes e cujo tumulto arrastou as principais lideranças empresariais e agrárias reunidas na Aliança Liberal, com a finalidade de produzir mudanças no país, assolado pela crise de 29.


A nova febre de esquizofrenia ocorreu a partir dos anos 60 quando Brasília se transforma na nova capital. Como sabemos, foi a indústria automobilística que teve de dizer para Juscelino permitir a instalação de suas montadoras no Brasil para livrarem o país de sua penúria nas contas externas com a importação cada vez maior de automóveis. Juscelino negociou a autorização e concessão das fábricas com os empréstimos para construir a capital federal. Como se tratava de investimentos passivos, terminada a capital federal inicia-se o período de pagamento dos empréstimos ao FMI. Mas como pagar se foram investimentos inócuos e sem retorno? O governo João Goulart, empossado com a renúncia de Jânio, percebeu a cilada que tinha caído e não teve outra saída senão desvalorizar a moeda e render-se à inflação. Mas o que fez o mundo político de então? Foi procurar seu bode expiatório na sociedade produtiva, e encontrou as tais de remessas de lucros para o exterior como a grande fonte da inflação. Não foi Brasília e a gastança governamental que tinham atolado os brasileiros. Foi a indústria automobilística que, poupando o governo de ter de gastar integralmente com carros importados quantias extraordinariamente maiores, remetia as primeiras quantias ao exterior para amortecer seus investimentos. E toda a sociedade escabelava-se com a ganância dos grandes “trustes” como eram chamadas as grandes empresas internacionais, como a causa da pobreza e da carestia na vida do trabalhador.


Agora estamos prontos para o próximo episódio. O surto de esquizofrenia virá com a consequente inflação causada pela maior crise de gestão da história brasileira pela extensão da incompetência governamental aliada à corrupção que se confunde com as políticas públicas. Como venho alertando desde 2009, a Petrobras é uma dessas causas: com dívidas de 27 bilhões em 2007, já bateu em 130 bilhões em 2012 e corre ladeira abaixo. Mas isso não é tudo: as contas externas começam a dar sinais de déficit crônico. Com reservas de 360 bilhões de dólares, o Brasil poderá resistir mais algum tempo, mas não se sabe quantos anos para que retorne a passar o chapéu ao FMI depois de arrogantes discursos nacionalistas de alguns anos atrás. Considerando que as despesas com o passivo da Copa do Mundo de 2014 deverão equivaler a uma nova Brasília, e acrescentando-se as obras inconclusas que, portanto, não reverteram em produtividade na economia doméstica, como ferrovias, estradas, transposição do SF, portos e aeroportos, podemos prever o aparecimento de um ou mais bodes expiatórios focados nas empresas privadas como a causa da crise, sempre e invariavelmente livrando o governo da responsabilidade pelo descalabro gerencial do país. Alguns professores uspianos já estão dizendo que é um absurdo a indústria automobilística ter remetido para o exterior 1,2 bilhão de dólares em 2011. Essa é a atmosfera da culpabilidade que retorna como um fantasma na mente estreita brasileira. E o espírito para que uma grande mentira possa ter uma grande repercussão em poucos dias já existe. Considerando a forma como setores dos partidos esquizofrênicos trataram a falácia do Pinheirinho, podemos ter uma ideia de como uma fraude pode se espalhar na consciência nacional e servir de peneira para tapar o sol da pusilanimidade instalada em Ministérios Públicos e na grande rede mercenária ameaçada pela crise. A história brasileira tem sido uma constante perda de oportunidades pela escolha do governante errado na hora errada. Existe um Brasil arcaico que já não é mais o mesmo do tempo de Jaques Lambert, identificado na figura do enxadista, do favelado e do analfabeto. O Brasil arcaico de hoje está nos partidos políticos exaltados da base aliada, no corpo docente das Universidades, ONGs, Sindicatos e Movimentos Sociais. Ele não é mais a vítima, mas a parte mais atuante da sociedade, e exatamente por isso, a causa principal do fracasso social continuado das administrações petistas. A grande reação ao descalabro governamental virá com uma causa externa, secundária, mas que vai servir para o despistamento da real situação do país. Não sabemos sua real extensão e consequências. Podemos apenas prever que não serão tempos fáceis e que viveremos aos sobressaltos de decretos expropriatórios, manipulações grotescas do poder, aumentos descarados de impostos e taxas e – com sua indefectível marca registrada –, a corrupção humilhante garantida pela impunidade dos intocáveis já comprovada no episódio da Delta.

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