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sexta-feira, 11 de março de 2022

CRETINISMO EM ALTA

Carlos U Pozzobon

Nada pode ser mais nocivo nestes momentos de epidemia e guerra do que o cretinismo intelectual.

Com uma psicologia própria para relativizar a gravidade daquilo que vemos cotidianamente à nossa volta, o cretino nos informa que a OTAN não pode ser inocentada na invasão russa da Ucrânia porque no passado — sempre tem o passado para usar como régua apaziguadora — invadiu a Líbia, bombardeou Montenegro e mais uma penca de países À DISPOSIÇÃO para minimizar o ataque russo. O relativista mal consegue perceber o ridículo em que se mete porque está fortemente escorado na rede de solidariedade que todo o idiota procura para legitimação pessoal de suas ideias.

E consegue: quanto mais idiota, maior é a prática de abaixo-assinados e declarações públicas de solidariedade contra alguém que procura criticar seus disparates. Um idiota nunca está sozinho.

E a União Europeia, então? Que autoridade tem aqueles países de intervirem em um conflito (ainda que sejam os acolhedores dos refugiados) de que eles mesmos participaram nos tempos coloniais?

O cretino tem uma dimensão intelectual de terra arrasada: se um país cometeu um crime, não importa o quanto de (r)evoluções tenha ocorrido, quantos governos diferentes tenha experimentado ao longo de sua história, que a mancha permanece para sempre.

A pobre Bélgica não pode piar por causa do rei Leopoldo. A Inglaterra tem um dívida histórica com a Índia. A França, nem falar, e a Alemanha, que é a maior socorrista da Europa, não é preciso citar a reputação que o cretino na maior cara de pau costuma evocar.

O argumento acusatório não é menos intimidante: se Putin matar um milhão de ucranianos sempre sobrará uma reserva moral para dizer que Hitler matou muito mais, e assim ficamos sabendo mais uma vez que Putin não é tão ruim como a maldita imprensa vem apregoando.

E o assunto não se restringe à guerra. O cretinismo está presente em todas as esferas da vida nacional.

Ainda hoje, justificando o aumento no preço dos combustíveis, uma recorrente autoridade dos emirados cariocas — aqueles que se alternam conforme o sultanato passa do poder da companheirada para o da milicada — disse que o preço da gasolina em outros países é ainda mais alto que no Brasil. Estamos salvos, portanto, de algo muito pior.

Não seria de perguntar à autoridade sultanesca se por acaso esses outros países também colocam 27% de etanol na mistura e ainda possuem parte considerável de seu petróleo extraído do próprio território com custos quase fixos que não representam ¼ do barril no mercado internacional hoje?

Não deveria ser o preço da gasolina uma razão da média aritmética ponderada de todos os fatores de custos? Afinal para que serve o pré-sal se nossos combustíveis estão ancorados no propalado Preço de Paridade Internacional?

É claro que a complexidade aumenta quando se sabe que a Petrobras não refina o que extrai do pré-sal porque suas refinarias estão sucateadas e incapacitadas de destilar nosso tipo de óleo. Mas e daí?

Ela não exporta justamente para equalizar a diferença entre o óleo importado e o próprio? Ou ela exporta apenas para benefício de si mesma? Não cabe nenhuma punição ao seu fracasso em benefício da nação?

Quanto mais se revolver a capa de cretinismo que tomou conta do país, mais difícil acreditar que uma saída eleitoral possa nos redimir da mentalidade distorcida que tomou conta de nossa gente.

Mas essa é a diferença que carregamos com a maldição de Samuel Huntington quando disse que a América Latina não pertence à civilização ocidental. Não pertence, digo eu, porque não pensa como o Ocidente. Vive redemoinhando nas vicissitudes de seu colapso intelectual.

[PS: se alguém deseja conhecer as ideias de Putin (e suspeito que parte do direcionamento de sua fortuna) reverberadas no Brasil, deve ler o artigo do MSIA. Me abstenho de criticar parágrafo por parágrafo o longo artigo. Menciono apenas que ali estão esboçadas as ideias que justificam a Ucrânia ser considerada uma nação composta por organizações nazistas, mais ou menos como se o Brasil fosse invadido e uma analista se dedicasse a explicar nossa estrutura política com as forças atuantes de organizações do crime organizado como o Comando Vermelho, o PCC, as milícias nas capitais e o MST no interior para justificar a invasão. Sabendo o que a Ucrânia passou nas mãos de Stálin no Holodomor e não perceber que os alemães de Hitler pudessem assumir o papel de libertadores, já não é mais uma questão de hipocrisia e cretinice: é delinquência intelectual mesmo.]


A Ucrânia e a Devoção Nazifascista Anglo-americana

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A crise que virá

Carlos U Pozzobon

Escrevo este artigo em 10 de agosto de 2012. Faço questão de registrar a data para defender meu ponto de vista com relação à crise que se avizinha. Ou confessar meus erros altivamente se os rumos dos acontecimentos forem em direção oposta. Não sabemos quando o descalabro da inflação irá forçar a população a uma mudança de atitude. Sabemos apenas que ela virá, e com ela uma nova fase no calvário das calamidades brasileiras recicláveis.

Wilson Martins, em sua obra monumental ‘História da Inteligência Brasileira’, no tomo VII, ao se deter nos acontecimentos dos anos 60, no Brasil, não consegue esconder sua perplexidade. Citando um artigo seu de 1959, advertia: “O nacionalismo e, em particular, o nacionalismo primário, sentimental e intolerante [...] transformou-se, já agora, numa espécie de grave neurose brasileira; mais ou menos latente em toda a nossa história, ele aparece por irrupções bruscas, como as epidemias, e causa tantos males quanto elas. O Brasil sofre da mania de perseguição colonialista – é ela a responsável pelo nosso alheamento da realidade. Resultante de velho complexo de inferioridade – compensado e sublimado delirantemente pela criação de estereótipos os mais inconsistentes – ela alcança, neste momento da vida nacional, formas verdadeiramente patológicas, erigida que está em política, em programa da vida coletiva. É que uma grande parte do povo brasileiro deseja doentiamente preservar alguns valores vazios de conteúdo, agarra-se, justamente, por paradoxo, à constelação mental que caracterizava a sociedade luso-brasileira e deseja imobilizar o Brasil no instantâneo de um dos seus momentos históricos. Esse "velho País colonial", para conservar a terminologia de Jacques Lambert, opõe-se, com a força indestrutível da inércia, servida pela agressividade emocional, ao "País novo" e progressista, que compreendeu a permanência do Brasil sob as suas diversas fisionomias sucessivas e que responde às solicitações do momento em que vive. Se, até agora, entretanto, o "velho País colonial" representava a maioria absoluta, do ponto de vista demográfico, estamos chegando a um ponto em que as duas forças antagônicas tendem a equivaler-se e a partir do qual as correntes do progresso, da identificação com o seu tempo e com a "essência" brasileira começarão a prevalecer. A onda nacionalista que atualmente nos submerge bem pode ser a febre desse minuto culminante do conflito: explorada e mantida por interesses políticos que, precisamente, e por escárnio, nada têm de nacionais, nem de brasileiros, sua permanência e duração, seu alcance efetivo e a influência real que puder exercer decidirão, por muitos anos, do nosso destino coletivo".


A primeira onda de esquizofrenia veio com a Revolução de 30, especificamente a agitação nacional que culminou na morte de João Pessoa, candidato derrotado a vice-presidente nas eleições em que concorria com Vargas. João Pessoa foi assassinado em um crime passional em Recife em decorrência de uma tentativa de outro coronel estabelecer um governo separatista na Paraíba de onde era governador. Sua morte despertou o estopim da revanche política protagonizada por Getulio com o apoio de Minas Gerais. O cadáver de João Pessoa foi tribuna para a agitação política que se iniciou em Julho de 1930 e cujo féretro foi enviado de navio de porto em porto, onde sucediam-se comícios e quebra-quebra para condenar o governo, urdido como o verdadeiro conspirador para assassinar João Pessoa. O que se pode chamar de caráter esquizofrênico consistiu na mudança de opinião do povo que poucos meses antes havia eleito Julio Prestes e cujo tumulto arrastou as principais lideranças empresariais e agrárias reunidas na Aliança Liberal, com a finalidade de produzir mudanças no país, assolado pela crise de 29.


A nova febre de esquizofrenia ocorreu a partir dos anos 60 quando Brasília se transforma na nova capital. Como sabemos, foi a indústria automobilística que teve de dizer para Juscelino permitir a instalação de suas montadoras no Brasil para livrarem o país de sua penúria nas contas externas com a importação cada vez maior de automóveis. Juscelino negociou a autorização e concessão das fábricas com os empréstimos para construir a capital federal. Como se tratava de investimentos passivos, terminada a capital federal inicia-se o período de pagamento dos empréstimos ao FMI. Mas como pagar se foram investimentos inócuos e sem retorno? O governo João Goulart, empossado com a renúncia de Jânio, percebeu a cilada que tinha caído e não teve outra saída senão desvalorizar a moeda e render-se à inflação. Mas o que fez o mundo político de então? Foi procurar seu bode expiatório na sociedade produtiva, e encontrou as tais de remessas de lucros para o exterior como a grande fonte da inflação. Não foi Brasília e a gastança governamental que tinham atolado os brasileiros. Foi a indústria automobilística que, poupando o governo de ter de gastar integralmente com carros importados quantias extraordinariamente maiores, remetia as primeiras quantias ao exterior para amortecer seus investimentos. E toda a sociedade escabelava-se com a ganância dos grandes “trustes” como eram chamadas as grandes empresas internacionais, como a causa da pobreza e da carestia na vida do trabalhador.


Agora estamos prontos para o próximo episódio. O surto de esquizofrenia virá com a consequente inflação causada pela maior crise de gestão da história brasileira pela extensão da incompetência governamental aliada à corrupção que se confunde com as políticas públicas. Como venho alertando desde 2009, a Petrobras é uma dessas causas: com dívidas de 27 bilhões em 2007, já bateu em 130 bilhões em 2012 e corre ladeira abaixo. Mas isso não é tudo: as contas externas começam a dar sinais de déficit crônico. Com reservas de 360 bilhões de dólares, o Brasil poderá resistir mais algum tempo, mas não se sabe quantos anos para que retorne a passar o chapéu ao FMI depois de arrogantes discursos nacionalistas de alguns anos atrás. Considerando que as despesas com o passivo da Copa do Mundo de 2014 deverão equivaler a uma nova Brasília, e acrescentando-se as obras inconclusas que, portanto, não reverteram em produtividade na economia doméstica, como ferrovias, estradas, transposição do SF, portos e aeroportos, podemos prever o aparecimento de um ou mais bodes expiatórios focados nas empresas privadas como a causa da crise, sempre e invariavelmente livrando o governo da responsabilidade pelo descalabro gerencial do país. Alguns professores uspianos já estão dizendo que é um absurdo a indústria automobilística ter remetido para o exterior 1,2 bilhão de dólares em 2011. Essa é a atmosfera da culpabilidade que retorna como um fantasma na mente estreita brasileira. E o espírito para que uma grande mentira possa ter uma grande repercussão em poucos dias já existe. Considerando a forma como setores dos partidos esquizofrênicos trataram a falácia do Pinheirinho, podemos ter uma ideia de como uma fraude pode se espalhar na consciência nacional e servir de peneira para tapar o sol da pusilanimidade instalada em Ministérios Públicos e na grande rede mercenária ameaçada pela crise. A história brasileira tem sido uma constante perda de oportunidades pela escolha do governante errado na hora errada. Existe um Brasil arcaico que já não é mais o mesmo do tempo de Jaques Lambert, identificado na figura do enxadista, do favelado e do analfabeto. O Brasil arcaico de hoje está nos partidos políticos exaltados da base aliada, no corpo docente das Universidades, ONGs, Sindicatos e Movimentos Sociais. Ele não é mais a vítima, mas a parte mais atuante da sociedade, e exatamente por isso, a causa principal do fracasso social continuado das administrações petistas. A grande reação ao descalabro governamental virá com uma causa externa, secundária, mas que vai servir para o despistamento da real situação do país. Não sabemos sua real extensão e consequências. Podemos apenas prever que não serão tempos fáceis e que viveremos aos sobressaltos de decretos expropriatórios, manipulações grotescas do poder, aumentos descarados de impostos e taxas e – com sua indefectível marca registrada –, a corrupção humilhante garantida pela impunidade dos intocáveis já comprovada no episódio da Delta.

terça-feira, 27 de julho de 2010

A ingenuidade da oposição

Carlos U Pozzobon

Sendo a liberdade uma questão de grau, o enorme perigo para aqueles a quem a experiência não imunizou é a suavidade da transição que leva à servidão” (KOESTLER, Arthur. O Iogue e o Comissário. Ed. Instituto Progresso Editorial, 1947, pg. 164).


Em 1946 ninguém acreditava que Getúlio se elegeria senador na Constituinte do governo Dutra, exatamente 3 meses depois de ter sido deposto pelos militares. Naquela época, as eleições para o senado não eram federalizadas como agora, e Getúlio foi eleito até mesmo com os votos dos paulistas. Novamente em 1950, com alianças entre PSD, PTB, sindicatos e comunistas, Getúlio voltou ao Catete com grande diferença sobre Eduardo Gomes, o então candidato da oposição.

Em todo o Brasil as elites intelectuais se perguntavam: como é possível que o povo vote em seu próprio carrasco? Agora o Brasil oposicionista repete perplexo a mesma pergunta: como é possível Dilma ter tantos votos se é seguidora de um governo fraco, conivente, aliado às piores oligarquias políticas, com uma equipe incapaz de deter a avalanche de gastos do setor público e, ao mesmo tempo, comprometida com escândalos de corrupção?

O fator Getúlio deve ser analisado detidamente porque não se enquadra dentro da lógica do julgamento pelo modelo de gestão. Ora, o povo tem 2 medidas: ou julga pelas propostas (quando o partido nunca esteve no governo) ou julga pela gestão. Mas como explicar que uma má gestão gere tantos votos a favor? Eis aí onde entra a ingenuidade da oposição.

Os analistas políticos, os marqueteiros de ocasião e os jornalistas de plantão desconhecem um fato elementar em toda a eleição: existe um voto emocional que não é trabalhável pela lógica dos argumentos porque não se enquadra dentro da razão humana. Evidentemente que as emoções estão dos dois lados do eleitorado: tanto naqueles que repudiam visceralmente o PT como também naqueles que seguem seus candidatos em qualquer circunstância.

Uma gestão fracassada do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social (como foi a de Getúlio) não quer dizer que não mantenha um enorme eleitorado disposto a votar, mesmo que as condições de gestão tenham sido muito piores do que efetivamente foram. A causa disso está na dependência dos “explorados” de seus “exploradores,” na velha equação de que “o Estado degrada para depois salvar”. Esta lei é uma especialidade das seculares oligarquias nordestinas, que sabem mais do que nós como uma boa esmola comove os corações. E não é muito difícil de controlar vastos currais eleitorais quando se tem uma rede de organizações civis que foram tornadas agentes do processo eleitoral, funcionando como linhas auxiliares dos partidos. Com isso, estou querendo dizer que enquanto a aliança PSDB, DEM, PTB e PPS dispõe apenas da organização partidária para uma eleição, o PT tem aliados que não fazem parte dos partidos políticos. Eis aí onde reside sua força.


Se não estou enganado, o PT não é um partido democrático no sentido convencional do pluralismo político de uma democracia representativa baseada na alternância, mas um partido de inspiração revolucionária cujo objetivo é tomar o poder sem luta armada, com uma progressão paulatina de mudanças que lhe garantam a remoção de obstáculos sociais em todos os campos, aprofundando sua dominação com os compromissos garantidos por privilégios que a oligarquia estatal sempre distribuiu aos seus apaniguados. Em última análise, sua estratégia é capturar a iniciativa oligárquica do nosso perpétuo estatismo e remover todos os obstáculos à garantia do poder. Este caminho está mais adiantado na Venezuela e nada nos impede de usá-lo como modelo, até porque ninguém no PT critica Hugo Chaves, o que nos permite concluir que — por um efeito Orloff — o Brasil será amanhã o que a Venezuela é hoje: um país em franca decomposição de sua base produtiva e de suas liberdades civis.

Esta não é uma estratégia clara com objetivos definidos – como pensam muitos intelectuais da oposição. É, antes de tudo, um conjunto de táticas que surge empiricamente no processo político e que vai se aprofundando à medida que aumenta a resistência. Às vezes recua, para voltar depois com mais força. Às vezes consegue, outras vezes muda de direção e volta a atacar no mesmo ponto: esta é a nova face do eleitoralismo brasileiro, cujas bases são uma enorme ramificação de organizações sociais dependentes do dinheiro público e comprometidas com seu voto.

Não é à toa que a reforma agrária já não engana mais ninguém: apenas se mantém a pressão dos sem-terra para drenar os recursos públicos necessários à agitação social – fator indispensável na tática revolucionária que visa manter os ânimos aguçados pelo discurso contra o inimigo. De seus resultados não sai um pé de feijão nem uma roça de mandioca, mas o açodamento aos inimigos para a necessária turbulência ideológica dos espíritos na comunhão com a “causa”.

Será que a oposição que prega a transparência não tem contra si um contingente eleitoral não desprezível de um modelo social que sobrevive na opacidade? A oposição não desconfia que se afinal a causa social do PT é um blefe, se na verdade todo esse esforço de agitação e conscientização nada mais é do que a vitrine por onde espertalhões saqueiam a República, o governo não está em assentimento com a banda podre que sempre existiu no país e que é poderosíssima eleitoralmente? Será que compartilham os mesmos sorrisos, os mesmos tapinhas e as mesmas lisuras que concorrem para uma popularidade indisfarçável de seus protagonistas?


Será que a oposição sabe que um partido que elege um presidente, que cria as condições para que nada em sua órbita possa ser responsabilizado devido à sua ignorância funcional, não arregimenta toda a maré negra de corrupção que assola o país?

Mas isso não é tudo: a tática do PT é muito mais visível na contra-marcha do processo de modernização do que no avanço dos seus movimentos sociais mercenários. Refiro-me ao desmonte dos setores de energia e telecomunicações.

Em telecom, a reestatização começa com a NewTelebras. Se tudo der certo, dentro de alguns anos será um MST na banda larga. As barracas e os acampamentos dos novos funcionários da NewTelebras serão feitos dentro do latifúndio das operadoras de telefonia e não faltarão foices e incêndios para demolir a ordem existente com o dumping e a guerra de preços de um governo que não tem a mínima consideração com as práticas da livre concorrência. A fusão OI-BrT já foi um escândalo que a oposição deixou passar sem nem mesmo resmungar escandalizada. O BNDES, banco de investimentos para o desenvolvimento nacional, foi o financiador da fusão OI-BrT, numa clara ilegalidade com os objetivos de um banco de fomento, seguida por outra ilegalidade usada pelo governo para mudar a lei e permitir que a fusão se realizasse, e o fez por decreto.

No setor de energia, a grande transformação ocorreu com o petróleo. A mudança do marco regulatório – do sistema de concessão para o sistema de partilha – foi uma descoberta empírica das mais importantes para o PT, foi como criar um mecanismo de financiamento eleitoreiro que se mantenha na opacidade das cuecas e dos malotes. A Petrobras tem sido a maior financiadora de artistas, intelectuais, atores, cineastas, festas juninas, festivais, encontros literários, carnaval, e muito mais. Sempre foi. Com o novo marco regulatório, a troca do sistema de concessão para o de partilha vai ser o equivalente à criação de uma fábrica de cuecas especialmente preparada para transporte de dinheiro de patrocínios.


Pelo sistema de concessão a empresa exploradora paga desde o primeiro barril extraído. Uma pequena aritmética é suficiente para calcular o quanto o Tesouro embolsaria. Pelo sistema de partilha o dinheiro só vai aparecer depois de descontados todos os custos em barris equivalentes. Aí vai entrar a janela dos patrocínios para o partido no Poder e do eleitoralismo descarado. A diferença entre o PT e os governos anteriores na direção da Petrobras era a ausência de partidarização dos patrocínios. Agora não. O próprio partido controla o caixa (OESP 24/5/2009 pg. A4) e escolhe os beneficiados no exame minucioso da ficha política. Adivinhe em quem votam as pessoas físicas beneficiadas pela Petrobras?

Em poucos poços perfurados não vão faltar verbas para prefeitos fazer festas, e obviamente para os palanques. A oposição faz de conta que não vê, para não abrir uma frente de discussão que se espalhe pelo país no momento mais oportuno: o das eleições. Isto já é um sinal preocupante de que vai ficar acuada e na defensiva.

A diferença entre o PT e os partidos da oposição pode ser medida no comportamento de seus lideres. Quando um governo estadual ou uma prefeitura não petista entrega um conjunto habitacional para os moradores, quem está entregando é sempre o governo e não o partido no Poder. Quando o governo federal entrega uma obra quem o faz não é o governo federal, mas o PT. Isto significa que a função política do neossocialismo petista é a de representar o Estado e não o governo representar o Estado. Muito papel foi gasto para analisar a confusão entre Partido e Estado praticada pelo PT. Insisto que a confusão não só é deliberada, como articulada para que o Partido se prolifere indefinidamente ocupando cada vez mais o Estado para seus fins ideológicos. E, aparelhado pelos recursos do Estado, esteja em condições de mobilizar todas as suas alas “civis” para o enfrentamento caso perca as eleições.

Atemorizada com o crescimento dos índices de intenção de votos da candidata do governo, a oposição não é capaz de perceber que a democracia plena – que nunca existiu no Brasil a menos deste atual arremedo lamentável – mudou de nome e agora se chama subornocracia. A oposição sequer suspeita de que o processo posto em marcha não dependerá mais da falta de recursos. Doravante o processo político passará pela cartilha do chavismo: prefeito que for contra vai para o paredão das calúnias, depois para a intimidação e por fim para o ostracismo político.


Um dos livros mais importantes para se meditar o momento atual – e por isso mesmo totalmente ignorado – foi publicado em 1947 no Brasil e escrito por Arthur KOESTLER anos antes, com o título ‘O Iogue e o Comissário’ (Ed. Instituto Progresso Editorial). Trata-se de um conjunto de ensaios escritos para jornais ingleses e americanos a respeito de suas experiências na Rússia de Stalin. KOESTLER, então um arrependido de seus arroubos juvenis e de seu entusiasmo pelo socialismo soviético, estudou psicologia para tentar desenvolver uma teoria a respeito do apelo emocional do bolchevismo. Para ele era natural que pessoas com interesses econômicos bem assentados na nova ordem se enganassem. Mas, pessoas distantes e sem qualquer vínculo com o movimento comunista, pensarem que Stalin estava fazendo uma “transformação social e humana” na Rússia era algo que não tinha sentido. Ele percebeu (não sei se foi o primeiro, mas certamente um dos primeiros) que a força do comunismo vinha do sequestro da fé e, portanto, era uma ideologia cujo componente emocional se misturava com a redenção, obtida com uma carga emocional panfletária que prometia a salvação, misturando a “inevitabilidade histórica” do Manifesto Comunista com as mais duras críticas contra as desigualdades sociais e os males do capitalismo. Mas para que se assentasse nas consciências era necessária uma propaganda constante para neutralização da crítica contrária.

Um dos meios de neutralizar um país embasbacado com o apelo emocional típico de nossa cultura televisiva e de um povo incapaz de reflexão racional seria a oposição se valer do mesmo emocionalismo e dar o troco na altura — por exemplo, se tivesse convidado Pelé para vice-presidente de José Serra. Em pleno ano de Copa, e com a perspectiva de que o principal foco dos próximos 4 anos seja o envolvimento do Brasil com a Copa do Mundo de 2014, Pelé atrairia para si todas as atenções e simpatias porque sempre foi uma figura com a identidade popular necessária para desmontar a insensatez ideológica, e poderia ocupar um discurso de dissenso em relação à política convencional, animando a população e quebrando a hipótese do continuísmo petista. Mas isso a oposição foi incapaz de fazer, e a escolha de Índio da Costa para vice de Serra significa a prioridade dos acordos partidários sobre o interesse eleitoral mais amplo e necessário: interromper o ciclo petista.


Espero estar redondamente enganado, mas a julgar pela atmosfera política atual, a oposição ainda pensa em seus próprios nomes num país em que a política — não por acaso — foi desmoralizada e por isso caminha célere para a derrota não só neste pleito, mas em todos os seguintes, até que o colapso econômico venha bater na casa do brasileiro com a inflação em alta, como nos velhos tempos do governo Sarney. Aí então a oposição será convidada a arrumar a casa por exaustão de desperdício dos recursos e pela humilhação causada pelos escândalos, e uma nova constituinte se estabelecerá para tratar as feridas da insanidade populista. É o eterno ciclo de um país que não conhece a si mesmo.

Esta não é uma afirmação gratuita. Toda a política petista não passa de uma grande implementação do desperdício, porque baseia suas propostas no emocionalismo dos mitos e não no racionalismo dos resultados. Eles não se dão conta — ou procuram enganar a todos — de que o nosso crescimento econômico na primeira década do século XXI se deve às reformas que foram feitas na década anterior, permitindo ajustes fiscais, e ao fato de estarmos tracionados pela Ásia como produtores de commodities. Portanto, um ciclo econômico que não dependeu do partido no Poder, mas dos alicerces anteriores e da conjuntura internacional favorável, aliada à extraordinária produtividade das novas tecnologias e das conquistas científicas nas áreas de produção brasileira. Não há nada de positivo nisso tudo que provenha do governo. Ao contrário, as propostas petistas que se leem nos sites de apoio ao governo indicam que tudo está sendo feito para mergulharmos em uma crise econômica assim que a demanda chinesa começar a ceder ou que por qualquer razão o ciclo de exportações diminuir. Aí então será mais um longo período de oportunidades perdidas. Mas o PT não ficará só. Ao longo do século XX o Brasil perdeu oportunidades em quase todos os governos. É a nossa sina e deve ser creditada também à estupidez do sistema político. Afinal, o PT vai apenas ficar na história como a continuidade daqueles a quem tanto odiava. Como dizia KOESTLER: “talvez a civilização atual não esteja morrendo, mas tão somente dormindo”. Espero que a brasileira acorde desse pesadelo antes de outubro.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O Brasil real e o Brasil oficial

Carlos U Pozzobon

Recentemente ouvi um barulho em minha porta e acudi para saber do que se tratava. Haviam jogado um folheto tapado por um calendário de entrega da Liquigás. Inicialmente pensei que se tratasse de material publicitário, mas depois vi que por trás do calendário estava um folheto da Petrobras com a finalidade de explicar as mudanças que estavam ocorrendo na área do pré-sal.

Estranhei a panfletagem e, ao olhar para fora, vi 2 homens de macacão com o logotipo da Liquigás se afastando da minha pequena rua. Percebi que não eram entregadores de gás de botijão, mas gente com a inequívoca aparência de trabalhar em escritório e estar nas ruas por razões outras que a entrega de gás. Acrescentando-se a isso o fato de que uso gás encanado e, portanto, não tenho relações com essa empresa, a coisa foi ficando clara à medida que dei a primeira folheada no livreto de 22 páginas chamado Marco Regulatório de Petróleo e Gás (tamanho 20 x 13,5 cm). Trata-se de uma clara campanha para explicar à população o que pensa a Petrobras sobre o pré-sal e as mudanças que estão sendo introduzidas na legislação. Mas por que uma campanha de esclarecimento de porta em porta? Qual a razão de se publicarem milhares de panfletos explicativos?

A resposta para isso está dada neste site e explica a razão de sua existência: trata-se da impressionante diferença que existe entre o Brasil oficial e o Brasil real.

Quando estudamos a história política do Brasil, através de seus acadêmicos, temos uma visão totalmente diferente da mesma história contada pelos analistas sociais, pois estes são pessoas que não têm um cargo universitário e que escrevem apenas como testemunhos do que viveram e perceberam nos meandros dos gabinetes, nas notícias dos jornais, nas ruas e nas repartições públicas. Enquanto o cientista social baseia suas observações nos documentos oficiais, o analista social baseia seus dados na interpretação dos documentos, no clamor da sociedade expresso pela imprensa, ou na sua própria interpretação. Assim, é muito diferente escrever sobre um assunto, por exemplo, o da segurança pública, baseado nos relatórios da polícia do que nos testemunhos de vítimas da violência urbana. São textos completamente diferentes: o primeiro é o ranço acadêmico, o segundo, a alma viva da sociedade.


O primeiro texto contém a visão oficial do Estado, o segundo, uma visão particular da sociedade. O segundo ponto diz respeito à ideologia de interpretação. A narrativa da história política baseada no legado do marxismo tem sido uma das causas do ensino de humanidades no Brasil estar completamente sucateado. Quando estudamos a história do Brasil, contada por viajantes que aqui estiveram nos séculos XVIII e XIX, começando por La Condamine, depois Saint-Hilaire, Schlichthorst, Paul Marcoy, Richard Burton, vemos que suas descrições sociais são bem diferentes daquelas feitas pelos estudiosos. Isso não é acidental: Euclides da Cunha, quando descreve a epopéia de Os Sertões, não o faz como um “scholar”, mas como um misto de escritor barroco, jornalista investigativo, analista social e expedicionário militar, completamente independente das “obsoletas estruturas arcaicas” do seu tempo. Era alguém cuja formação intelectual cosmopolita e temperamento irridente lhe tinham dado o privilégio de estar acima da estrutura em que se movia, a ponto de não poupar críticas aos dirigentes de seu próprio exército na campanha de Canudos. Que intelectual em nosso meio acadêmico escreve desmistificando — à Euclides — as nossas mazelas burocráticas, o almofadismo de chefes militares, a desordem institucional?

Com isso, percebe-se que o pensamento da Petrobras sobre o novo marco regulatório do pré-sal se enquadra dentro daquilo que se chama ‘Brasil oficial’ em oposição ao ‘Brasil real’ — que não se enquadra na superfície dos fatos, que não se detém nas boas intenções, que revela as pretensões ocultas, a lógica dos interesses e as particularidades do “sistema”.

Para se ter uma idéia da distância que vai de um ponto de vista a outro, basta compararmos os argumentos que estão contidos neste folheto sobre o Marco Regulatório com os da realidade dos fatos. O folheto apresenta um bem organizado conjunto de 30 perguntas e respostas sobre o pré-sal dividido em 6 partes: 1. contexto e regulação do setor; 2. sistema de partilha; 3. Petro-sal; 4. fundo social; 5. cessão onerosa e 6. dúvidas gerais.

1. Contexto e regulação do setor

Inicialmente, o folheto trata de explicar as diferenças entre os sistemas de concessão e de partilha. Nas palavras do texto, sabemos que no sistema de concessão, “as atividades são realizadas pelo próprio concessionário, sem interferência ou maior controle dos governos nos projetos de exploração e produção, respeitada a regulação existente. Caso haja uma descoberta e ela seja desenvolvida, o petróleo e gás natural, uma vez extraídos, passam a pertencer aos concessionários após o pagamento de royalties e de outras participações governamentais” (p. 2).

Por outro lado, no sistema de partilha “a companhia ou consórcio que executa as atividades assume o risco exploratório. Em caso de sucesso, tem os seus investimentos e custos ressarcidos em óleo (o chamado óleo-custo). O lucro da atividade resulta da dedução dos investimentos e custos de produção da receita total. Convertido em óleo, esse valor é chamado de óleo-lucro, que passa a ser repartido entre a companhia (ou consórcio) e o governo, em porcentagens variáveis” (p. 2).

Havendo ainda a possibilidade de sistemas mistos, em regime de monopólio ou compartilhado, o folheto informa sobre o sistema adotado no Brasil, no caso das concessões: “no sistema adotado vence a empresa ou consórcio que obtiver a maior pontuação em três fatores: o bônus de assinatura (valor em dinheiro ofertado à União pelo direito de assinar um contrato de concessão); o índice de nacionalização das compras de equipamentos e serviços para as atividades de exploração e desenvolvimento; e finalmente, um programa de trabalho mínimo a ser seguido” (p. 4).

Um programa de trabalho não há como ser julgado. É importante para que o governo possa acompanhar o ritmo em que o poço será trabalhado, mas não tem como ser um fator quantitativo em uma avaliação de licitação. Quanto ao índice de nacionalização, não deveria ser também um fator de exigência de licitação porque pode ser manipulado facilmente. Uma rodada de licitação deve se concentrar no interesse público (representado pelo governo) para a obtenção do máximo de benefícios. Para não desnacionalizar totalmente o processo, o governo deveria estabelecer um índice percentual e depois controlar sua execução. Quanto ao bônus de assinatura, está correto e não há nada a acrescentar.

2. Sistema de partilha

O problema vem agora com o modelo de partilha em si. A pergunta que não quer calar é: como o governo, representando o interesse público, poderá fiscalizar os custos de produção representados pela fatia chamada óleo-custo? Como a Petrobras, que nunca conseguiu estabelecer para o governo o preço de custo em seus 50 anos de reinado, poderá convencer o governo de que os custos ali embutidos na exploração são verdadeiros? Eis aí a diferença entre o Brasil real e o Brasil oficial. Oficialmente sabemos, pelas denúncias da imprensa e do Congresso Nacional, que a Petrobras vinha financiando diversas entidades ligadas a parlamentares. Então cabe a pergunta realíssima de um país jovem e trigueiro: não seria o sistema de partilha o mais adequado para que a Petrobras, através de sua diretoria de ocasião (a partir de 2011), aumente a fatia de custos para repassar dinheiro a apaniguados?

Não existe nesta proposta de partilha uma possibilidade tentadora de que se turbine no Brasil um de seus mais nocivos costumes, que vem sendo combatido desde o Padre Anchieta, e que faz parte do seu DNA e que se chama corrupção? Não seria o sistema de partilha uma solução para criar receitas para as mais variadas correntes político-ideológicas dentro e fora da Petrobras? Não seria uma solução em que no jogo do esconde-esconde os amigos levam a melhor e o governo (que representa o interesse público) a pior?

Quem vai dizer que o óleo-custo do poço tal está superfaturado? E se for verdade, o que fará a Petrobras? Se no presente momento, as condenações pelo TCU dos contratos em andamento nas mais variadas refinarias estão simplesmente ignoradas, se as investigações na CPI são detonadas por políticos aliados, alguns sabidamente na lista dos “patrocínios” da estatal, e se algumas empresas contratadas não estão passando pela lei de licitação e tantas denúncias apavorantes não deram em nada, pergunta-se, por que a Petrobras seria daqui para a frente o exemplo de lisura e ética? Não seria exatamente a consolidação do que já está sendo denunciado?

Por que o modelo de concessão, que é claro e transparente — pois basta contar o total de barris extraído e calcular os royalties —, foi repudiado pela atual diretoria? Quem disse que o interesse público fica melhor representado pelo modelo de partilha? A Petrobras tenta uma explicação para modificar o marco regulatório, mas fica longe do essencial:

Quando a atual legislação que regula o setor de petróleo foi criada, em 1997, o Brasil e a Petrobras estavam inseridos num contexto de instabilidade econômica e o preço do petróleo estava baixo (US$ 19 o barril). Além disso, os blocos exploratórios tinham alto risco, perspectiva de baixa rentabilidade, e o País era grande importador de petróleo. O marco regulatório que adotou o sistema de concessão foi criado, à época, para possibilitar retorno àqueles que assumiram esse alto risco.

Hoje o contexto é outro. O Brasil alcançou estabilidade econômica, foi atingida a autossuficiência, os preços do petróleo estão significativamente mais elevados, e as descobertas no pré-sal, uma das maiores províncias petrolíferas do mundo, poderão, apenas com as áreas de Tupi, Iara, Guará e Jubarte, dobrar o volume de reservas brasileiras. Pelos testes realizados, sabe-se que o risco exploratório é baixo e a produtividade é alta nas descobertas localizadas na camada pré-sal.

Com o regime de partilha, o governo pretende obter maior controle da exploração dessa riqueza e fazer com que os recursos obtidos sejam revertidos de maneira mais equânime para a sociedade brasileira. Portanto, esse modelo é mais apropriado ao contexto atual e ao desenvolvimento social, econômico e ambiental do País (p. 7).

A princípio a Petrobras fala pelo governo, o que me parece estranho, para não dizer outra coisa. E quem tem que dizer o que melhor lhe parece para a sociedade certamente não é o que vem das palavras de um monopólio, seja este ou qualquer outro do mundo, hoje como em qualquer época histórica.

Ora se, como argumenta o folheto, hoje (31/5/2010) o barril vale US$118,00 e o risco exploratório é baixo, pelo conhecimento que se tem das perfurações bem-sucedidas na bacia de Santos, então nada indica que o sistema de royalties seja pior nem para o Brasil, nem para a Petrobras. Se diminui o risco, aumenta a oferta e portanto as licitações ganham mais vulto, o que é bom para o governo e ruim para a Petrobras, e qualquer outra, pois a disputa tende a aumentar as apostas.

Agora vem o segundo ponto: o da monopolização. Pelo sistema de partilha proposto nas áreas ainda não licitadas do pré-sal, a União poderá fazer contratos ou exclusivamente com a Petrobras, ou com outras empresas, mas com 30% garantidos para a Petrobras em consórcio. O que acontece neste caso? Que a Petrobras é sócia forçada de qualquer consórcio que vier a ser formado. O que ocorrerá imediatamente é uma desvalorização da disputa, pois não só o valor do bônus fica reduzido, como a simples negativa da Petrobras inviabiliza qualquer iniciativa das outras, já que ela se transforma em jogador e juiz da partida ao mesmo tempo, com seu poder de veto para qualquer área que lhe pareça mais recomendável “deixar para o futuro”.

Embora a Petrobras não pense e não fale nestes termos e garanta que nas licitações (questão 11, p. 10 ) “vence a empresa que oferecer o maior percentual do excedente em óleo (óleo-lucro) para a União. Caso a Petrobras não ganhe a licitação, deverá acompanhar o percentual ofertado à União pela empresa vencedora”.

O que aconteceria, apenas para especular, se fosse licitado um campo adjacente a outro onde as reservas conhecidas tenham sido anunciadas na casa dos bilhões de barris? Evidentemente que as demais empresas iriam partir para o leilão. E se a Petrobras disser “não, não quero”, o que aconteceria? As demais empresas teriam o direito de participar sozinhas à revelia da Petrobras? Poderia a Petrobras espertamente vetar e esperar mais algum tempo até assumir o bloco sozinha, já que a lei lhe faculta?

Nesse caso, não poderia todo o processo de exploração do pré-sal sofrer um engessamento por pura birra das demais petrolíferas, para forçar uma interrupção no processo, como aliás já vem acontecendo desde 2009, quando as notícias sobre o “mar de petróleo da bacia de Santos” contaminaram toda a nação com irrefreável otimismo?

3. Projeto Petro-sal

A Petro-sal seria uma nova estatal com capital 100% da União, criada para representar os interesses da União na partilha, como cuidar dos contratos e participar das decisões. Esta proposta nem merece ser discutida. A pergunta que cabe é: para quê mais uma empresa no processo se estas atribuições são da ANP? O que o governo tem contra a ANP? No triunvirato Ministério de Minas e Energia, Conselho Nacional do Petróleo e ANP, o governo precisa de mais um ente para cuidar de contratos e participar de decisões? Trata-se do mais puro desperdício de recursos públicos e energia humana, pois é mais um ente opinando, dando parecer, solicitando dados, enviando cartas, retardando decisões, enchendo de carimbos, certamente mais confundindo que esclarecendo pela sobreposição de atribuições que hoje são da ANP. Ou seja, uma empresa totalmente dispensável.

4. Fundo Social

Trata-se de parte da parcela obtida pela União, no processo de partilha, que seria obtida com o óleo-lucro e destinada às atividades de combate à pobreza, educação, cultura, etc. Nada a objetar, a União entretanto poderia pensar grande e imaginar que o Brasil deveria se preocupar urgentemente em ser um grande exportador de petróleo, considerando a pressão internacional cada vez maior para pesquisas de fontes energéticas alternativas, carros elétricos e por aí afora. Se o acidente com a BP no Golfo do México inquietar os EUA com suficiente desconforto em relação à exploração de Petróleo, a pressão ambiental por novos combustíveis, ou novas baterias, etc., aumentará a ponto de num horizonte não muito distante o mundo colher os benefícios de energia limpa. Nada nos impede de imaginar que em 50-80 anos o consumo de Petróleo entre em declínio cada vez maior chegando a uma situação de não se poder mais extrair petróleo, por decisões políticas impostas pela forças ambientalistas e não pelo esgotamento de jazidas. Aí não vai adiantar chorar sobre o leite derramado.

Neste caso, o pensamento deveria ser voltado para o máximo de exploração no presente, na área da bacia de Santos, com tantos participantes quanto seja o capital disponível. Os recursos obtidos pelo modelo de concessão permitiriam não só a criação de um fundo social como até uma reforma tributária que desonerasse impostos da produção e fossem aplicados na recuperação salarial e no crescimento do país como um todo. Aí sim teríamos um grande horizonte pela frente, com um novo paradigma de progresso e desenvolvimento. E nos aparelhando cada vez mais para sermos autossuficientes em biocombustíveis, em uma estratégia para o final do século XXI.

5. Cessão Onerosa de Direitos

Esse foi o nome que inventaram para a capitalização da Petrobras. Dentro dos círculos sindicalistas, existia o desconforto da Petrobras ser uma empresa de economia mista, onde a União só detém 1/3 das ações ordinárias. Queriam os sindicalistas que a parcela da União fosse 100%. Mas o que fazer com a abertura de capital para os pequenos investidores? Bem, na verdade os pequenos investidores ficam com suas ações na bolsa, e se quiserem acompanhar a Petrobras que o façam investindo mais dinheiro para se equipararem com o equivalente aos 5 bilhões de barris de petróleo de graça da fatia do governo, como forma de capitalização. Isso é no mínimo um absurdo. A Petrobras, então uma empresa de economia mista, se apropria de um patrimônio que é de todos os brasileiros com a promessa de trocar esse petróleo por títulos da dívida pública? Quem será que vai ganhar com os descontos dos títulos? Nesse ponto, a proposta que já era a pior para o povo brasileiro, se transforma em uma comédia. Mas comédia Molieresca das boas, onde não se sabe se a peça tem os personagens de Tartufo ou do Doente Imaginário. Ou quem sabe o governo não faz o papel de O Burguês Ridículo para a Petrobras? Enfim, parece uma demonstração de que o futuro será sombrio na área petrolífera, a menos que o próximo governo seja capaz de assumir os verdadeiros interesses do povo brasileiro.

6. Dúvidas frequentes

O folheto fala sobre a indecisão da proposta do pré-sal no Legislativo, mas promete grandes progressos para seus fornecedores. A Petrobras garante que o sistema de concessão poderá continuar valendo para as áreas já licitadas e para as áreas fora do pré-sal que não sejam consideradas estratégicas. Isso significa colocar nas mãos do governo o papel de árbitro. É deixar uma porta aberta no marco regulatório. Será que a Petrobras e seus sindicalistas não pensam que é muito perigoso deixar nas mãos do governo a decisão? Ou ela fez as contas e decidiu abocanhar a bacia de Santos e deixar o resto para o governo de ocasião? E se um governo qualquer que se suceda neste futuro incerto resolve definir uma área não estratégica, como por exemplo, no nordeste ou RS, e essa área se revelar muito mais promissora que todas as outras conhecidas?

Nenhuma dessas questões é mais preocupante do que a possibilidade de se criar um monstruoso sistema de suborno. Se o sistema de partilha for de fato implantado, a Petrobras pode estar abrindo mais um oleoduto para a incerteza: quem garante que num futuro não muito distante, uma nova diretoria não passe a utilizar o sistema de partilha para superfaturar despesas de investimento e usar estes recursos para contemplar a fila de políticos batendo por uma porta, a fila de sindicalistas batendo na outra, a fila de patrocínios ainda em outra, e assim sucessivamente? Tudo pago com o dinheiro que deveria ir para o óleo-lucro.

Como garantir que o país não mergulhe num sistema de favorecimentos, propinas e desperdícios — à moda getulista da fila do beija-mão —, com um sistema de custos em que o governo facilmente pode ser enganado? Quem vai conferir despesas? E se elas não fecharem com os relatórios do TCU vai ficar por isso mesmo, como está acontecendo com os presentes contratos? Não seria muito melhor que os custos fossem um assunto da própria empresa e que o governo tivesse uma participação direta e medida apenas pelo volume extraído? Não seria o sistema proposto uma contemplação da ineficiência, um dar de ombros ao desperdício, uma vez que os custos podem ser facilmente transferidos para o óleo-custo? E, vejam bem, não só pela Petrobras, pois todas as outras empresas podem fazer a mesma coisa, inclusive empresas representantes de governos estrangeiros!!! Será que não se percebe que pode haver a abertura de um propinoduto por parte das outras empresas também?

Para quem conhece a política nacional e a história do Brasil, a proposta é a pior possível, e nem sequer deveria ser considerada pelo Senado, se não estivessem parte dos nossos senadores comprometidos com as benesses da Petrobras. Em consequência, olhando para o que se conhece do nosso passado, trata-se de uma proposta extremamente cavilosa que, e ao ser distribuída de porta em porta, comprova que sindicatos agindo internamente na Petrobras já podem se dar à liberdade de servir de cabo eleitoral do partido no Poder. Em maio de 2010, a primeira fase da campanha presidencial foi a distribuição de folhetos. Quando é que os sindicalistas petroleiros vão começar a falar do aterrorizante fantasma da privatização? Afinal, eles não estão forçando esta solução? E quem — num processo eleitoral completamente acanhado — pretende enfrentar as “obsoletas estruturas arcaicas” postas em marcha pelo novo marco regulatório?


Nota:
Parece que este novo marco regulatório tem suas origens exatamente no sistema de distribuição de benefícios criados pela Petrobras nesta última gestão. O OESP — de 31/5/2009, quando se falava na convocação da CPI da Petrobrás, uma matéria de página inteira com o título “PT controla repasses da Petrobras para ONGs” — informava que a área de comunicação da Petrobras movimentava em torno de 1 bilhão anual (em 2008), aplicando em repasses para ONGs, programas ambientais, patrocínios culturais, programas sociais e propaganda institucional, muitos deles sem licitação, mas claramente um instrumento que financiava os mais simpáticos ao Partido, como por exemplo, os prefeitos ligados ao partido ou à base aliada nas festas juninas da Bahia. Ora, esta área é toda comandada por sindicalistas. O jornal informa ainda que a CUT recebe benefícios da Petrobras porque seu sindicato, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), é filiado à CUT. Com um patrocínio de 1.178 projetos sociais, projetos culturais e esportivos, o aporte da empresa em 2007 chegou a R$534 milhões. Estes dados são creditados na contabilidade da Petrobras. Com o sistema de partilha proposto, a contabilidade poderá não mais refletir o dinheiro transacionado. Nesse caso, o Brasil deixa de se inspirar na Ásia para caminhar célere na direção da África.


Leia mais sobre pré-sal clicando no menu DNA Brasil em A Perda do Capital Social.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Adeus Pré-sal

Carlos U Pozzobon

Se na antiga Grécia os mitos tinham seu papel de explicar os eventos com aquilo que se chamava a Era da Fábula, no Brasil atual nenhuma empresa desempenha um papel tão intrinsecamente mitológico como a Petrobras.

Suas proezas, seus feitos e sucessos são celebrados aos quatro ventos como uma Odisséia. Seus funcionários são personagens que rivalizam com Ulisses. Seu mecenato na área cultural é capaz de constranger Midas, sua energia emana das façanhas de Hércules, suas conquistas nos mares capazes de humilhar Apolo e sua infraestrutura alguma coisa que coloca Prometeus na irrelevância.

Mas seria mesmo um mito do qual todos os brasileiros tiram proveito? Será que o espetacular crescimento da Petrobras a partir de 1998 não chegou a um ponto de inflexão motivado pelos próprios desdobramentos do pré-sal?

A resposta é: se alguém pensou que o pré-sal iria iniciar uma nova era de crescimento econômico, pode tirar o cavalo da chuva. Todas as grandes expectativas parecem ter convergido para um mesmo fim — o monopólio da Petrobras volta a ser gerido à custa da sociedade brasileira. O legado maldito do governo Lula foi o retorno à fase dos anos 80, em que a Petrobras utilizava a chantagem de empresa monopolista para estabelecer preços e ocultar custos. A perspectiva de um país exportador de petróleo foi totalmente frustrada neste governo. E não se sabe como será o futuro energético do país depois de tamanha frustração.


Uma perspectiva histórica

A esquizofrênica mobilização do governo contra a CPI da Petrobras em 2009, e sua subsequente ocupação dos cargos de presidência e relatoria contra o desejo da oposição, indica que a Petrobras finalmente arrumou uma boa companhia para se manter na sombra.

Na pós-ditadura, em meio ao colapso das estatais, o próprio governo não tinha tanta intimidade com a estatal queridinha dos brasileiros. Em 8/8/85, o Jornal do Brasil publicava as palavras do então ministro Francisco Dornelles, em plena instauração da Nova República: “O ministro lança um desafio à Petrobras: se a empresa diz que não pode prescindir de novos aumentos nos próximos meses, então que abra seus livros para o público e mostre sua real situação”.

Não houve a tal de abertura de livros. Nem naquela época nem em qualquer outra. Mas também nunca houve uma mobilização tão acirrada para que as sombras continuassem a cobrir a estatal consumando-se no boicote à CPI pelo próprio governo.

O problema da Petrobras é emblemático: seu presidente no período de março/85 a junho/86 ao tomar posse discursou: “a exclusividade inerente ao monopólio estatal impõe a observância, por parte de seus executores, de duas exigências fundamentais: a busca incessante de eficiência e a permanente obrigação de prestar contas”.

O presidente era então Hélio Beltrão, e um ano depois a “rejeição branca” ao seu comando era tão congelante, que o jornal O Globo ressaltava em editorial de primeira página em 3/3/86 ser esta designação prerrogativa do presidente da República (que era então José Sarney), condenando “o mero continuísmo de pessoas ou métodos” que o iniciar da Nova República queria abolir. O editorial dizia que “para se resguardem os padrões éticos que devem marcar a nova República, devem ser definidos com nitidez os legítimos interesses privados e os públicos”.

Embora sendo uma empresa pública, e portanto do governo, houve quem proclamasse que “os donos dessa estatal brasileira são os que estão lá dentro, em sua alta diretoria, fazendo apenas estratégicos revezamentos de cadeiras”. (FARHAT, Emil. O Paraíso do Vira-Bosta. T.A. Queiroz Editor, 1987, p.91)

Para os que presenciaram, aquela época era de inflação descontrolada porque havia 560 estatais majoritariamente deficitárias, e se começava a discutir sobre a privatização, que somente ocorreria na década seguinte, e que correspondeu à estabilização do país e ao progresso econômico que conhecemos.

Por essa época, o PT era um partido pobre e altruístico, mas o país era um caos. Uma Comissão de Avaliação das Remunerações Indiretas, criada pelo Ministério da Administração, descobriu que somente em Brasília havia “199 casas ocupadas por diretores de empresas, sendo 107 de propriedade dessas empresas e 62 alugadas por elas para eles. Além disso, 100 empresas pagavam despesas de luz para seus dirigentes, 97 assumiam as contas de água (piscinas) e 67 pagavam gás”. (JB, 2/5/85, p.5, em EF, p. 93).

Certamente nenhum membro do Partido dos Trabalhadores ocupava essas residências, e certamente também estavam todos no coro dos que propunham a supressão dessas mordomias. Vinte anos depois, a coisa mudou completamente. Agora não só estão entre os mordomos, mas pela primeira vez na história “deste país” na beligerância para que nada seja revelado, nem da Petrobras, nem de qualquer outra empresa pública.

Antigamente, quando surgia um faz-de-conta, um deixa-pra-lá, uma recusa em prestar informações de algum ente público quando se clamava por investigação, se dizia que provavelmente havia uma maracutaia das grandes. Era a época em que os escândalos tinham um caráter grupesco — porque internalizados nas oligarquias —, não partidário. Agora, o abafamento se tornou o que o marxismo costuma chamar de “a linha política do partido”.

No episódio do mensalão, não foram poucos os órgãos de imprensa que ao se deterem na questão vaticinaram que o grande erro do PT consistiu em confundir o Estado com o Partido. Acho que a história está demonstrando que estavam enganados: a própria natureza ideológica do Partido é confundir-se com o Estado.

Como explicar que a Petrobras tenha financiado instituições amigas do PT com cifras astronômicas, como a Petrobras Fome Zero, que desembolsou R$387,5 milhões entre 2003 e 2006, ou como o Programa Petrobras Desenvolvimento e Cidadania, que desembolsou mais R$300 milhões entre nov/2007 e dez/2008? Estadão 24/05/09, p. A4

Só uma entidade sindical, o IFAS (Instituto Nacional de Formação e Assessoria Sindical da Agricultura Familiar), que já era conhecido do noticiário pelo desvio de verbas do INCRA, recebeu da Petrobras 1,6 milhão para a formação de mão-de-obra. O objetivo do IFAS era treinar 3 mil famílias de trabalhadores rurais no plantio de sementes para utilização em biodiesel com um contrato total de R$ 4 milhões. Previa não só assistência técnica como até a construção de armazéns de pequeno porte para armazenagem de grãos. O projeto ficou no papel e o dinheiro sumiu, ou melhor, deve ter sido usado para dar o abraço no prédio da matriz da empresa no Rio de Janeiro por sindicalistas quando se mobilizaram para impedir a CPI. Esses abraços bem que mereciam a pena de algum satirista que pudesse calcular o quanto custam individualmente ao país.

O lado curioso é que para ser um fornecedor da Petrobras é preciso uma montanha de certidões e atestados de órgãos públicos, de associações profissionais e por aí afora. Mas para receber um auxílio, a coisa afrouxa. O IFAS não foi questionado sobre sua conduta no caso do INCRA. Embora a Petrobras tenha entrado na justiça requerendo a devolução do dinheiro pago ao IFAS, e o próprio Ministério Público esteja processando a entidade, não se conhece nenhum caso de desenlace deste tipo que efetivamente recupere o dinheiro gasto.

O que está por trás da Petrobras — que a todos os petroleiros compõe uma história de sucesso, quando não de heroísmo ao estilo stalinista — é também uma história de cruz-credo, de Cosa Nostra. Considere a taxa de 30% de periculosidade estendida a todos os funcionários da empresa, quando sua função original era proteger somente os trabalhadores das plataformas, das refinarias e das áreas de alto risco no manuseio e transporte de combustíveis. Este é o espírito da legislação trabalhista.

Não foi o entendimento dos órgãos encarregados de zelar pelas empresas estatais. Por uma engenhosa construção retórica, os funcionários que transitavam de escritórios para refinarias também tinham direito à taxa de periculosidade, pois ainda que ficassem apenas alguns minutos, corriam o risco que para os outros era de expediente inteiro. Em vista disso, e alegando o princípio da isonomia, todos passaram a incorporar o benefício. Isto ocorreu no início dos anos 80. Não se ventilou argumentar juridicamente de que se existe o princípio da isonomia, não pode existir o da periculosidade, e se existe este, não pode existir aquele.

Na época de João Goulart, houve um presidente que transformou a Petrobras em cabide de empregos: em onze meses conseguiu criar 10 mil novos empregos. De lá para cá o cabide foi aumentando às pencas.


O desperdício de gás

Nos anos 80, por uma decisão de pesquisar petróleo na selva amazônica, a Petrobras descobriu o campo de Urucu. Era um campo de gás numa região fertilíssima. Parecia uma solução capaz de mudar o perfil energético do país, não fosse o campo ficar no meio da selva (e o dobro de distância da Bolívia a São Paulo). Necessitando de um gasoduto para transportar o produto até um porto de embarque com calado suficiente, o gás descoberto ficou queimando na chaminé por mais de 20 anos, sem que ninguém se preocupasse muito com isso. Paradoxalmente, em um estado (o Amazonas) cuja matriz energética era toda baseada em queima de óleo industrial, o mais poluente. Novamente o mito supera a realidade. Se o gás queimado fosse exportado, e gerado receitas, não haveria poucas vozes protestando contra “o roubo de nossas riquezas”. Como era queimado, tudo ficou confinado a uma enorme chaminé ardendo dia e noite no meio da selva. Até que Evo Morales, com sua política de invasões à propriedade alheia, obrigou a Petrobras a utilizar as reservas desperdiçadas de gás.

Aqui o argumento de falta de licença ambiental voou pelos ares e o gasoduto foi contratado e implementado rapidamente. Neste caso, 2 contratos de R$ 1 bilhão cada foram aditivados em R$ 612 milhões de reais.OESP, 28/05/09 Aliás, os aditivos são objeto de condenação pelo TCU e se revelam tão constantes que parecem ser uma política da empresa: há casos de aumentos de até 2000%, conforme revelou o Estadão em 28/5/09. O TCU encontrou irregularidades em contratos em todo o país.

O costume de queimar gás não é exclusivo de Urucu. A imprensa noticiava em 27/4/09 Vide-versus que “a freada na economia causou, em fevereiro, desperdício de 8,1 milhões de metros cúbicos de gás por dia, queimados nas plataformas marítimas da Petrobras, sobretudo na bacia de Campos. O volume corresponde a pouco menos do consumo do Estado do Rio de Janeiro, o segundo maior consumidor do País. Em valores, a perda em fevereiro atingiu R$ 5 milhões ao dia, com base no preço de R$ 0,62 por metro cúbico.

O desperdício ocorre porque a Petrobras produz a maior parte do gás associada à extração de petróleo. Se fechar os poços, a empresa interrompe também a produção de óleo, mais rentável. A saída é queimar o gás na plataforma ou usá-lo em suas próprias operações. Na média dos dois primeiros meses deste ano, a queima de gás cresceu 29% e chegou a 7,1 milhões de metros cúbicos, segundo relatório do Ministério de Minas e Energia.“

Que importância tem 5 milhões por dia para uma empresa que não precisa competir no mercado brasileiro, que já é cativo, e que caminha na direção de apossar-se de todos os recursos energéticos do país?

Tecnicamente se sabe que todo o poço de petróleo gera gás, mas nem todo o gás pode ser aproveitado. Isto porque são precisos ou tubulação específica ou recursos de liquefação e transporte. Quando o gás é gerado em pequena quantidade relativamente ao petróleo extraído, ele é queimado. Mas quando o país importa da Bolívia seria natural que o gás fosse aproveitado em sua máxima extensão. Até porque ele poderia estar contribuindo para a redução do preço e favorecendo os consumidores. Mas com um oligopólio não existe oferta e procura. Logo, o gás é queimado e o preço não baixa no botijão. E onde estão os políticos que deveriam zelar pelo interesse da população? Provavelmente na fila dos patrocínios da estatal. O Jornal do Comércio de 11/08/2009 informava que:

“o Brasil registra em 2009 a maior sobra de gás natural de toda sua história. No total, deixaram de chegar ao mercado 20,4 milhões de metros cúbicos por dia, em média, volume equivalente ao importado da Bolívia. A quantidade de gás “desperdiçado” é maior do que a consumida por toda a indústria de São Paulo. Juntas, por exemplo, as regiões Sul e Sudeste utilizam 25 milhões de metros cúbicos desse combustível.“

“A gigantesca sobra diária é dividida em duas vertentes: 8,72 milhões de metros cúbicos são simplesmente queimados na atmosfera a cada dia. Dessa forma some o gás retirado dos poços produtores que não tem como ser transportado para centros de consumo. Outros 11,7 milhões de metros cúbicos tiveram de ser reinjetados nos campos, seja por demanda insuficiente ou falta de infra-estrutura para transporte.”

“Os dados constam do último relatório do Ministério de Minas e Energia, referente ao mês de maio. A estimativa de especialistas é de que o boletim de junho revele sobra ainda maior. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), foram vendidos 40,6 milhões de metros cúbicos por dia em junho, ante os 41,5 milhões de maio, ou seja, houve queda de 2,16% na comparação mensal.”

“Em relação a junho de 2008, o consumo de gás natural registrou recuo ainda maior: 19,35%. Segundo os dados da Abegás, o consumo acumulado no primeiro semestre do ano caiu 27,82%, ante o período do ano passado. Relatório da associação avalia que “mais uma vez os dados demonstram que a falta de uma política energética e o alto preço do insumo têm refletido de forma negativa no consumo”.

“A sobreoferta jogou para o nível mínimo a média de gás natural importado da Bolívia, que ficou em 21 milhões de metros cúbicos por dia nos seis primeiros meses do ano. O contrato entre os dois países prevê que o limite mínimo de importação pode chegar a 19 milhões de metros cúbicos num dia, contanto que o Brasil compense nos demais dias do mês, fazendo com que a média diária se mantenha nos 21 milhões de metros cúbicos.”

“Caso esta compensação não ocorra, o contrato, do tipo “take or pay” prevê que o Brasil pague, ao final de um ano, pelo mínimo previsto, mesmo sem consumir. “Não era possível prever um cenário como este”, diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, admitindo que a sobreoferta de energia vai perdurar até 2015. Para ele, a Petrobras fica como refém deste mercado, porque precisa dar garantias plenas de fornecimento quando as usinas tiverem de ser acionadas. “Ela não pode sequer fechar contratos flexíveis para esta energia quando os reservatórios estão cheios.”

“Tolmasquim já defende a adoção de medidas para elevar o consumo no Brasil. Mas, com as recentes descobertas de novos reservatórios e a entrada em produção de campos de grande porte, como Mexilhão, na Bacia de Santos, que começará a produzir em 2010 e terá capacidade de até 15 milhões de metros cúbicos por dia, a tendência é de elevação da oferta.”

Isto é: os acordos com a Bolívia estão se gaseificando. No horizonte de produção, teremos gás sobrando na próxima década. Onde estão portanto as propostas estratégicas? O que estão pensando os técnicos do ponto de vista da sociedade e não da Petrobras? Parece que não existe governo ou todo o mundo neste governo confunde o povo brasileiro com a própria estatal. E esta, transformada em objeto mercantil, sabe que o mercado é o governo e o resto que continue como tal desde que seu monopólio se mantenha garantido pelo governo ao qual irriga com suas verbas. Imagine o leitor se este gás sobrando pudesse ser canalizado para a indústria cerâmica nacional a preços chineses. Ora, esta próspera indústria seria turbinada com tal intensidade que certamente teria condições de competir até com a China nos mercados mundiais. E o que se fala sobre isso? Absolutamente nada. A Petrobras prefere queimar o gás a baixar o preço para incentivar seu consumo. E isso representa no mínimo um crime contra o consumidor brasileiro.


Os petroleiros

Depois dos protestos em frente ao Ministério de Minas e Energia em dezembro de 2008, os petroleiros ameaçaram uma greve para conseguir adiar a 10ª rodada de licitações de blocos para exploração de petróleo e gás. O motivo? A região da bacia de Santos (que vai até Santa Catarina) tem se mostrado um mar de petróleo. Como quase não houve perfuração frustrada até o presente momento (o índice de petróleo descoberto é altíssimo quando comparado com outras regiões do mundo), as fantásticas perspectivas permitem a possibilidade do Brasil se tornar um grande exportador de Petróleo, do porte de uma Venezuela nos bons tempos (antes de Hugo Chávez, em cujo governo a exploração já caiu pela metade), se naturalmente houvesse inteligência estratégica no país, coisa que não existe absolutamente, a menos do perfil oligopolístico de deixar todo o pré-sal nas mãos da Petrobras e não nos braços da Nação brasileira. Se o governo pensasse em termos de royalties de todas as empresas exploradoras — e não em favorecer a sua queridinha Petrobras —, o Brasil poderia mudar seu perfil econômico. Como? Veja meu artigo “Maus presságios para o pré-sal” neste blog. A intenção dos petroleiros é mudar o marco regulatório. Isto quer dizer nacionalizar o pré-sal, que é a mesma coisa que entregar todo o ouro negro para a Petrobras. Não faltam vozes regressistas neste assunto. Os petroleiros acham que o petróleo do pré-sal deve ser poupado para o futuro ou no mínimo ser usado com muita parcimônia no presente. Resumo: continuamos a ser o país do futuro.

A principal força do mito é se apoderar da Nação. E a Nação devolver na mesma moeda por inoculação sistemática do mito: a reestatização completa da Petrobras, a exploração exclusiva como monopólio público e por aí afora...

Para isso mudaram o marco regulatório. Em vez da transparência do modelo de concessão, impuseram o modelo de partilha. Primeiro os descontos dos custos. E só depois a repartição. Com a reputação de superfaturamento, parece que o Congresso está todo já na lista do suborno, pois aprovar uma proposta dessas é quase uma confissão de neomensalão.

O mais curioso na mentalidade dos petroleiros é a associação da noção de escassez com a de monopolização. Para os petroleiros, o petróleo brasileiro vai acabar em 20 anos: eles vêm falando isso desde a crise do petróleo de 1973. Em 20 de novembro de 2006, a imprensa noticiava Videversus 29/11/2006 que "o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPT) avaliou nesta segunda-feira, que permitir a exportação do petróleo brasileiro é "um crime contra a soberania, contra a existência do Brasil como país soberano". Ao participar de um dos painéis da Conferência Internacional dos Biocombustíveis, em Brasília, ele lembrou que as reservas brasileiras de petróleo somam 14 bilhões de barris e que as estimativas indicam que o volume pode chegar a 20 bilhões de barris. Disse ele, "Nesse ritmo, em menos de 20 anos o petróleo brasileiro vai acabar. Em cerca de 10 anos, se o Brasil não crescer, a curva de produção vai passar para o ponto máximo e o País voltará a ser importador'. Para ele, ao permitir a exportação de petróleo, o governo brasileiro 'abre mão de um bem vastíssimo' e terá que importar o barril por preços superiores a US$ 100,00."

As perfurações a partir de 2006 começaram a indicar a presença cada vez maior de depósitos de hidrocarbonetos na bacia de Santos. Um único reservatório (Tupi) indicava uma estimativa de 8 bilhões de barris. O entusiasmo tomou conta do país. Em pouco tempo vinham notícias dos próprios petroleiros indicando que as reservas estariam calculadas entre 80 a 200 bilhões de barris. O Brasil podia ser imaginado como uma potência petrolífera. Mas para que isso fosse verdade, o Brasil deveria se desenhar como uma potência voltada para a captação de royalties e participação de todas as grandes empresas mundiais, incluindo os chineses, indianos e russos.

Então entra em ação as forças do estatismo capitaneadas por Dilma Rousseff e se interrompem as licitações, modifica-se o marco regulatório de concessões, e o Congresso é chamado a referendar mais uma rasteira contra o desenvolvimento nacional.


Crime e Recompensa

Em 13 de julho de 2009 a imprensa (Vide-versus) informava que a Justiça do RJ havia mandado prender 20 acusados de desviar R$4 milhões em materiais (principalmente dutos) da Refinaria de Duque de Caxias. 17 pessoas já estavam presas e a promotoria informou que os criminosos haviam formado uma quadrilha que segundo o delegado Luiz Lima Ramos “vinha atuando desde o final de 2007 na refinaria, com a média de um furto por semana, mas os registros só eram feitos internamente na empresa e não chegavam à delegacia de polícia. Com a mudança da estrutura de segurança da Reduc, os responsáveis que assumiram trouxeram para nós três registros de furtos de materiais. Os criminosos chegavam a carregar 15 toneladas de material em caminhões de uma só vez". O delegado disse que entre os materiais furtados estavam tubos de aço e válvulas. Em sua opinião, os suspeitos repassavam os materiais para outras empresas. Segundo a Promotoria, além da Petrobras, foram lesadas também a IESA e a Queiroz Galvão. E estimam que os furtos atinjam um valor superior a R$10 milhões.

Está mais do que óbvio que este tipo de crime só pode ocorrer com a participação de empregados e com a complacência das gerências. Mas nem isso nem qualquer outra maracutaia abalou a reputação da empresa que 6 meses depois anunciava em seu site ter ganho o prêmio de Empresa Melhor Gerenciada da América Latina concedido pela revista Euromoney de Londres. E não ficou só nisso. A Euromoney reconheceu a Petrobras como a melhor nas categorias Website Mais Útil e Informativo.

Os ingleses – como se sabe – são aquele povo que concedeu ao presidente Lula o Prêmio Chatham House por sua contribuição para as relações internacionais em novembro de 2009, pouco antes do episódio dos presos de consciência em Cuba e da visita ao Irã e dos abraços a Ahmadinejad.

Não pense que as irregularidades se restringem ao núcleo operacional das refinarias. Um dos principais fatos que mobilizaram o PSDB para a convocação da CPI foi exatamente a denúncia da existência de uma ONG chamada Movimento Brasil Competitivo (MBC) que havia recebido 16 milhões desde 2003 com a finalidade de “apoiar a coordenação e a execução do Programa de Modernização da Gestão Pública e Privada em vários estados brasileiros". A transação teria sido feita sem licitação. Por acaso, o conselho da ONG tinha a participação do presidente da Petrobras e da ministra Dilma Roussef. Esta é uma denúncia que viraria um escândalo não fosse a CPI bombardeada com chumbo grosso pelo governo.

O OESP noticiava em 7/10/09 que “deflagrada em julho de 2007, a operação Águas Profundas da Polícia Federal culminou no indiciamento de 26 pessoas (sendo 5 funcionários da Petrobras) e resultou em ação penal que está em curso na Justiça Federal do Rio de Janeiro. No entanto, ainda em 2007, uma das empresas investigadas - Estaleiro Mauá S/A (ex-Mauá-Jurong) - firmou quatro contratos para reparo de embarcações com a Transpetro S/A, subsidiária da Petrobras, que somam R$ 660 milhões.”

O grande gerenciamento da Petrobras a que se refere a revista Euromoney consistiu no seguinte: através de 10 liminares, a Petrobras conseguiu no Supremo a permissão para fazer contratos sem licitação, alegando para isso o direito de fazer procedimentos simplificados para comprar e contratar. Até aí tudo bem. Ocorre que o reclamante era nada menos que o Tribunal de Contas da União que havia detectado irregularidades em obras avaliadas em R$11 bilhões em todo o país. Conforme o informativo eletrônico Vide-versus de 21 de setembro de 2009 “Petrobras e Tribunal de Contas da União travam uma guerra há anos sobre a forma de contratar. O Tribunal de Contas da União diz que a empresa precisa se submeter à Lei de Licitações, mas a Petrobras evoca um decreto presidencial para ter mais liberdade. Ao analisar as razões que levaram a sucessivos adiamentos do gasoduto avaliado em R$ 2,5 bilhões, os técnicos do Tribunal de Contas da União encontraram diferenças de preços de até 57.782% entre as estimativas da Petrobras e as propostas das licitantes. Mesmo o TCU tendo detectado irregularidades em contratos que somam R$ 4,5 bilhões, a Petrobras não precisou parar 94 empreendimentos em todo País relacionados à manutenção, transporte, suprimento, planejamento e gestão da qualidade para exploração e produção de petróleo. Os técnicos identificaram contratos sem assinatura e alteração do objeto sem nova licitação.”

E, sob o argumento de que seria um desastre paralisar as obras, pois acarretaria desemprego, o presidente Lula vetou as ordens do TCU sem que a oposição protestasse contra o fato. Como se uma força misteriosa não pudesse refazer os contratos, como se a autoridade da Petrobras inexistisse por completo, todo o superfaturamento continuou lépido e faceiro e ainda contando com a presidencial presença palanqueira em inauguração de canteiros de obras, lançamento de pedras fundamentais e quetais.

A Petrobras petista descobriu o paraíso terrestre consubstanciado no velho ditado getulista: “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Isto quer dizer o seguinte: para os amigos, dispensa de licitação, carta convite e similares. Para as empresas desconhecidas, a avalanche burocrática.

Outro caso foi o apontado por Marinus Marsico, procurador do Tribunal de Contas da União, que disse que iria fazer uma representação contra a manobra tributária da Petrobras. "Há 14 anos no tribunal eu nunca vi uma manobra desse tipo, isso me gera uma certa suspeita”, disse ele. “Marsico falou ao sair de audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. No início desta semana, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, negou que a empresa tenha usado qualquer tipo de artifício ou manobra contábil para pagar menos imposto. A empresa teria modificado, no último trimestre do ano passado, a forma de recolher os tributos sobre ganhos de variação cambial e a Receita Federal apura se isso poderia ser feito durante o exercício. Essa mudança teria gerado um crédito tributário de R$ 4 bilhões para a estatal que foi compensado em outros tributos, como a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), cobrada sobre os combustíveis” (Vide-versus 15 de maio de 2009).

Este episódio foi referendado pela Receita Federal e foi responsável pela expulsão de Lina Vieira da Secretaria junto com a acusação do pedido de suspensão das investigações sobre fraudes praticadas por integrantes do clã Sarney. Na época Lina Vieira foi ao Senado falar do encontro que teve com Dilma Roussef que teria sido porta-voz do pedido, porém esta negou por completo e Lina Vieira terminou sendo exonerada da função.

Outra denúncia ocorreu na área cultural. Todo mundo sabe que o papel da Petrobras é extremamente importante no mecenato da cultura brasileira. Talvez seja a empresa que mais patrocina eventos culturais no Brasil. Poderia fazer isso seriamente. Mas não quando espelhada por um governo fraco e uma diretoria que é o reflexo do governo. Conforme apurou a imprensa, 03 de agosto de 2009 - Vide-versus foi descoberto que “a Petrobras gastou mais de R$ 12,4 milhões na sua área de abastecimento com empresas que vendem notas fiscais, que têm como endereço um canil ou um barraco em uma favela, levantou a ponta de um esquema muito maior: grande parte da produção cultural do Rio de Janeiro vive em um ambiente de sonegação sistemática de impostos e operando através das mesmas empresas. Artistas, autores, produtores e fornecedores de todos os tipos usam o esquema de notas fiscais "de favor", obtidas destas empresas, em vez de operar como pessoa física autônoma ou abrir sua própria empresa. Assim, driblam a Receita Federal, pagando menos imposto ou simplesmente sonegando. Levantamento feito pelo jornal O Globo indica a existência de pelo menos 13 empresas fornecedoras dessas notas fiscais. As mesmas firmas também já aprovaram quase R$ 14 milhões no Ministério da Cultura em projetos enquadrados na Lei Rouanet.”


O padrão do Alaska

Em um ano de eleições presidenciais (2010), era de se esperar que os candidatos apresentassem propostas mais além do exercício banal de distribuir dinheiro a rodo para os subordinados políticos sob o título funcional de “governadores e prefeitos”. Por que os royalties vão ser destinados para estados e municípios? Como tenho repetido tantas vezes, a melhor forma de jogar dinheiro fora – obviamente com o atual sistema político – consiste em distribuí-lo para estados e municípios. Será que vai aparecer um candidato com a ousadia de dizer que poderá dobrar a renda da população apenas distribuindo os royalties diretamente para ela, em vez de desperdiçar no aparelhamento de cabos eleitorais senão na corrupção pura e simples?

Será que alguém poderá quebrar essa corrente de desperdício propondo a solução do Alaska? Pois naquele território os políticos decidiram que os royalties do petróleo seriam constituídos em fundo, chamado de Fundo Permanente do Alaska, e das aplicações financeiras e rendas imobiliárias os benefícios seriam distribuídos igualmente para a população, não importando a idade ou o tamanho das famílias. Isto ocorreu logo após a descoberta do petróleo em 1976, e 6 anos depois, a primeira distribuição foi feita no valor de U$1000,00 para cada cidadão ou residente com mais de um ano. Em 2003 o cheque do governo foi de U$1107,00 para um total de U$682 milhões já que a população do Alaska é cerca de 600 mil pessoas. Um país que já soube distribuir fundos (157) e benefícios sociais como o Brasil, por que não incluir os royalties diretos para a população? Será que não existe um só candidato disposto a faturar alto nas eleições como um pouquinho de ousadia?

E o padrão da China

Ou então, por que não investir à moda chinesa em nossa infraestrutura sucateada com os royalties do petróleo? Considerando uma média de 40 dólares por barril do pré-sal (se não houvesse o conto das dificuldades e altos custos já inoculado pela Petrobras nos políticos brasileiros), poderíamos imaginar que:

  • O famoso trem de alta velocidade SP-Rio com custos astronômicos de U$17 bilhões poderia ser construído com a bagatela de 425 milhões de barris. Parece muito? Mas em um horizonte de 4 anos (tempo que levaria para construir a ferrovia) representam apenas 291 mil barris por dia. Vamos arredondar para 300 mil.
  • Ou quem sabe outros U$17 bilhões para reconstruir as ferrovias de carga do RS até o Rio e BH? Mais 300 mil barris por dia em 4 anos.
  • Podemos imaginar a recuperação dos portos com U$5 bilhões? Então em 4 anos conseguimos com a exportação de aproximadamente 100 mil barris.

Total até agora: cerca de 700 mil barris dia. Mas isso é exatamente o que a Petrobras exportou em março de 2010. Fonte: Agência Petrobras de 06/04/2010 10:28 Release: TN Petróleo: “A Petrobras atingiu, em março, o recorde de exportação de 733 mil barris por dia de petróleo, totalizando 22,73 milhões de barris no mês. Esse resultado superou a marca anterior, de dezembro de 2008 , em 113 mil barris.”

Então o que está acontecendo no país? Já estamos recebendo para fazer uma transformação à chinesa em nossa economia, mas onde está indo este dinheiro? A resposta é muito simples: para estados e municípios.....

Mas com um pré-sal seguindo o ritmo que deveria, isto é, leilões de áreas para todas as empresas de exploração não importando quem, com o objetivo de exportação (já que a Petrobras atende o mercado interno), o Brasil poderia lentamente ir aumentando sua presença e transformar-se em poucos anos em uma potência petrolífera exportadora.

Observe que com toda a mobilização em torno de energias alternativas o crescimento de consumo mundial de petróleo de 2008 para 2009 foi superior a 1 milhão de barris/dia, portanto, existe lugar para mais uma potência petrolífera. E um horizonte de 3 a 5 milhões de barris dia não estaria descartado para um país cujo sistema político tivesse um mínimo de inteligência. Mas não há sensibilidade para pensar o país do ponto de vista estratégico. O sistema é dimensionado de forma tal que quase tudo se desperdiça na máquina de moer consciências do oportunismo político. Em um estado cuja forma de atuação é o próprio suborno dos cidadãos com passagens aéreas, viagens, regalias, mordomias, sinecuras, aditivos, direitos adquiridos, etc, não sobram neurônios para qualquer proposta mais elevada. O pré-sal, monopolizado pela Petrobras como o modelito de partilha, será a constitucionalização de uma fraude contra todos os brasileiros, mas naturalmente enriquecedor da minoria que escabuja como sevandijos aos pés da estatal que é o orgulho e mito dos brasileiros.