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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Poder das Redes Sociais

Última atualização: 12/09/2011 — by Carlos U. Pozzobon

O mundo anda perplexo com a Primavera Árabe. O mundo anda perplexo com as mobilizações via Internet. Na Espanha e Inglaterra, as manifestações convocadas pelas redes sociais foram capazes de organizar protestos que degeneraram em incêndios e ocupações de praças. Os governos discutem a possibilidade de criminalizar o ativismo digital.

A pergunta que se coloca, entretanto, tem outra natureza: trata-se de saber até que ponto o fenômeno das redes sociais pode melhorar ou piorar a democracia. Precisamos olhar os dois lados da questão para avaliar suas possibilidades.

Do ponto de vista positivo, sabemos que a mentira sempre tem uma vigência histórica que depende do resto do mundo em desmascará-la. Às vezes a vigência histórica da mentira é curta, outras vezes dura algumas décadas, mas no fim a verdade prevalece, ainda que muitas vezes ofuscada pelas conveniências. Mesmo parcialmente, a verdade tem se sobreposto à mentira. E, sob este ponto de vista, as redes sociais possuem uma vantagem considerável.

Devemos também levar em conta que a mentira é frequentemente utilizada durante curto período, como tem sido a fábrica de dossiês para fins eleitorais no Brasil. E, mesmo assim, consegue ser desmascarada em poucas horas.

Se considerarmos os entes coletivos como poderes sociais, podemos dizer que as redes são o sétimo poder. Depois dos três poderes do Estado, temos o quarto poder representado pela imprensa, o quinto poder representado pelos sindicatos e organizações sociais, e o sexto poder pelo crime organizado representado pelo tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

O sétimo poder das redes sociais tem privilegiado a organização de grupos de interesse coletivos, de caráter predominantemente apartidário (embora com a presença de militantes), em um debate não focado em programas e opiniões de partidos políticos, mas nos acontecimentos políticos gerados pelos grandes portais da imprensa, juntamente com questões existenciais e cotidianas de seus membros.

Em todos os lados do espectro político, vemos os mesmos grupos organizados. Mas, o que tem crescido substancialmente — e é aí que a diferença conta —, é a mobilização do público passivo transformado em agente ativo, através do ativismo digital propiciado pelas redes sociais.

Se de um lado do espectro, a militância por si só caracterizava a presença de ativistas estridentes, do outro lado, contingentes cada vez maiores da chamada “maioria silenciosa”, que não desejam o enfrentamento, mas que estão atentos à ponderação e à inteligência, são mobilizados pelas redes sociais.

O principal papel das redes sociais deverá ser a disseminação de conhecimentos, dentro de um quadro de sociabilidade e enlevo estético criado pela convivência, se levarmos em conta a crescente participação simultânea das pessoas em grupos de discussão, e também de poesia e literatura. Nunca esquecendo os fatos políticos que envolvem a comunidade em que se vive, essa disseminação de conhecimentos exige a presença constante dos intelectuais na interpretação dos eventos mundiais e nacionais. Trata-se, portanto, do mais democrático e participativo meio de difusão e debate de ideias jamais existente em outro momento histórico.

O lado negativo das redes sociais pode ser a formação de grupos com tendências totalitárias, e até mesmo terroristas, ou então com desvios sociopáticos comuns. Como demonstrei em meu livro “Um dia na vida o diabo duvida”, o totalitarismo se origina basicamente de 3 vertentes principais: a alienação e a idolatria, na versão socialista, e o altruísmo, na versão liberal. Estas 3 fontes precisam ser amplamente entendidas pelo cidadão globalizado do século XXI como condição de evitarmos que o totalitarismo possa ter uma vigência dominante na Internet. O altruísmo totalitário parte de meias-verdades com a finalidade de servir de instrumento de recrutamento e termina se consolidando como movimento de intimidação e degradação da ordem social.

Considere, por exemplo, o germe do “novo” movimento estudantil – a luta por mais verbas para a educação. Esta reivindicação é tão velha quanto o próprio movimento estudantil, e, no entanto, voltou com a nova geração de estudantes como panaceia para explicar a falência do ensino. Não conheço nenhum setor da vida social onde o aumento de verbas não o melhoraria em algum aspecto. Mas achar que o problema da qualidade está no aumento de verbas revela uma falácia intelectual sem precedentes. E, no entanto, durante décadas, essa é uma estratégia totalitária recorrente, baseada na criação de uma causa justa com a finalidade de recrutamento de militantes para grupos totalitários, como tem sido o histórico do movimento estudantil, hoje em dia turbinado pelo proselitismo conduzido pela cátedra.

O que as redes sociais podem fazer para neutralizar movimentos totalitários germinativos com a finalidade de arregimentação social de parcela considerável do corpo discente das escolas? Simplesmente neutralizando-os com um ativismo digital bem fundamentado. Se as redes sociais estão conseguindo isso, só o tempo dirá. Tenho a impressão que a vitória da verdade acabará por se impor.

Se levarmos em conta que o totalitarismo é uma doença do caráter humano, e que seus representantes são sempre saqueadores sociais que exploram seus semelhantes em nome da ‘justiça’ autodeclarada de suas causas, podemos concluir que esses movimentos têm grande fragilidade. Sua força só se consolida com a supressão da liberdade, condição necessária no momento em que o altruísmo de seus propósitos bater de cara com a impossibilidade de sua realização. E, enquanto houver liberdade nas redes sociais, o totalitarismo estará cercado por contingentes cada vez maiores de pessoas dispostas a desafiar seus princípios e argumentos.

Evidentemente, nem tudo pode ser creditado na conta do otimismo. Sabemos que o totalitarismo avança cada vez mais através da mudança de alguns paradigmas favorecidos pela ancestralidade oligárquica corporificada na Constituição de 1988, e pela debilidade institucional que permitiu uma migração de princípios democráticos para uma ‘subornocracia’ sem precedentes na história republicana. Anualmente, a ‘subornocracia’ distribui mais de 3 bilhões de reais para sindicatos, organizações sociais e culturais. Esse dinheiro tem dado o tom do oficialismo e da cooptação de setores importantes das classes populares e médias do país.

Além disso, ainda não assistimos a guerrilhas nas redes sociais. As difamações e calúnias ainda são dirigidas para candidatos de oposição ao status quo nos períodos eleitorais, e não a intelectuais independentes. Também não tenho conhecimento de roubo de identidade e de disseminação de informações falsas com nomes igualmente roubados de pessoas célebres na vida civil do país. Mas isso logo chegará. Precisamos estar alerta para o fato de subitamente aparecerem pessoas que conhecemos na Internet com opiniões devassas, grotescas ou opostas a toda circunspecção que lhes são características. Esse será o terreno onde as guerrilhas totalitárias, perdidas na argumentação, derrotadas no uso da palavra, estarão dispostas a manchar a reputação alheia a qualquer preço, naturalmente sendo ‘remuneradas’ para isso, direta, ou indiretamente.

Em qualquer caso, o sétimo poder das redes sociais favorece a integração social ao estabelecer novos núcleos coletivos, difusão cultural, aumento do nível intelectual dos ativistas digitais, e preparação dos ‘espíritos cultivados’ para a ordenação democrática, em oposição à delinquência intelectual que tudo faz para impor suas cretinices congênitas. Hoje em dia é ponto pacífico entendermos a tecnologia como um instrumento que, além de melhorar a vida humana, também favorece a disseminação do saber e das virtudes cívicas. Agora que os cidadãos comuns já foram “amansados” na operação de um computador ou celular, e se resignaram com a angústia de ter que aprender novas tecnologias ainda que provectos, precisamos nos conscientizar de que ser pacífico não é ser passivo, e de que o ser humano sem vida intelectual fica espiritualmente estagnado.

Isso determina o momento em que as redes sociais oferecem o ambiente ideal onde os gostos, aspirações e interesses comuns representam uma nova sociabilidade nas relações humanas, tanto quanto os salões, saraus e clubes do passado. E, melhor, sem ingresso de entrada e sem limite físico de participação.

Sem o constrangimento do “com que roupa eu vou”, as redes sociais deverão alavancar a cultura humana de uma forma jamais pensada pelos gurus, futurólogos e profetas de todos os tempos. O resultado disso já está aparecendo na forma de uma espécie de cão-de-guarda da democracia, um poder com peso específico próprio no debate democrático.

terça-feira, 27 de julho de 2010

A ingenuidade da oposição

Carlos U Pozzobon

Sendo a liberdade uma questão de grau, o enorme perigo para aqueles a quem a experiência não imunizou é a suavidade da transição que leva à servidão” (KOESTLER, Arthur. O Iogue e o Comissário. Ed. Instituto Progresso Editorial, 1947, pg. 164).


Em 1946 ninguém acreditava que Getúlio se elegeria senador na Constituinte do governo Dutra, exatamente 3 meses depois de ter sido deposto pelos militares. Naquela época, as eleições para o senado não eram federalizadas como agora, e Getúlio foi eleito até mesmo com os votos dos paulistas. Novamente em 1950, com alianças entre PSD, PTB, sindicatos e comunistas, Getúlio voltou ao Catete com grande diferença sobre Eduardo Gomes, o então candidato da oposição.

Em todo o Brasil as elites intelectuais se perguntavam: como é possível que o povo vote em seu próprio carrasco? Agora o Brasil oposicionista repete perplexo a mesma pergunta: como é possível Dilma ter tantos votos se é seguidora de um governo fraco, conivente, aliado às piores oligarquias políticas, com uma equipe incapaz de deter a avalanche de gastos do setor público e, ao mesmo tempo, comprometida com escândalos de corrupção?

O fator Getúlio deve ser analisado detidamente porque não se enquadra dentro da lógica do julgamento pelo modelo de gestão. Ora, o povo tem 2 medidas: ou julga pelas propostas (quando o partido nunca esteve no governo) ou julga pela gestão. Mas como explicar que uma má gestão gere tantos votos a favor? Eis aí onde entra a ingenuidade da oposição.

Os analistas políticos, os marqueteiros de ocasião e os jornalistas de plantão desconhecem um fato elementar em toda a eleição: existe um voto emocional que não é trabalhável pela lógica dos argumentos porque não se enquadra dentro da razão humana. Evidentemente que as emoções estão dos dois lados do eleitorado: tanto naqueles que repudiam visceralmente o PT como também naqueles que seguem seus candidatos em qualquer circunstância.

Uma gestão fracassada do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social (como foi a de Getúlio) não quer dizer que não mantenha um enorme eleitorado disposto a votar, mesmo que as condições de gestão tenham sido muito piores do que efetivamente foram. A causa disso está na dependência dos “explorados” de seus “exploradores,” na velha equação de que “o Estado degrada para depois salvar”. Esta lei é uma especialidade das seculares oligarquias nordestinas, que sabem mais do que nós como uma boa esmola comove os corações. E não é muito difícil de controlar vastos currais eleitorais quando se tem uma rede de organizações civis que foram tornadas agentes do processo eleitoral, funcionando como linhas auxiliares dos partidos. Com isso, estou querendo dizer que enquanto a aliança PSDB, DEM, PTB e PPS dispõe apenas da organização partidária para uma eleição, o PT tem aliados que não fazem parte dos partidos políticos. Eis aí onde reside sua força.


Se não estou enganado, o PT não é um partido democrático no sentido convencional do pluralismo político de uma democracia representativa baseada na alternância, mas um partido de inspiração revolucionária cujo objetivo é tomar o poder sem luta armada, com uma progressão paulatina de mudanças que lhe garantam a remoção de obstáculos sociais em todos os campos, aprofundando sua dominação com os compromissos garantidos por privilégios que a oligarquia estatal sempre distribuiu aos seus apaniguados. Em última análise, sua estratégia é capturar a iniciativa oligárquica do nosso perpétuo estatismo e remover todos os obstáculos à garantia do poder. Este caminho está mais adiantado na Venezuela e nada nos impede de usá-lo como modelo, até porque ninguém no PT critica Hugo Chaves, o que nos permite concluir que — por um efeito Orloff — o Brasil será amanhã o que a Venezuela é hoje: um país em franca decomposição de sua base produtiva e de suas liberdades civis.

Esta não é uma estratégia clara com objetivos definidos – como pensam muitos intelectuais da oposição. É, antes de tudo, um conjunto de táticas que surge empiricamente no processo político e que vai se aprofundando à medida que aumenta a resistência. Às vezes recua, para voltar depois com mais força. Às vezes consegue, outras vezes muda de direção e volta a atacar no mesmo ponto: esta é a nova face do eleitoralismo brasileiro, cujas bases são uma enorme ramificação de organizações sociais dependentes do dinheiro público e comprometidas com seu voto.

Não é à toa que a reforma agrária já não engana mais ninguém: apenas se mantém a pressão dos sem-terra para drenar os recursos públicos necessários à agitação social – fator indispensável na tática revolucionária que visa manter os ânimos aguçados pelo discurso contra o inimigo. De seus resultados não sai um pé de feijão nem uma roça de mandioca, mas o açodamento aos inimigos para a necessária turbulência ideológica dos espíritos na comunhão com a “causa”.

Será que a oposição que prega a transparência não tem contra si um contingente eleitoral não desprezível de um modelo social que sobrevive na opacidade? A oposição não desconfia que se afinal a causa social do PT é um blefe, se na verdade todo esse esforço de agitação e conscientização nada mais é do que a vitrine por onde espertalhões saqueiam a República, o governo não está em assentimento com a banda podre que sempre existiu no país e que é poderosíssima eleitoralmente? Será que compartilham os mesmos sorrisos, os mesmos tapinhas e as mesmas lisuras que concorrem para uma popularidade indisfarçável de seus protagonistas?


Será que a oposição sabe que um partido que elege um presidente, que cria as condições para que nada em sua órbita possa ser responsabilizado devido à sua ignorância funcional, não arregimenta toda a maré negra de corrupção que assola o país?

Mas isso não é tudo: a tática do PT é muito mais visível na contra-marcha do processo de modernização do que no avanço dos seus movimentos sociais mercenários. Refiro-me ao desmonte dos setores de energia e telecomunicações.

Em telecom, a reestatização começa com a NewTelebras. Se tudo der certo, dentro de alguns anos será um MST na banda larga. As barracas e os acampamentos dos novos funcionários da NewTelebras serão feitos dentro do latifúndio das operadoras de telefonia e não faltarão foices e incêndios para demolir a ordem existente com o dumping e a guerra de preços de um governo que não tem a mínima consideração com as práticas da livre concorrência. A fusão OI-BrT já foi um escândalo que a oposição deixou passar sem nem mesmo resmungar escandalizada. O BNDES, banco de investimentos para o desenvolvimento nacional, foi o financiador da fusão OI-BrT, numa clara ilegalidade com os objetivos de um banco de fomento, seguida por outra ilegalidade usada pelo governo para mudar a lei e permitir que a fusão se realizasse, e o fez por decreto.

No setor de energia, a grande transformação ocorreu com o petróleo. A mudança do marco regulatório – do sistema de concessão para o sistema de partilha – foi uma descoberta empírica das mais importantes para o PT, foi como criar um mecanismo de financiamento eleitoreiro que se mantenha na opacidade das cuecas e dos malotes. A Petrobras tem sido a maior financiadora de artistas, intelectuais, atores, cineastas, festas juninas, festivais, encontros literários, carnaval, e muito mais. Sempre foi. Com o novo marco regulatório, a troca do sistema de concessão para o de partilha vai ser o equivalente à criação de uma fábrica de cuecas especialmente preparada para transporte de dinheiro de patrocínios.


Pelo sistema de concessão a empresa exploradora paga desde o primeiro barril extraído. Uma pequena aritmética é suficiente para calcular o quanto o Tesouro embolsaria. Pelo sistema de partilha o dinheiro só vai aparecer depois de descontados todos os custos em barris equivalentes. Aí vai entrar a janela dos patrocínios para o partido no Poder e do eleitoralismo descarado. A diferença entre o PT e os governos anteriores na direção da Petrobras era a ausência de partidarização dos patrocínios. Agora não. O próprio partido controla o caixa (OESP 24/5/2009 pg. A4) e escolhe os beneficiados no exame minucioso da ficha política. Adivinhe em quem votam as pessoas físicas beneficiadas pela Petrobras?

Em poucos poços perfurados não vão faltar verbas para prefeitos fazer festas, e obviamente para os palanques. A oposição faz de conta que não vê, para não abrir uma frente de discussão que se espalhe pelo país no momento mais oportuno: o das eleições. Isto já é um sinal preocupante de que vai ficar acuada e na defensiva.

A diferença entre o PT e os partidos da oposição pode ser medida no comportamento de seus lideres. Quando um governo estadual ou uma prefeitura não petista entrega um conjunto habitacional para os moradores, quem está entregando é sempre o governo e não o partido no Poder. Quando o governo federal entrega uma obra quem o faz não é o governo federal, mas o PT. Isto significa que a função política do neossocialismo petista é a de representar o Estado e não o governo representar o Estado. Muito papel foi gasto para analisar a confusão entre Partido e Estado praticada pelo PT. Insisto que a confusão não só é deliberada, como articulada para que o Partido se prolifere indefinidamente ocupando cada vez mais o Estado para seus fins ideológicos. E, aparelhado pelos recursos do Estado, esteja em condições de mobilizar todas as suas alas “civis” para o enfrentamento caso perca as eleições.

Atemorizada com o crescimento dos índices de intenção de votos da candidata do governo, a oposição não é capaz de perceber que a democracia plena – que nunca existiu no Brasil a menos deste atual arremedo lamentável – mudou de nome e agora se chama subornocracia. A oposição sequer suspeita de que o processo posto em marcha não dependerá mais da falta de recursos. Doravante o processo político passará pela cartilha do chavismo: prefeito que for contra vai para o paredão das calúnias, depois para a intimidação e por fim para o ostracismo político.


Um dos livros mais importantes para se meditar o momento atual – e por isso mesmo totalmente ignorado – foi publicado em 1947 no Brasil e escrito por Arthur KOESTLER anos antes, com o título ‘O Iogue e o Comissário’ (Ed. Instituto Progresso Editorial). Trata-se de um conjunto de ensaios escritos para jornais ingleses e americanos a respeito de suas experiências na Rússia de Stalin. KOESTLER, então um arrependido de seus arroubos juvenis e de seu entusiasmo pelo socialismo soviético, estudou psicologia para tentar desenvolver uma teoria a respeito do apelo emocional do bolchevismo. Para ele era natural que pessoas com interesses econômicos bem assentados na nova ordem se enganassem. Mas, pessoas distantes e sem qualquer vínculo com o movimento comunista, pensarem que Stalin estava fazendo uma “transformação social e humana” na Rússia era algo que não tinha sentido. Ele percebeu (não sei se foi o primeiro, mas certamente um dos primeiros) que a força do comunismo vinha do sequestro da fé e, portanto, era uma ideologia cujo componente emocional se misturava com a redenção, obtida com uma carga emocional panfletária que prometia a salvação, misturando a “inevitabilidade histórica” do Manifesto Comunista com as mais duras críticas contra as desigualdades sociais e os males do capitalismo. Mas para que se assentasse nas consciências era necessária uma propaganda constante para neutralização da crítica contrária.

Um dos meios de neutralizar um país embasbacado com o apelo emocional típico de nossa cultura televisiva e de um povo incapaz de reflexão racional seria a oposição se valer do mesmo emocionalismo e dar o troco na altura — por exemplo, se tivesse convidado Pelé para vice-presidente de José Serra. Em pleno ano de Copa, e com a perspectiva de que o principal foco dos próximos 4 anos seja o envolvimento do Brasil com a Copa do Mundo de 2014, Pelé atrairia para si todas as atenções e simpatias porque sempre foi uma figura com a identidade popular necessária para desmontar a insensatez ideológica, e poderia ocupar um discurso de dissenso em relação à política convencional, animando a população e quebrando a hipótese do continuísmo petista. Mas isso a oposição foi incapaz de fazer, e a escolha de Índio da Costa para vice de Serra significa a prioridade dos acordos partidários sobre o interesse eleitoral mais amplo e necessário: interromper o ciclo petista.


Espero estar redondamente enganado, mas a julgar pela atmosfera política atual, a oposição ainda pensa em seus próprios nomes num país em que a política — não por acaso — foi desmoralizada e por isso caminha célere para a derrota não só neste pleito, mas em todos os seguintes, até que o colapso econômico venha bater na casa do brasileiro com a inflação em alta, como nos velhos tempos do governo Sarney. Aí então a oposição será convidada a arrumar a casa por exaustão de desperdício dos recursos e pela humilhação causada pelos escândalos, e uma nova constituinte se estabelecerá para tratar as feridas da insanidade populista. É o eterno ciclo de um país que não conhece a si mesmo.

Esta não é uma afirmação gratuita. Toda a política petista não passa de uma grande implementação do desperdício, porque baseia suas propostas no emocionalismo dos mitos e não no racionalismo dos resultados. Eles não se dão conta — ou procuram enganar a todos — de que o nosso crescimento econômico na primeira década do século XXI se deve às reformas que foram feitas na década anterior, permitindo ajustes fiscais, e ao fato de estarmos tracionados pela Ásia como produtores de commodities. Portanto, um ciclo econômico que não dependeu do partido no Poder, mas dos alicerces anteriores e da conjuntura internacional favorável, aliada à extraordinária produtividade das novas tecnologias e das conquistas científicas nas áreas de produção brasileira. Não há nada de positivo nisso tudo que provenha do governo. Ao contrário, as propostas petistas que se leem nos sites de apoio ao governo indicam que tudo está sendo feito para mergulharmos em uma crise econômica assim que a demanda chinesa começar a ceder ou que por qualquer razão o ciclo de exportações diminuir. Aí então será mais um longo período de oportunidades perdidas. Mas o PT não ficará só. Ao longo do século XX o Brasil perdeu oportunidades em quase todos os governos. É a nossa sina e deve ser creditada também à estupidez do sistema político. Afinal, o PT vai apenas ficar na história como a continuidade daqueles a quem tanto odiava. Como dizia KOESTLER: “talvez a civilização atual não esteja morrendo, mas tão somente dormindo”. Espero que a brasileira acorde desse pesadelo antes de outubro.