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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Adeus Pré-sal

Carlos U Pozzobon

Se na antiga Grécia os mitos tinham seu papel de explicar os eventos com aquilo que se chamava a Era da Fábula, no Brasil atual nenhuma empresa desempenha um papel tão intrinsecamente mitológico como a Petrobras.

Suas proezas, seus feitos e sucessos são celebrados aos quatro ventos como uma Odisséia. Seus funcionários são personagens que rivalizam com Ulisses. Seu mecenato na área cultural é capaz de constranger Midas, sua energia emana das façanhas de Hércules, suas conquistas nos mares capazes de humilhar Apolo e sua infraestrutura alguma coisa que coloca Prometeus na irrelevância.

Mas seria mesmo um mito do qual todos os brasileiros tiram proveito? Será que o espetacular crescimento da Petrobras a partir de 1998 não chegou a um ponto de inflexão motivado pelos próprios desdobramentos do pré-sal?

A resposta é: se alguém pensou que o pré-sal iria iniciar uma nova era de crescimento econômico, pode tirar o cavalo da chuva. Todas as grandes expectativas parecem ter convergido para um mesmo fim — o monopólio da Petrobras volta a ser gerido à custa da sociedade brasileira. O legado maldito do governo Lula foi o retorno à fase dos anos 80, em que a Petrobras utilizava a chantagem de empresa monopolista para estabelecer preços e ocultar custos. A perspectiva de um país exportador de petróleo foi totalmente frustrada neste governo. E não se sabe como será o futuro energético do país depois de tamanha frustração.


Uma perspectiva histórica

A esquizofrênica mobilização do governo contra a CPI da Petrobras em 2009, e sua subsequente ocupação dos cargos de presidência e relatoria contra o desejo da oposição, indica que a Petrobras finalmente arrumou uma boa companhia para se manter na sombra.

Na pós-ditadura, em meio ao colapso das estatais, o próprio governo não tinha tanta intimidade com a estatal queridinha dos brasileiros. Em 8/8/85, o Jornal do Brasil publicava as palavras do então ministro Francisco Dornelles, em plena instauração da Nova República: “O ministro lança um desafio à Petrobras: se a empresa diz que não pode prescindir de novos aumentos nos próximos meses, então que abra seus livros para o público e mostre sua real situação”.

Não houve a tal de abertura de livros. Nem naquela época nem em qualquer outra. Mas também nunca houve uma mobilização tão acirrada para que as sombras continuassem a cobrir a estatal consumando-se no boicote à CPI pelo próprio governo.

O problema da Petrobras é emblemático: seu presidente no período de março/85 a junho/86 ao tomar posse discursou: “a exclusividade inerente ao monopólio estatal impõe a observância, por parte de seus executores, de duas exigências fundamentais: a busca incessante de eficiência e a permanente obrigação de prestar contas”.

O presidente era então Hélio Beltrão, e um ano depois a “rejeição branca” ao seu comando era tão congelante, que o jornal O Globo ressaltava em editorial de primeira página em 3/3/86 ser esta designação prerrogativa do presidente da República (que era então José Sarney), condenando “o mero continuísmo de pessoas ou métodos” que o iniciar da Nova República queria abolir. O editorial dizia que “para se resguardem os padrões éticos que devem marcar a nova República, devem ser definidos com nitidez os legítimos interesses privados e os públicos”.

Embora sendo uma empresa pública, e portanto do governo, houve quem proclamasse que “os donos dessa estatal brasileira são os que estão lá dentro, em sua alta diretoria, fazendo apenas estratégicos revezamentos de cadeiras”. (FARHAT, Emil. O Paraíso do Vira-Bosta. T.A. Queiroz Editor, 1987, p.91)

Para os que presenciaram, aquela época era de inflação descontrolada porque havia 560 estatais majoritariamente deficitárias, e se começava a discutir sobre a privatização, que somente ocorreria na década seguinte, e que correspondeu à estabilização do país e ao progresso econômico que conhecemos.

Por essa época, o PT era um partido pobre e altruístico, mas o país era um caos. Uma Comissão de Avaliação das Remunerações Indiretas, criada pelo Ministério da Administração, descobriu que somente em Brasília havia “199 casas ocupadas por diretores de empresas, sendo 107 de propriedade dessas empresas e 62 alugadas por elas para eles. Além disso, 100 empresas pagavam despesas de luz para seus dirigentes, 97 assumiam as contas de água (piscinas) e 67 pagavam gás”. (JB, 2/5/85, p.5, em EF, p. 93).

Certamente nenhum membro do Partido dos Trabalhadores ocupava essas residências, e certamente também estavam todos no coro dos que propunham a supressão dessas mordomias. Vinte anos depois, a coisa mudou completamente. Agora não só estão entre os mordomos, mas pela primeira vez na história “deste país” na beligerância para que nada seja revelado, nem da Petrobras, nem de qualquer outra empresa pública.

Antigamente, quando surgia um faz-de-conta, um deixa-pra-lá, uma recusa em prestar informações de algum ente público quando se clamava por investigação, se dizia que provavelmente havia uma maracutaia das grandes. Era a época em que os escândalos tinham um caráter grupesco — porque internalizados nas oligarquias —, não partidário. Agora, o abafamento se tornou o que o marxismo costuma chamar de “a linha política do partido”.

No episódio do mensalão, não foram poucos os órgãos de imprensa que ao se deterem na questão vaticinaram que o grande erro do PT consistiu em confundir o Estado com o Partido. Acho que a história está demonstrando que estavam enganados: a própria natureza ideológica do Partido é confundir-se com o Estado.

Como explicar que a Petrobras tenha financiado instituições amigas do PT com cifras astronômicas, como a Petrobras Fome Zero, que desembolsou R$387,5 milhões entre 2003 e 2006, ou como o Programa Petrobras Desenvolvimento e Cidadania, que desembolsou mais R$300 milhões entre nov/2007 e dez/2008? Estadão 24/05/09, p. A4

Só uma entidade sindical, o IFAS (Instituto Nacional de Formação e Assessoria Sindical da Agricultura Familiar), que já era conhecido do noticiário pelo desvio de verbas do INCRA, recebeu da Petrobras 1,6 milhão para a formação de mão-de-obra. O objetivo do IFAS era treinar 3 mil famílias de trabalhadores rurais no plantio de sementes para utilização em biodiesel com um contrato total de R$ 4 milhões. Previa não só assistência técnica como até a construção de armazéns de pequeno porte para armazenagem de grãos. O projeto ficou no papel e o dinheiro sumiu, ou melhor, deve ter sido usado para dar o abraço no prédio da matriz da empresa no Rio de Janeiro por sindicalistas quando se mobilizaram para impedir a CPI. Esses abraços bem que mereciam a pena de algum satirista que pudesse calcular o quanto custam individualmente ao país.

O lado curioso é que para ser um fornecedor da Petrobras é preciso uma montanha de certidões e atestados de órgãos públicos, de associações profissionais e por aí afora. Mas para receber um auxílio, a coisa afrouxa. O IFAS não foi questionado sobre sua conduta no caso do INCRA. Embora a Petrobras tenha entrado na justiça requerendo a devolução do dinheiro pago ao IFAS, e o próprio Ministério Público esteja processando a entidade, não se conhece nenhum caso de desenlace deste tipo que efetivamente recupere o dinheiro gasto.

O que está por trás da Petrobras — que a todos os petroleiros compõe uma história de sucesso, quando não de heroísmo ao estilo stalinista — é também uma história de cruz-credo, de Cosa Nostra. Considere a taxa de 30% de periculosidade estendida a todos os funcionários da empresa, quando sua função original era proteger somente os trabalhadores das plataformas, das refinarias e das áreas de alto risco no manuseio e transporte de combustíveis. Este é o espírito da legislação trabalhista.

Não foi o entendimento dos órgãos encarregados de zelar pelas empresas estatais. Por uma engenhosa construção retórica, os funcionários que transitavam de escritórios para refinarias também tinham direito à taxa de periculosidade, pois ainda que ficassem apenas alguns minutos, corriam o risco que para os outros era de expediente inteiro. Em vista disso, e alegando o princípio da isonomia, todos passaram a incorporar o benefício. Isto ocorreu no início dos anos 80. Não se ventilou argumentar juridicamente de que se existe o princípio da isonomia, não pode existir o da periculosidade, e se existe este, não pode existir aquele.

Na época de João Goulart, houve um presidente que transformou a Petrobras em cabide de empregos: em onze meses conseguiu criar 10 mil novos empregos. De lá para cá o cabide foi aumentando às pencas.


O desperdício de gás

Nos anos 80, por uma decisão de pesquisar petróleo na selva amazônica, a Petrobras descobriu o campo de Urucu. Era um campo de gás numa região fertilíssima. Parecia uma solução capaz de mudar o perfil energético do país, não fosse o campo ficar no meio da selva (e o dobro de distância da Bolívia a São Paulo). Necessitando de um gasoduto para transportar o produto até um porto de embarque com calado suficiente, o gás descoberto ficou queimando na chaminé por mais de 20 anos, sem que ninguém se preocupasse muito com isso. Paradoxalmente, em um estado (o Amazonas) cuja matriz energética era toda baseada em queima de óleo industrial, o mais poluente. Novamente o mito supera a realidade. Se o gás queimado fosse exportado, e gerado receitas, não haveria poucas vozes protestando contra “o roubo de nossas riquezas”. Como era queimado, tudo ficou confinado a uma enorme chaminé ardendo dia e noite no meio da selva. Até que Evo Morales, com sua política de invasões à propriedade alheia, obrigou a Petrobras a utilizar as reservas desperdiçadas de gás.

Aqui o argumento de falta de licença ambiental voou pelos ares e o gasoduto foi contratado e implementado rapidamente. Neste caso, 2 contratos de R$ 1 bilhão cada foram aditivados em R$ 612 milhões de reais.OESP, 28/05/09 Aliás, os aditivos são objeto de condenação pelo TCU e se revelam tão constantes que parecem ser uma política da empresa: há casos de aumentos de até 2000%, conforme revelou o Estadão em 28/5/09. O TCU encontrou irregularidades em contratos em todo o país.

O costume de queimar gás não é exclusivo de Urucu. A imprensa noticiava em 27/4/09 Vide-versus que “a freada na economia causou, em fevereiro, desperdício de 8,1 milhões de metros cúbicos de gás por dia, queimados nas plataformas marítimas da Petrobras, sobretudo na bacia de Campos. O volume corresponde a pouco menos do consumo do Estado do Rio de Janeiro, o segundo maior consumidor do País. Em valores, a perda em fevereiro atingiu R$ 5 milhões ao dia, com base no preço de R$ 0,62 por metro cúbico.

O desperdício ocorre porque a Petrobras produz a maior parte do gás associada à extração de petróleo. Se fechar os poços, a empresa interrompe também a produção de óleo, mais rentável. A saída é queimar o gás na plataforma ou usá-lo em suas próprias operações. Na média dos dois primeiros meses deste ano, a queima de gás cresceu 29% e chegou a 7,1 milhões de metros cúbicos, segundo relatório do Ministério de Minas e Energia.“

Que importância tem 5 milhões por dia para uma empresa que não precisa competir no mercado brasileiro, que já é cativo, e que caminha na direção de apossar-se de todos os recursos energéticos do país?

Tecnicamente se sabe que todo o poço de petróleo gera gás, mas nem todo o gás pode ser aproveitado. Isto porque são precisos ou tubulação específica ou recursos de liquefação e transporte. Quando o gás é gerado em pequena quantidade relativamente ao petróleo extraído, ele é queimado. Mas quando o país importa da Bolívia seria natural que o gás fosse aproveitado em sua máxima extensão. Até porque ele poderia estar contribuindo para a redução do preço e favorecendo os consumidores. Mas com um oligopólio não existe oferta e procura. Logo, o gás é queimado e o preço não baixa no botijão. E onde estão os políticos que deveriam zelar pelo interesse da população? Provavelmente na fila dos patrocínios da estatal. O Jornal do Comércio de 11/08/2009 informava que:

“o Brasil registra em 2009 a maior sobra de gás natural de toda sua história. No total, deixaram de chegar ao mercado 20,4 milhões de metros cúbicos por dia, em média, volume equivalente ao importado da Bolívia. A quantidade de gás “desperdiçado” é maior do que a consumida por toda a indústria de São Paulo. Juntas, por exemplo, as regiões Sul e Sudeste utilizam 25 milhões de metros cúbicos desse combustível.“

“A gigantesca sobra diária é dividida em duas vertentes: 8,72 milhões de metros cúbicos são simplesmente queimados na atmosfera a cada dia. Dessa forma some o gás retirado dos poços produtores que não tem como ser transportado para centros de consumo. Outros 11,7 milhões de metros cúbicos tiveram de ser reinjetados nos campos, seja por demanda insuficiente ou falta de infra-estrutura para transporte.”

“Os dados constam do último relatório do Ministério de Minas e Energia, referente ao mês de maio. A estimativa de especialistas é de que o boletim de junho revele sobra ainda maior. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), foram vendidos 40,6 milhões de metros cúbicos por dia em junho, ante os 41,5 milhões de maio, ou seja, houve queda de 2,16% na comparação mensal.”

“Em relação a junho de 2008, o consumo de gás natural registrou recuo ainda maior: 19,35%. Segundo os dados da Abegás, o consumo acumulado no primeiro semestre do ano caiu 27,82%, ante o período do ano passado. Relatório da associação avalia que “mais uma vez os dados demonstram que a falta de uma política energética e o alto preço do insumo têm refletido de forma negativa no consumo”.

“A sobreoferta jogou para o nível mínimo a média de gás natural importado da Bolívia, que ficou em 21 milhões de metros cúbicos por dia nos seis primeiros meses do ano. O contrato entre os dois países prevê que o limite mínimo de importação pode chegar a 19 milhões de metros cúbicos num dia, contanto que o Brasil compense nos demais dias do mês, fazendo com que a média diária se mantenha nos 21 milhões de metros cúbicos.”

“Caso esta compensação não ocorra, o contrato, do tipo “take or pay” prevê que o Brasil pague, ao final de um ano, pelo mínimo previsto, mesmo sem consumir. “Não era possível prever um cenário como este”, diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, admitindo que a sobreoferta de energia vai perdurar até 2015. Para ele, a Petrobras fica como refém deste mercado, porque precisa dar garantias plenas de fornecimento quando as usinas tiverem de ser acionadas. “Ela não pode sequer fechar contratos flexíveis para esta energia quando os reservatórios estão cheios.”

“Tolmasquim já defende a adoção de medidas para elevar o consumo no Brasil. Mas, com as recentes descobertas de novos reservatórios e a entrada em produção de campos de grande porte, como Mexilhão, na Bacia de Santos, que começará a produzir em 2010 e terá capacidade de até 15 milhões de metros cúbicos por dia, a tendência é de elevação da oferta.”

Isto é: os acordos com a Bolívia estão se gaseificando. No horizonte de produção, teremos gás sobrando na próxima década. Onde estão portanto as propostas estratégicas? O que estão pensando os técnicos do ponto de vista da sociedade e não da Petrobras? Parece que não existe governo ou todo o mundo neste governo confunde o povo brasileiro com a própria estatal. E esta, transformada em objeto mercantil, sabe que o mercado é o governo e o resto que continue como tal desde que seu monopólio se mantenha garantido pelo governo ao qual irriga com suas verbas. Imagine o leitor se este gás sobrando pudesse ser canalizado para a indústria cerâmica nacional a preços chineses. Ora, esta próspera indústria seria turbinada com tal intensidade que certamente teria condições de competir até com a China nos mercados mundiais. E o que se fala sobre isso? Absolutamente nada. A Petrobras prefere queimar o gás a baixar o preço para incentivar seu consumo. E isso representa no mínimo um crime contra o consumidor brasileiro.


Os petroleiros

Depois dos protestos em frente ao Ministério de Minas e Energia em dezembro de 2008, os petroleiros ameaçaram uma greve para conseguir adiar a 10ª rodada de licitações de blocos para exploração de petróleo e gás. O motivo? A região da bacia de Santos (que vai até Santa Catarina) tem se mostrado um mar de petróleo. Como quase não houve perfuração frustrada até o presente momento (o índice de petróleo descoberto é altíssimo quando comparado com outras regiões do mundo), as fantásticas perspectivas permitem a possibilidade do Brasil se tornar um grande exportador de Petróleo, do porte de uma Venezuela nos bons tempos (antes de Hugo Chávez, em cujo governo a exploração já caiu pela metade), se naturalmente houvesse inteligência estratégica no país, coisa que não existe absolutamente, a menos do perfil oligopolístico de deixar todo o pré-sal nas mãos da Petrobras e não nos braços da Nação brasileira. Se o governo pensasse em termos de royalties de todas as empresas exploradoras — e não em favorecer a sua queridinha Petrobras —, o Brasil poderia mudar seu perfil econômico. Como? Veja meu artigo “Maus presságios para o pré-sal” neste blog. A intenção dos petroleiros é mudar o marco regulatório. Isto quer dizer nacionalizar o pré-sal, que é a mesma coisa que entregar todo o ouro negro para a Petrobras. Não faltam vozes regressistas neste assunto. Os petroleiros acham que o petróleo do pré-sal deve ser poupado para o futuro ou no mínimo ser usado com muita parcimônia no presente. Resumo: continuamos a ser o país do futuro.

A principal força do mito é se apoderar da Nação. E a Nação devolver na mesma moeda por inoculação sistemática do mito: a reestatização completa da Petrobras, a exploração exclusiva como monopólio público e por aí afora...

Para isso mudaram o marco regulatório. Em vez da transparência do modelo de concessão, impuseram o modelo de partilha. Primeiro os descontos dos custos. E só depois a repartição. Com a reputação de superfaturamento, parece que o Congresso está todo já na lista do suborno, pois aprovar uma proposta dessas é quase uma confissão de neomensalão.

O mais curioso na mentalidade dos petroleiros é a associação da noção de escassez com a de monopolização. Para os petroleiros, o petróleo brasileiro vai acabar em 20 anos: eles vêm falando isso desde a crise do petróleo de 1973. Em 20 de novembro de 2006, a imprensa noticiava Videversus 29/11/2006 que "o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPT) avaliou nesta segunda-feira, que permitir a exportação do petróleo brasileiro é "um crime contra a soberania, contra a existência do Brasil como país soberano". Ao participar de um dos painéis da Conferência Internacional dos Biocombustíveis, em Brasília, ele lembrou que as reservas brasileiras de petróleo somam 14 bilhões de barris e que as estimativas indicam que o volume pode chegar a 20 bilhões de barris. Disse ele, "Nesse ritmo, em menos de 20 anos o petróleo brasileiro vai acabar. Em cerca de 10 anos, se o Brasil não crescer, a curva de produção vai passar para o ponto máximo e o País voltará a ser importador'. Para ele, ao permitir a exportação de petróleo, o governo brasileiro 'abre mão de um bem vastíssimo' e terá que importar o barril por preços superiores a US$ 100,00."

As perfurações a partir de 2006 começaram a indicar a presença cada vez maior de depósitos de hidrocarbonetos na bacia de Santos. Um único reservatório (Tupi) indicava uma estimativa de 8 bilhões de barris. O entusiasmo tomou conta do país. Em pouco tempo vinham notícias dos próprios petroleiros indicando que as reservas estariam calculadas entre 80 a 200 bilhões de barris. O Brasil podia ser imaginado como uma potência petrolífera. Mas para que isso fosse verdade, o Brasil deveria se desenhar como uma potência voltada para a captação de royalties e participação de todas as grandes empresas mundiais, incluindo os chineses, indianos e russos.

Então entra em ação as forças do estatismo capitaneadas por Dilma Rousseff e se interrompem as licitações, modifica-se o marco regulatório de concessões, e o Congresso é chamado a referendar mais uma rasteira contra o desenvolvimento nacional.


Crime e Recompensa

Em 13 de julho de 2009 a imprensa (Vide-versus) informava que a Justiça do RJ havia mandado prender 20 acusados de desviar R$4 milhões em materiais (principalmente dutos) da Refinaria de Duque de Caxias. 17 pessoas já estavam presas e a promotoria informou que os criminosos haviam formado uma quadrilha que segundo o delegado Luiz Lima Ramos “vinha atuando desde o final de 2007 na refinaria, com a média de um furto por semana, mas os registros só eram feitos internamente na empresa e não chegavam à delegacia de polícia. Com a mudança da estrutura de segurança da Reduc, os responsáveis que assumiram trouxeram para nós três registros de furtos de materiais. Os criminosos chegavam a carregar 15 toneladas de material em caminhões de uma só vez". O delegado disse que entre os materiais furtados estavam tubos de aço e válvulas. Em sua opinião, os suspeitos repassavam os materiais para outras empresas. Segundo a Promotoria, além da Petrobras, foram lesadas também a IESA e a Queiroz Galvão. E estimam que os furtos atinjam um valor superior a R$10 milhões.

Está mais do que óbvio que este tipo de crime só pode ocorrer com a participação de empregados e com a complacência das gerências. Mas nem isso nem qualquer outra maracutaia abalou a reputação da empresa que 6 meses depois anunciava em seu site ter ganho o prêmio de Empresa Melhor Gerenciada da América Latina concedido pela revista Euromoney de Londres. E não ficou só nisso. A Euromoney reconheceu a Petrobras como a melhor nas categorias Website Mais Útil e Informativo.

Os ingleses – como se sabe – são aquele povo que concedeu ao presidente Lula o Prêmio Chatham House por sua contribuição para as relações internacionais em novembro de 2009, pouco antes do episódio dos presos de consciência em Cuba e da visita ao Irã e dos abraços a Ahmadinejad.

Não pense que as irregularidades se restringem ao núcleo operacional das refinarias. Um dos principais fatos que mobilizaram o PSDB para a convocação da CPI foi exatamente a denúncia da existência de uma ONG chamada Movimento Brasil Competitivo (MBC) que havia recebido 16 milhões desde 2003 com a finalidade de “apoiar a coordenação e a execução do Programa de Modernização da Gestão Pública e Privada em vários estados brasileiros". A transação teria sido feita sem licitação. Por acaso, o conselho da ONG tinha a participação do presidente da Petrobras e da ministra Dilma Roussef. Esta é uma denúncia que viraria um escândalo não fosse a CPI bombardeada com chumbo grosso pelo governo.

O OESP noticiava em 7/10/09 que “deflagrada em julho de 2007, a operação Águas Profundas da Polícia Federal culminou no indiciamento de 26 pessoas (sendo 5 funcionários da Petrobras) e resultou em ação penal que está em curso na Justiça Federal do Rio de Janeiro. No entanto, ainda em 2007, uma das empresas investigadas - Estaleiro Mauá S/A (ex-Mauá-Jurong) - firmou quatro contratos para reparo de embarcações com a Transpetro S/A, subsidiária da Petrobras, que somam R$ 660 milhões.”

O grande gerenciamento da Petrobras a que se refere a revista Euromoney consistiu no seguinte: através de 10 liminares, a Petrobras conseguiu no Supremo a permissão para fazer contratos sem licitação, alegando para isso o direito de fazer procedimentos simplificados para comprar e contratar. Até aí tudo bem. Ocorre que o reclamante era nada menos que o Tribunal de Contas da União que havia detectado irregularidades em obras avaliadas em R$11 bilhões em todo o país. Conforme o informativo eletrônico Vide-versus de 21 de setembro de 2009 “Petrobras e Tribunal de Contas da União travam uma guerra há anos sobre a forma de contratar. O Tribunal de Contas da União diz que a empresa precisa se submeter à Lei de Licitações, mas a Petrobras evoca um decreto presidencial para ter mais liberdade. Ao analisar as razões que levaram a sucessivos adiamentos do gasoduto avaliado em R$ 2,5 bilhões, os técnicos do Tribunal de Contas da União encontraram diferenças de preços de até 57.782% entre as estimativas da Petrobras e as propostas das licitantes. Mesmo o TCU tendo detectado irregularidades em contratos que somam R$ 4,5 bilhões, a Petrobras não precisou parar 94 empreendimentos em todo País relacionados à manutenção, transporte, suprimento, planejamento e gestão da qualidade para exploração e produção de petróleo. Os técnicos identificaram contratos sem assinatura e alteração do objeto sem nova licitação.”

E, sob o argumento de que seria um desastre paralisar as obras, pois acarretaria desemprego, o presidente Lula vetou as ordens do TCU sem que a oposição protestasse contra o fato. Como se uma força misteriosa não pudesse refazer os contratos, como se a autoridade da Petrobras inexistisse por completo, todo o superfaturamento continuou lépido e faceiro e ainda contando com a presidencial presença palanqueira em inauguração de canteiros de obras, lançamento de pedras fundamentais e quetais.

A Petrobras petista descobriu o paraíso terrestre consubstanciado no velho ditado getulista: “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Isto quer dizer o seguinte: para os amigos, dispensa de licitação, carta convite e similares. Para as empresas desconhecidas, a avalanche burocrática.

Outro caso foi o apontado por Marinus Marsico, procurador do Tribunal de Contas da União, que disse que iria fazer uma representação contra a manobra tributária da Petrobras. "Há 14 anos no tribunal eu nunca vi uma manobra desse tipo, isso me gera uma certa suspeita”, disse ele. “Marsico falou ao sair de audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. No início desta semana, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, negou que a empresa tenha usado qualquer tipo de artifício ou manobra contábil para pagar menos imposto. A empresa teria modificado, no último trimestre do ano passado, a forma de recolher os tributos sobre ganhos de variação cambial e a Receita Federal apura se isso poderia ser feito durante o exercício. Essa mudança teria gerado um crédito tributário de R$ 4 bilhões para a estatal que foi compensado em outros tributos, como a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), cobrada sobre os combustíveis” (Vide-versus 15 de maio de 2009).

Este episódio foi referendado pela Receita Federal e foi responsável pela expulsão de Lina Vieira da Secretaria junto com a acusação do pedido de suspensão das investigações sobre fraudes praticadas por integrantes do clã Sarney. Na época Lina Vieira foi ao Senado falar do encontro que teve com Dilma Roussef que teria sido porta-voz do pedido, porém esta negou por completo e Lina Vieira terminou sendo exonerada da função.

Outra denúncia ocorreu na área cultural. Todo mundo sabe que o papel da Petrobras é extremamente importante no mecenato da cultura brasileira. Talvez seja a empresa que mais patrocina eventos culturais no Brasil. Poderia fazer isso seriamente. Mas não quando espelhada por um governo fraco e uma diretoria que é o reflexo do governo. Conforme apurou a imprensa, 03 de agosto de 2009 - Vide-versus foi descoberto que “a Petrobras gastou mais de R$ 12,4 milhões na sua área de abastecimento com empresas que vendem notas fiscais, que têm como endereço um canil ou um barraco em uma favela, levantou a ponta de um esquema muito maior: grande parte da produção cultural do Rio de Janeiro vive em um ambiente de sonegação sistemática de impostos e operando através das mesmas empresas. Artistas, autores, produtores e fornecedores de todos os tipos usam o esquema de notas fiscais "de favor", obtidas destas empresas, em vez de operar como pessoa física autônoma ou abrir sua própria empresa. Assim, driblam a Receita Federal, pagando menos imposto ou simplesmente sonegando. Levantamento feito pelo jornal O Globo indica a existência de pelo menos 13 empresas fornecedoras dessas notas fiscais. As mesmas firmas também já aprovaram quase R$ 14 milhões no Ministério da Cultura em projetos enquadrados na Lei Rouanet.”


O padrão do Alaska

Em um ano de eleições presidenciais (2010), era de se esperar que os candidatos apresentassem propostas mais além do exercício banal de distribuir dinheiro a rodo para os subordinados políticos sob o título funcional de “governadores e prefeitos”. Por que os royalties vão ser destinados para estados e municípios? Como tenho repetido tantas vezes, a melhor forma de jogar dinheiro fora – obviamente com o atual sistema político – consiste em distribuí-lo para estados e municípios. Será que vai aparecer um candidato com a ousadia de dizer que poderá dobrar a renda da população apenas distribuindo os royalties diretamente para ela, em vez de desperdiçar no aparelhamento de cabos eleitorais senão na corrupção pura e simples?

Será que alguém poderá quebrar essa corrente de desperdício propondo a solução do Alaska? Pois naquele território os políticos decidiram que os royalties do petróleo seriam constituídos em fundo, chamado de Fundo Permanente do Alaska, e das aplicações financeiras e rendas imobiliárias os benefícios seriam distribuídos igualmente para a população, não importando a idade ou o tamanho das famílias. Isto ocorreu logo após a descoberta do petróleo em 1976, e 6 anos depois, a primeira distribuição foi feita no valor de U$1000,00 para cada cidadão ou residente com mais de um ano. Em 2003 o cheque do governo foi de U$1107,00 para um total de U$682 milhões já que a população do Alaska é cerca de 600 mil pessoas. Um país que já soube distribuir fundos (157) e benefícios sociais como o Brasil, por que não incluir os royalties diretos para a população? Será que não existe um só candidato disposto a faturar alto nas eleições como um pouquinho de ousadia?

E o padrão da China

Ou então, por que não investir à moda chinesa em nossa infraestrutura sucateada com os royalties do petróleo? Considerando uma média de 40 dólares por barril do pré-sal (se não houvesse o conto das dificuldades e altos custos já inoculado pela Petrobras nos políticos brasileiros), poderíamos imaginar que:

  • O famoso trem de alta velocidade SP-Rio com custos astronômicos de U$17 bilhões poderia ser construído com a bagatela de 425 milhões de barris. Parece muito? Mas em um horizonte de 4 anos (tempo que levaria para construir a ferrovia) representam apenas 291 mil barris por dia. Vamos arredondar para 300 mil.
  • Ou quem sabe outros U$17 bilhões para reconstruir as ferrovias de carga do RS até o Rio e BH? Mais 300 mil barris por dia em 4 anos.
  • Podemos imaginar a recuperação dos portos com U$5 bilhões? Então em 4 anos conseguimos com a exportação de aproximadamente 100 mil barris.

Total até agora: cerca de 700 mil barris dia. Mas isso é exatamente o que a Petrobras exportou em março de 2010. Fonte: Agência Petrobras de 06/04/2010 10:28 Release: TN Petróleo: “A Petrobras atingiu, em março, o recorde de exportação de 733 mil barris por dia de petróleo, totalizando 22,73 milhões de barris no mês. Esse resultado superou a marca anterior, de dezembro de 2008 , em 113 mil barris.”

Então o que está acontecendo no país? Já estamos recebendo para fazer uma transformação à chinesa em nossa economia, mas onde está indo este dinheiro? A resposta é muito simples: para estados e municípios.....

Mas com um pré-sal seguindo o ritmo que deveria, isto é, leilões de áreas para todas as empresas de exploração não importando quem, com o objetivo de exportação (já que a Petrobras atende o mercado interno), o Brasil poderia lentamente ir aumentando sua presença e transformar-se em poucos anos em uma potência petrolífera exportadora.

Observe que com toda a mobilização em torno de energias alternativas o crescimento de consumo mundial de petróleo de 2008 para 2009 foi superior a 1 milhão de barris/dia, portanto, existe lugar para mais uma potência petrolífera. E um horizonte de 3 a 5 milhões de barris dia não estaria descartado para um país cujo sistema político tivesse um mínimo de inteligência. Mas não há sensibilidade para pensar o país do ponto de vista estratégico. O sistema é dimensionado de forma tal que quase tudo se desperdiça na máquina de moer consciências do oportunismo político. Em um estado cuja forma de atuação é o próprio suborno dos cidadãos com passagens aéreas, viagens, regalias, mordomias, sinecuras, aditivos, direitos adquiridos, etc, não sobram neurônios para qualquer proposta mais elevada. O pré-sal, monopolizado pela Petrobras como o modelito de partilha, será a constitucionalização de uma fraude contra todos os brasileiros, mas naturalmente enriquecedor da minoria que escabuja como sevandijos aos pés da estatal que é o orgulho e mito dos brasileiros.