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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Maus Presságios para o Pré-sal

Carlos U Pozzobon

O debate na questão do futuro do pré-sal já está sendo levado para o mesmo caminho das velhas práticas políticas do desperdício de dinheiro público. Parece que a sociedade brasileira ainda não amadureceu para fazer contas e pensar em termos objetivos dentro do contexto de utilizar sua riqueza.

Se o interesse é o bem comum, então a importância da exploração de uma montanha de riqueza, como a que se descortina, é naturalmente inserí-la em uma estratégia de desenvolvimento.

Esta estratégia poderia ser pensada no sentido de romper o impasse em torno de uma reforma tributária, que até agora não saiu, pelo recorrente argumento de que diminuiria as receitas do governo. Mas qual é a relação entre a reforma tributária e o petróleo? Bem, a resposta é simples: se a redução do IPI entre 5 a 7% no setor automobilístico foi capaz de turbinar em 20% as vendas de veículos na fase da crise (início de 2009), então ficou comprovado que uma política fiscal em um país atolado por impostos pode ser uma solução para o crescimento da renda geral dos brasileiros, portanto, de uma política social verdadeira e não assistencial. Este é o momento de provar que se pode sair deste círculo vicioso — e ainda duplicar o PIB em poucos anos. Como isto é possível?

Admitindo que a União tenha uma receita de 40% sobre a extração do petróleo de águas profundas, a título de royalties, e que o preço do petróleo se estabilize em torno de 100 dólares nos próximos anos, os cálculos seriam os seguintes:

A extração e exportação de 1 milhão de barris/dia representam R$26,3 bilhões/ano de receita (veja o cálculo Calculei U$100,00 o barril, com o dólar a R$1,8. Este cálculo é o mesmo se o barril custar U$75,00 e o dólar estiver em R$2,4, portanto, uma situação não desprezível de acontecer a longo prazo. Para você acompanhar é simples: um barril vale 100, 40% representam 40 dólares x 1,8 = 72 reais x 365 dias = 26.280 reais. Para 1 milhão de barris, bastam acrescentar os zeros ).

A exportação de 3 milhões de barris/dia naturalmente triplica as receitas para cerca de 80 bilhões/ano.

A exportação de 5 milhões de barris/dia representa uma receita de 131 bilhões de reais/ano.

Como as reservas de petróleo do Espírito Santo até Santa Catarina foram estimadas em 800 bilhões de barris, Cálculo baseado na descoberta de algumas áreas no litoral que, supostamente, se estendessem a toda a faixa litorânea. Trata-se de uma visão otimista, mas como não considera campos petrolíferos em outras partes do país, então não pode ser considerada um exagero isto significa que 5 milhões de barris/dia consumiriam (5x365 = 1,825 bilhões de barris em um ano), ou seja, teríamos reservas para 438 anos, se nada fosse acrescentado à quota no período. Veja bem: cálculos para o litoral entre Espírito Santo e Santa Catarina.

A estratégia fica clara quando se inserem estes dados na questão do desenvolvimento. Como o desenvolvimento brasileiro implica necessariamente em reforma tributária e aumento de renda, basta o governo trocar receita de petróleo por imposto. É possível eliminar completamente as contribuições da CSLL, COFINS, IOF, PIS/PASEP, e quetais, na ordem correta e no crescimento das exportações de petróleo com um efeito dominó.

Em vez de um fundo soberano nebuloso, sujeito a manipulações de toda ordem, os estrategistas poderiam pensar em forçar o aumento do salário mínimo para o dobro do atual, com as devidas gradações para as demais faixas salariais, criando um círculo virtuoso de crescimento sustentado pela redução da carga tributária, barateamento de mercadorias e, ao mesmo tempo, pela elevação do padrão geral de renda. Em última análise, as empresas pagariam menos impostos, mas se obrigariam a pagar mais salários dentro do repasse calculado sobre os custos relativos. Isto se chama de Pacto Social. Isto se chama desenvolvimento econômico. Isto significa progresso geral do país. Isto representa mais impostos sobre consumo e renda, aliviando o deficit dos estados.

Se a eliminação da CPMF provou que crescimento econômico dispensa imposto, o que se poderia dizer do crescimento da arrecadação como imposto de renda (pessoa jurídica e física) turbinado por um salto no consumo e na renda da população ativa?

Sem dúvida, o Brasil passaria para um outro patamar de desenvolvimento. Ele seria o resultado de um novo paradigma, e o pré-sal poderia ser para o Brasil o que a cana de açúcar foi nos séculos XVII e XVIII, o café, a mineração e o charque no XIX, a industrialização e mais todos eles no XX. Para simplificar, isto significa dobrar as exportações apenas com a inclusão de um item na pauta de produtos.

Os números seriam os seguintes: para eliminar um imposto, o país exportaria uma certa quantidade de barris de petróleo dia, conforme a tabela abaixo: Dados do IBGE de 2003

Receitas federaisBarris de petróleo/dia
Cofins: 59 bilhões2.245 mil barris/dia
CSLL: 15,7 bi600 mil barris/dia
PIS: 17 bi650 mil barris/dia
CIDE: 7 bi266 mil barris/dia
Total: 98,7 bi 3.760 mil barris/dia

Para substituir as receitas do FGTS de R$ 25 bi, bastam mais 1 milhão de barris por dia em royalties, e assim sucessivamente. Ora, o Brasil já podia estar há 30 anos exportando em um patamar de 5 milhões/dia, como demonstramos no artigo sobre o livro de Lobato 'O Escandalo do Petróleo e Ferro'. Evidentemente, o país está precisando de estrategistas. O momento não é para mediocridades, caso contrário, vamos para o mesmo caminho do desperdício do petróleo da África. Aliás, já estamos nele. A distribuição de recursos para os municípios litorâneos, pelo simples fato de serem portos de partida para o alto mar, ou de chegada de dutos, mostra o desastre na distribuição de dividendos e uma confissão de nossa injustiça tributária. Não há nada que justifique um município como Macaé no RJ receber 200 milhões de royalties e os demais não receberem nada. Até onde se sabe, um município termina onde começa o mar. Mas não é o que acertaram nossas desastradas autoridades.

Existem dezenas de iniciativas que podem alavancar a economia em outro patamar. Uma das possibilidades seria a utilização da receita do petróleo para criar incentivos à energia eólica, que já se encontra em situação medíocre, quando comparada a outros países. O Brasil está gerando apenas 250 MW de energia eólica. Entretanto, já existem pedidos para a inclusão de até 5 mil MW. O descompasso é brutal. A sociedade quer construir as fazendas eólicas, e o ente elétrico está segurando, sob o inaceitável argumento de licenciamento ambiental, e outros suplícios burocráticos, para um assunto que reconhecidamente não gera problemas ambientais, muito antes pelo contrário. Pois bem, a receita do petróleo poderia também ser usada para ampliar programas como o PROINFRA e permitir a isenção total de impostos sobre as torres e equipamentos, permitindo, aí sim, uma grande oferta de energia. E, com o potencial de 140 mil MW, o Brasil poderia esquecer por muito tempo a questão das centrais nucleares.

É preciso também pensar em liberar e atrair investimentos externos para o refino e venda do petróleo destilado fora do âmbito da Petrobras. É mais do que urgente que se entenda que os impostos e royalties obtidos com estes produtos, explorados por terceiros, darão mais dinheiro ao governo do que a insistência em deixar tudo com o monopólio da Petrobras. Está claro que a Petrobras não fará nada disso que está sendo proposto se não for forçada pela concorrência. Por enquanto, dominando o refino, a Petrobras pode açambarcar sua única concorrente, a Ipiranga. E, agora no comando da exploração do pré-sal, já deu a entender que vai reduzi-lo à mesma mediocridade com que se comportou até a liberação do mercado, no governo FHC, com a criação da ANP.

É possível que a utilização massiva de recursos do petróleo seja capaz de propiciar um grande passo na modernização do país ao estilo chinês: com a eliminação pura e simples do entulho burocrático, reformas estruturais em setores do Estado, e crescimento do PIB para patamares bem mais elevados de renda média per capita.

Se a oportunidade não for aproveitada por lideranças com mentalidade estratégica, as mesmas que criaram grandes programas como o pró-álcool, Embraer, biodiesel, etc, a riqueza vai ser desperdiçada no financiamento político, que é a nossa praga histórica, pois a sociedade não ganha nada injetando dinheiro em governos estaduais e municipais. Uma solução alternativa seria vincular o pré-sal à Previdência Social, não simplesmente para tapar furos, mas dentro de um planejamento de substituição direta dos encargos previdenciários por repasse em salários. Como a cada 1 real pago em salários corresponde a quase mais 1 real gasto em encargos, existe uma enorme margem de manobra para repasses progressivos dentro de um planejamento no horizonte de um país exportador de - digamos - 5 milhões de barris/dia.

O que não se pode aceitar é o destino do pré-sal nas mãos de setores corporativistas que, no estrabismo de seus interesses, comprometem o interesse maior da Nação. É o caso da Federação Única dos Petroleiros, que no momento está colhendo assinaturas para enviar ao Congresso um projeto para que o petróleo do pré-sal fique todo nas mãos da Petrobras, que, como se sabe, é a queridinha dos políticos da ocasião, do empreguismo e das concessões aos sindicatos e funcionários que ganham adicionais de insalubridade trabalhando no ar condicionado da Avenida Brasil.