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domingo, 1 de janeiro de 2023

Retrospectiva de quatro anos do governo que de imbrochável passou a paumolescente

Carlos U Pozzobon

“When hatred of culture becomes itself a part of culture, the life of the mind loses all meaning.”
—Alain Finkielkraut

Sempre que um político começa a falar sobre o Brasil, sou possuído pela falta de modéstia do Pelé e me pergunto: “é isso que ele acha importante?”

Para fazer um balanço do governo Bolsonaro é preciso uma certa ordem no pensamento, algo extremamente difícil num ambiente de caos. Me limito a alguns quesitos do que um presidente deve ter e atribuo a pontuação de 1 a 5, sendo 1 o mínimo, e 5 o máximo.


1. Capacidade de PERSUASÃO. O cargo por si só pode realizar milagres se o presidente sabe transitar entre os poderes, ficando quieto quando contrariado e alardeando a expectativa de colaboração das pessoas-alvo do discurso. Saber envolver os outros quando eles não parecem muito propensos à colaboração tem sido a rotina do mundo diplomático e não tem por que ser diferente para quem se arroga pretensões democráticas. Bolsonaro fez exatamente o contrário. Nota 1.


2. COERÊNCIA DOUTRINÁRIA. Lula nunca negou sua vinculação com o mundo cubano-bolivariano, e só não se desempenha como um doutrinador por falta de estofo intelectual.

Por sua vez, Bolsonaro se credita uma herança liberal que não faz parte de sua prática. Os próprios bolsonaristas se encarregam de confirmar o antiliberalismo quando apresentam entre as virtudes de seu governo o fato de as estatais terem lucrado em sua gestão. Como se fosse possível confiar em estatais! Como se tivessem se convertido em um templo de virtudes de um governo para outro. Nota 1.


3. Capacidade de mobilizar a sociedade para enfrentar a CONJUNTURA INTERNACIONAL adversa. Cito brevemente a questão da Covid 19: depois de enveredar pelo caminho antivacina, de troçar da ciência e de seus representantes no país, o governo ficou isolado do Estado na condução do combate à pandemia.

Enquanto o governo dizia uma coisa, os institutos Butantan e Osvaldo Cruz e o próprio MS faziam o contrário. Como não havia vantagem política em se manter cloroquinando, o governo voltou atrás depois do arrefecimento da pandemia, mas o dano já estava feito e seu caráter rusguento carimbado.

Outro fator de nossa propensão ao imobilismo foi o tratamento com a questão dos adubos pela Petrobras e Vale. Depois de algumas décadas sem saber o que fazer com uma mina de potássio no coração amazônico, a Petrobras resolve vender os direitos de mineração, para quem? Para uma empresa canadense que já era fornecedora do insumo ao Brasil.

Depois de algumas décadas sem nada fazer com os direitos de exploração do potássio em lavra abundante em Minas Gerais, a Vale resolve vender os direitos de exploração, para quem? Para uma empresa estatal russa que já era fornecedora de potássio para o Brasil.

E o que aconteceu? Os canadenses se viram enredados na questão de parte do subsolo se localizar em terras indígenas. Se Bolsonaro fosse de fato um presidente moderado e competente, persuasivo e aglutinador, teria se reunido com o STF e posto fim ao entrave.

Quanto aos russos, o governo jamais poderia ter permitido o negócio. Se estão fornecendo o produto de suas minas na Bielorrússia, precisando desesperadamente de divisas para compensar o baque com o boicote derivado da guerra à Ucrânia, porque iriam fazer o altruísmo de tornar o Brasil autossuficiente em seu principal insumo agrícola?

O Brasil precisa de quem fale em investimentos estrangeiros. A China está aberta e já participa de parcela significativa da infraestrutura dos países europeus e EUA, e eles não se importam com isso, conquanto que a China faça parte de um consórcio com participação minoritária.

Ora, liderar a formação de consórcios para investimento em ferrovias, hidrovias, estradas e aeroportos deveria ser uma obrigação do governo, mas Bolsonaro preferiu o discurso raso do chauvinismo nacionalista. E, pior de tudo, hostilizando a China abertamente, quando se trata de nosso principal parceiro comercial.

Na questão do petróleo, repete a vacuidade do nada fazer para aumentar a competitividade dos combustíveis, paralisados por entraves de toda a ordem, menos para os poços em que a Petrobras participa, ainda que esta tenha preferido a prospecção em alto-mar, sabendo que o offshore custa mais caro, porém é mais seguro não ter pentelhos protestando na porta. Faltou massa encefálica porque o dia a dia foi consumido em picuinhas de quinta importância.

Da mesma forma, nada foi feito com a mineração, muito menos para expandir a extração do principal fetiche do bolsonarismo antes de ocupar o poder: o nióbio. Vale também para o lítio e o resto da tabela periódica, manietados por uma legislação ambiental capaz de bloquear qualquer iniciativa condizente com nosso potencial natural. Sequer mostrou capacidade intelectual para apresentar uma reforma desta legislação ao Congresso – condição essencial para se posicionar, seja na vitória como na derrota, dentro da obrigação de um esforço para mudar a herança maldita do petismo. Nota 1.


4. Obrigação de TRANSPARÊNCIA em um ambiente cuja corrupção prospera à sombra da falta de informação e manipulação de dados.

Um dos pontos mais marcantes da crítica bolsonarista à educação brasileira se condicionou à ideologização do ensino, ao sexismo precoce e à ideologia de gênero como se fossem políticas educacionais. Poderia atacar o problema na sua nascente, obrigando todas as universidades federais a apresentarem uma planilha de despesas detalhadas por departamento, institutos ou faculdades.

E avançando para cada cátedra em particular, forçar a publicação dos contratos existentes e dos valores aplicados. Com isso, abriria o debate para saber se vale a pena gastar em tais e tais cursos na conjuntura da sociedade de informação. Era uma forma de inserir o Brasil dentro de uma estratégia, e mostrar os “podres da clerezia" acadêmica pelo lado do empreguismo militante. Ao contrário, o governo mostrou incapacidade em definir uma política educacional que colocasse em cheque o doutorismo, a redundância, as mordomias e privilégios da cátedra. Seria uma limpeza do terreno para preparar uma reforma. Preferiu o confronto verbal à ação reformadora. Nota 1.


5. É preciso SEPARAR a PESSOA de sua AÇÃO. Isto vale para a vida artística e para a vida em geral.
O governante FHC foi melhor que o intelectual FHC. O jogador Pelé sempre foi melhor que a figura pública. E Bolsonaro demonstrou que ficou empatado entre o ser e o governante. Não mudou de discurso desde quando era deputado federal. E tampouco de atitude. Não se pode acusá-lo de incoerência. Nota 5.


6. ZELO pela IMAGEM do país no cenário internacional. Obrigação que faz parte não só do comportamento, como também da estratégia de inserção do Brasil no mundo.

Bolsonaro praticou uma política externa sectária, começando pelos comentários insultantes sobre a mulher do Macron, do sincericídio político com governantes sobre os quais deveria ficar calado, e do entreguismo chocante ao aprovar a venda da Embraer para a Boeing, felizmente retomada depois da crise desta em sua linha de produção de jatos comerciais.

Se excetuarmos as empresas com vínculos estatais, especialmente as do rol da Lava Jato que nos envergonharam como nação, o Brasil possui uma participação econômica ativa cada vez maior no cenário internacional, não só pela globalização generalizada, como pela importância do agronegócio na segurança alimentar e no fornecimento de matérias-primas.

O Brasil estava na vanguarda do fornecimento de jatos de média capacidade para um mercado cada vez maior das linhas comerciais de voos domésticos de curto alcance. Subitamente, o entreguismo conseguiu mobilizar a atenção de toda a imprensa pusilânime, fazendo deste florescente mercado um mau negócio, uma atividade sem futuro, quando Japão e Coreia do Sul mobilizavam-se para começar a agir com a criação de empresas próprias. Uma campanha deslavada foi o bastante para os militares – que no passado foram a inspiração da Embraer – capitularem sem qualquer resistência à venda da Embraer. Nota 1.

Neste quesito, entra a questão ambiental. Nenhum governo conseguiu eliminar o avanço das queimadas em terras griladas ou devolutas no território nacional. Porém, certas medidas de contenção podem e devem ser executadas. Confundiu os interesses do agronegócio com a ocupação ilegal e a devastação subsequente e, com isso, atraiu para si a ira da oposição verde-jurássica.

Não conseguindo desmentir os dados do INPE, o governo saiu atrás do aluguel de satélite para seu inventário próprio de queimadas. Como resultado, atraiu para si a responsabilidade por incêndios naturais e sazonais que nunca antes tinham sido atribuídos aos governos Lula, Dilma e Temer que fizeram questão de se descolar dos incêndios.

O lado positivo foi ter afastado dos órgãos ambientais pessoas acusadas de corrupção com a venda de madeira nativa. Nota 2.


7. POLARIZAÇÃO. A constância com que se repetiam as mesmas acusações contra o STF e membros do Senado e Congresso, seguidas pelas respostas arbitrárias de juízes assumindo o papel de comissários soviéticos, criou um ambiente psicológico em que o partidário do governo se defendia das críticas procurando algo compensatório aos atos dos governos passados que servissem de comparação para inocentar o governo atual com um acontecimento quantitativamente muito pior dos anteriores.

A psicologia de que o adversário sendo pior justifica a má conduta do governo não encontra respaldo na ciência política, e é um indicador do sectarismo produzido pela polarização. O jogo duplo do relativismo praticado por ambos os lados tornou-se uma prática política exercida por jornalistas, blogueiros, comentaristas de redes sociais transformados em militantes do culto à personalidade. Se encontrar um erro equivalente no histórico do adversário alivia a responsabilidade da condenação do governante, o portador de tal psicologia não faz outra coisa senão defender a impunidade.

Ninguém faz campanha eleitoral defendendo o mal menor. Por que ao assumir o governo ele se torna uma recorrência constante? Nota 2.


8. CORRUPÇÃO. O primeiro debate sobre corrupção no governo começou com as rachadinhas no episódio que envolveu Fabricio Queiroz e um advogado do grupo de Bolsonaro chamado Frederick Wassef.

O argumento é de que rachadinha todo mundo pratica, logo o governo não poderia ser condenado por isso. Essa concessão ética demonstra a toxidade em que se transformou a política no Brasil.

Lentamente começaram a aparecer os indícios de que o objetivo do grupo cercando o presidente era enriquecer rapidamente.

O episódio do filho Flávio justificar a compra de uma mansão com os lucros provenientes da franquia de uma loja de chocolates em um shopping, serviu de paradigma para um princípio que se repetiria até o fim do mandato: qualquer desculpa vale já que nada é mais tão grave que mereça preocupação com a verdade.

Especialmente quando Bolsonaro sancionou o golpe do congresso contra as medidas de combate à corrupção ao inserir uma cláusula de restrição às delações premiadas, excluindo das delações todos os casos de corrupção do denunciante que não estivessem no foco da investigação. Foi como se um bandido, descarregando um revólver em cinco pessoas, não pudesse ser processado pelo ato cometido contra quatro vítimas porque o objeto da denúncia era de apenas uma.

O precedente foi a denúncia da Odebrecht, quando apareceu o nome de um escritório de advocacia comandado pelo filho de um magistrado do STJ que conspirava com o pai para inocentar os acusados de crimes contra a ordem pública, configurando a existência de crime organizado. O caso teve ampla repercussão e, subsequentemente, amplo esquecimento. Juntamente com outros casos, foi uma contribuição de Bolsonaro para a antologia da Ciência Jurídica do Direito Contra a Verdade.

O que se pode dizer de um governo que em palavras diz combater a corrupção, mas que decreta sigilo de documentos oficiais sem nenhuma justificativa relacionada a segredos de ESTADO? Que criticava severamente o sigilo das despesas dos cartões corporativos da Dilma e adota a mesma prática com despesas ainda maiores?

Quando nos primeiros dias de governo, em viagem internacional, Mourão assumindo o posto presidencial decretou sigilo de dados públicos, outorgando o direito para 1300 servidores decidir o que o público pode saber das ações das excelsas figuras da administração federal, não só revelou qual era a ideia do governo para defender-se da luta pela transparência dos órgãos públicos que vinha se expandindo com a Lei de Acesso à Informação, como uma confissão tardia do que foi o regime militar com relação às estatais.

Não obstante este acinte contra a lógica elementar de conduta do alto escalão, os bolsonaristas repetiram durante os quatro anos, como ventríloquos de um teatro de marionetes, o estupefaciente refrão de que o governo não tem nem admite corrupção. Nota 1.


9. FOCO. O discurso cri-cri praticado durante quatro anos de hostilidades encomendadas através dos proxies de Bolsonaro no Congresso, e diretamente por suas declarações desde a pandemia, desencadeou uma perseguição da imprensa de um modo ofensivo tão estridente que gerou repulsa na sociedade contra ele.

Acreditando que o comando das informações por parte dos grupos organizados pelos filhos desde o Planalto seria suficiente e necessário para manter a supremacia eleitoral, Bolsonaro procurou tirar proveito do confronto com o STF, recebendo de volta uma perseguição constante contra seu grupo que se manteve até os últimos dias do governo.

Nem mesmo o proveito vigente da vitimização pelo arbítrio praticado por alguns juízes contra pessoas de seu grupo foi suficiente para manter a supremacia. Ao contrário, transformou o cotidiano da nação em uma recorrência de insultos, baixarias e vulgaridades como nunca se viu na política nacional. O resultado é que a verdadeira política — aquela em que os problemas do Brasil estavam na ordem do dia —, desapareceu dando lugar a este emaranhado quimérico de superficialidades.

Ficou evidente que o PROPÓSITO de desviar o discurso dos males praticados pela estrutura estatal no Brasil foi amplamente atendido. Pelo acúmulo de bobagens, pela derrota contra o arbítrio devolvido pela fustigação com vara curta, que era um artifício para um levante que lhe colasse no poder permanentemente, não foi alcançado.

Frustrado em seu propósito de um golpe branco, Bolsonaro se refugiou na MÁSCARA de democrata impotente. Em poucos meses passou de imbrochável a paumolescente.


domingo, 30 de outubro de 2022

O pesadelo eleitoral de 22

Carlos U Pozzobon

Se não me engano, foi Tavares Bastos que no século XIX disse que a política brasileira as vezes se parece com uma galeria de estátuas mutiladas. O que se viu este ano não tem precedentes na história da República. A começar com um candidato muito seguro da vitória pela exposição na mídia, com um histórico de cabriolas insultantes tanto a Lula como a Bolsonaro. Me refiro a Marco Antonio Villa, o professor de história mais próximo do surto verborrágico outrora tão valorizado nas tribunas. No passado, se elegeria senador. No presente, não foi eleito. Cito Villa porque percebi que o eleitorado rejeitou todos os candidatos com algum verniz intelectual. E não só na oposição: no Bolsonarismo também. Roberto Motta, engenheiro de formação e especializado em segurança pública, defensor de Bolsonaro no Rio, não se elegeu também. Estava deslocado da métrica obtusa que coleta votos.

José Serra, ex-tudo, não conseguiu o mandato downgrade de deputado federal. O PSDB percorreu a sina do suicídio político a partir de 2014, especialmente com a chegada de Dória, que dando uma rasteira em Andrea Matarazzo, o candidato natural a prefeito em 2016, deixou-o tão humilhado pela falta de apoio da direção do partido que caiu fora amargurado. Dória teve uma ascensão meteórica e acabou sendo traído pela ambição desmedida. Jogou fora a reeleição certa em Sampa, mobilizou o baixo clero do Partido, conquistou a vaga de presidenciável e, por fim, foi traído pela conspiração da gerontocracia que mais uma vez se curvou ao PT, e saiu de cena de mansinho, deixando o PSDB na irrelevância de seu reboquismo. Joyce Hasselman, rompida com o bolsonarismo, migrou para o PSDB mal sabendo que estava entrando em uma casa arrombada: foi descartada.

Simone Tebet protagonizou, juntamente com Ciro Gomes, os maiores fiascos eleitorais. No segundo mandato como senadora, prestes a ser mandada para casa como ocorreu em 2018 com Ana Amélia no RS, Simone esqueceu o que disse de Lula e do PT no primeiro turno e se transformou em cabo eleitoral dele, algo que demonstra que pessoas inteligentes não estão isentas de cometer burrice política, como advertiu Jean-François Revel. Acredita em ganhar um ministério. Mas tudo indica que vai ser uma embriagues passageira que ao fim, ou entra para o PT e pede para que “esqueçam o que eu disse”, ou sai do governo envergonhada como Joyce Hasselman.

As eleições destravaram muitas coisas que não estavam no modo de pensar da ciência política do país. Pazuello foi o segundo deputado com mais votos no Rio de Janeiro sem nunca ter sido político, e com uma exposição midiática tão negativa que qualquer racionalista político diria que não teria votos. Quem elegeu Pazuello? Os evangélicos? Duvido. Eles tem seus próprios pastores candidatos. A resposta deve estar na família militar, numerosa no Rio e uma das mais ativas presenças do bolsonarismo das redes sociais. Antigamente militares eram proibidos de votar. A lógica era de que uma instituição alicerçada na disciplina não poderia sequer mencionar preferências políticas. O populismo se encarregou de liquidar com a lógica.

O terceiro caso de derrota em que os derrotados não conseguiram entender o que se passou ocorreu com o partido Novo. De 12 deputados se reduziu a 3. Felipe D’Ávila teve menos de 600 mil votos. O que aconteceu?

Uma sociedade que vive para o espetáculo, que tem um povo atrelado à cultura do entretenimento, adestrado para o hedonismo como compensação para a vilificação que lhe é imposta na mais desavergonhada descompostura ética pós-petrolão, pode ser sensível a apelos morais?

Muito pouco. Só em alguns nichos se encontra a disposição para conferir dignidade a princípios e prudência em escolhas. O resto foi tudo dominado. E esta dominação é exatamente esta: a política passou a ser um puxadinho da corrupção legalizada no orçamento secreto e financiamento partidário, os dois venenos que danaram a política brasileira sem remissão. Ninguém está preocupado com a moralidade pública quando ela se mostra um obstáculo ao próprio futuro político do candidato. A derrota do Novo confirma que o estoicismo administrativo não produz resultados em uma população niilista.

Os dois grandes polos vitoriosos de um Brasil sem nenhum futuro constituem o petismo e o bolsonarismo. O petismo através da clerezia acadêmica, os sindicatos e organizações sociais de bairros, os índios de fantasia, os quilombolas de batuque e supostos sem-terra, na verdade garimpeiros da propriedade alheia, as ONGs, a parte do funcionalismo gazeteiro, todos escoltados pela tradição intelectual anti-americanista e anti-capitalista latino-americana.

O bolsonarismo ficará enraizado em certas elites do funcionalismo amedrontadas com o bolivarianismo, os evangélicos sempre atentos ao tilintar das moedas que vem com Deus Acima de Tudo, o conservadorismo de rosário e incenso, o estatismo militar, espécie de socialismo no armário que recusando as privatizações não se constrange em vestir a máscara de liberal, incapaz de esboçar uma estratégia de desenvolvimento que não seja a simples ocupação do poder, onde o verde-amarelismo que cerca o presidente demonstrou em 4 anos que não passava de uma elite de aproveitadores, espelhando o petismo e complementando-o no “deixa estar para ver como é que fica”.

Foram estas duas grandes maiorias que se apossaram das redes sociais e se consolidaram nas eleições. Não houve discussão dos problemas nacionais. A preocupação dos candidatos era com o adversário e não com o Brasil. Tudo se passou como se o país estivesse pronto, como as sociais democracias europeias, e restasse apenas questiúnculas secundárias. Em lugar de discutir a cozinha, nossos candidatos se limitaram a falar em como arrumar a mesa do banquete. O angu que vai ser servido é o mesmo de sempre.

Um país que tem 96% do orçamento empenhado em despesas permanentes pode se sentir protegido contra os abutres das verbas públicas se não fosse o caso dos estragos de nosso sistema político ultrapassarem a casa dos 4% restantes. Porque nos 96% estão os abusos, os contratos dos laranjas, as mordomias e privilégios de nossa segregação social organizada que as eleições foram capazes de mostrar que são não apenas intocáveis, como principalmente, intratáveis e inquestionáveis por aqueles que tinham obrigação de se manifestar sobre isso. Não se fala em reformas, não se fala em mudanças, não se fala em desenvolvimento. Tudo o que se pretende e pratica é ocupar o poder e depois distribuí-lo entre os camaradas de jornada.