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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Huawei, a China e a nossa sina asinina

Carlos U Pozzobon


O caso Huawei se trata de uma guerra ideológica ou tecnológica? A Huawei foi a empresa que conseguiu mais capacitação na área telecom nos últimos 30 anos. A empresa é acusada pelos EUA de roubar propriedade industrial desde que se notabilizou. Ao mesmo tempo, tal como as demais empresas asiáticas, ela utiliza diversos chips americanos. Mas a acusação de espionagem permanece em dúvida. Seria uma retaliação dos EUA por estar sendo ano a ano DESAFIADO em tecnologia de ponta? Milhares de chineses estudando em universidades americanas, dezenas de empresas AMERICANAS fabricando produtos na China não seria a causa dos EUA se sentirem encurralados? Com um mercado interno assustador, a China consegue vender mais do que qualquer concorrente, mas IMPEDE que muitos deles tenham seus próprios softwares rodando na China, especialmente quando associados com a liberdade de expressão. Por exemplo, aplicativos de redes sociais, email e busca que operem internacionalmente, como acontece conosco.

O PRIMEIRO grande nó é a situação dos direitos humanos na China. Semanalmente a Freedom House denuncia casos de desaparecimentos de pessoas que publicam conteúdo não adequado ao oficialismo do governo. Quando a China decide comprar uma empresa high-tec, significa que ela não conseguiu copiar ou não tem a matéria prima. Entretanto, o imbróglio é mais abrangente. Se o governo americano sanciona uma empresa, as demais empresas americanas ficam proibidas de fornecer seus produtos que compõem a sesta básica da empresa sancionada. Assim, se uma empresa chinesa utiliza um software americano para projetar seus próprios chips, ela é obrigada a interromper a produção. É o que está acontecendo com os celulares Huawei que funcionam com o Android do Google que entrou na lista dos sancionados. Em resposta, a Huawei está desenvolvendo seu próprio sistema operacional para celulares. Podemos ficar certo que muita coisa vai ser copiada do Android. E neste caso, abre-se mais uma frente de batalha: quem estaria perdendo? Os EUA ou a China? Não há uma resposta objetiva.

Por sua vez, no Brasil a Claro já começou a instalar a 5G em alguns bairros de São Paulo e Rio com tecnologia da Ericsson. A 5G da Claro dá um salto de 30 Mb/s para 414 Mb/s reutilizando as mesmas frequências da 4G. Ocorre que o espectro é dividido entre assinantes, e por isso tende a se congestionar já que um único celular 5G ocupa a faixa de 12 4G. Quando ocorre a saturação do espectro, não adianta o consumidor ter um aparelho rápido se a rede é lenta.

A solução consiste em adquirir novas frequências que são leiloadas pela ANATEL, que vem postergando devido a reviravolta do caso Huawei. Um celular para funcionar em mais de uma frequência precisa de um chip que reconheça a nova frequência e tenha inteligência de escolher a melhor delas na célula em que se conecta.

Não se trata, portanto, de apenas vender licença. Mas também, existe a obrigação de vender as faixas utilizadas pelos países que já produziram os aparelhos, porque ninguém iria desenvolver chips só para o Brasil.

A Huawei não participa de leilões, que são disputados exclusivamente pelas operadoras. Mas como fornecedora de estações de base, das 86 mil em operação no país, 70 mil utilizam equipamentos da Huawei nas tecnologias precedentes a 5G.

Portanto, tem fundamento a acusação de espionagem feita pelo governo americano? Se o objetivo da espionagem for o de coletar dados de assinantes, a Huawei já está fazendo isso há muito tempo e não precisa da tecnologia 5G para obtê-los.

O governo Bolsonaro tem seguido a recomendação americana, mas está postergando o leilão de frequências devido a dependência do Brasil da China, de resto o mesmo de todo o mundo. A Toyota e a Mercedes-Benz vendem mais automóveis na China que nos respectivos países. O mesmo vale para muitos itens high-tec. Por isso, a cautela com a situação de direitos humanos na China tem sido restrita a comunicados diplomáticos e à imprensa.

Uma sanção contra a Huawei certamente seria acompanhada de retaliações da China em nossas exportações. E para piorar, as operadoras temem que a sanção possa aumentar os custos. A fabricante tem contratos com Claro, Oi, TIM e Vivo. Para estas operadoras, a 5G seria apenas um upgrade na infraestrutura existente.

O governo Trump mexeu num vespeiro que vai longe. Com uma economia totalmente interligada, o que beneficia uma empresa, prejudica-a em outras áreas. É o caso do Google. Perdendo um cliente poderoso como a Huawei na instalação de sistema Android para celulares, sem ganhar nada de retorno, a sanção de Trump também está ferindo interesses americanos.

Apple, Disney, Walmart, Goldman Sachs Group e Morgan Stanley e uma lista longa de outras empresas temem perder mercado se a China revidar à proibição dos aplicativos WeChat e TikTok de rodarem nos EUA. A interligação vai muito longe e não pode ser racionalizada por um ministério como o do comércio americano.


O SEGUNDO grande nó vem do NACIONALISMO. O sentimento nacionalista nos persegue e causa mais danos econômicos ao país do que os privilégios do funcionalismo. Na verdade, funciona como um entrave ao desenvolvimento ou, como já disse alguém, uma opção pela pobreza. Trata-se de uma construção mental própria do estatismo, que funciona como uma patologia social produzindo o medo coletivo da perda irreparável de nossas riquezas. O nacionalismo acredita que os interesses econômicos das empresas estrangeiras são danosos ao país até mesmo antes de aqui se instalarem e comprovarem o dano. Remando contra o nacionalismo, em alguns momentos conseguimos sair fora da esquizofrenia parcialmente, mas a mentalidade não desaparece. Este sentimento politicamente se expressa no petismo e bolsonarismo ampliados. Seus porta-vozes acreditam que se o governo assumir a função via estatais, o interesse nacional está assegurado. Um interesse que está contra a riqueza coletiva só pode ser uma patologia social.

O nacionalismo teme que a China possa dominar o Brasil através de grandes empresas e depois implantar o seu regime comunista. Diariamente alertas desta natureza ocorrem nas redes sociais. Não se entende como a recíproca não é verdadeira: a China é constituída por associação de multinacionais de todo o Ocidente com empresas chinesas na produção para o mercado interno. E ela não se sente ameaçada em sua estrutura monolítica de poder.

O Brasil deveria fazer o mesmo. Bancos com o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, o Fundo Saudita e diversos outros estão dispostos a investir em projetos de infraestrutura que se mostrem rentáveis. Que prejuízo pode produzir uma empresa investindo, por exemplo, em ferrovias, com capital distribuído entre participantes de todo o mundo? Não só não prejudica como impede nosso desenvolvimento, isto é, reprime lucros. Não aproveitar a oportunidade é um sinal da mentalidade encoscorada do nacionalismo brasileiro, da esquerda à direita.

A prova de que o nacionalismo é uma tolice pode ser comprovada com a participação já existente da China no Brasil, como a usina de Monte Belo e no linhão que vai até Minas Gerais. E em muitas áreas industriais, além de ser nossa principal parceira comercial.

Em conclusão, o nacionalismo do governo só tem um caminho: a postergação até o momento de “cair na real”. Esta é a nossa sina de deixar tudo para depois e, por fim, capitular frente ao óbvio. Sempre com o prejuízo temporal de não ter feito antes, um componente sociológico que não faz parte do discurso de políticos e economistas.


segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Ideologia x política: Bolsonaro x Alckmin

Carlos U Pozzobon

O debate principal nesta eleição, sejam ou não eleitos, ficou reduzido a Bolsonaro e Alckmin, turvado pela ameaça constante da presença de Lula na urna eleitoral.

A seis semanas do pleito, não se lê nada além de análises do passado dos candidatos, suas condutas frente aos principais acontecimentos das últimas duas décadas e as relações com a Lava Jato.

Não passa despercebido ao observador quanto a quantidade e qualidade de argumentos favoráveis a um e outro candidato, o fato de Bolsonaro não ser uma candidatura política. E sua força provém justamente desta característica. O esgoto moral que veio à tona pela prolongada administração petista criou o espaço para o surgimento da antipolítica como uma força germinativa que não vai caducar nem mesmo com a derrota de Bolsonaro.

A razão disso é o fato de o Brasil necessitar de uma nova Constituição e estar com as instituições em frangalhos.

O esgotamento do sistema político tem suas matizes nacionais próprias, e no Brasil este modelo se mostra superado a partir da impossibilidade da atividade parlamentar dar resposta às necessidades urgentes de reconfiguração a partir do escândalo do Petrolão.


O surgimento do nome de Bolsonaro vem alicerçado nestas circunstâncias históricas que sem esses fatores não seria sequer considerado devido à precariedade de sua base eleitoral, sua liderança quase nula entre seus pares por sempre ser um outsider do partido que lhe hospedou, concorrendo para o interesse partidário somente pela distribuição do quociente eleitoral de sua base de votantes carioca, e na estigmatização de suas campanhas frente ao rolo compressor do petismo.

Não se pode entender Bolsonaro sem considerar o fato de que ele não é um candidato, porém uma candidatura, e esta diferença explica mais do que se imagina. Trata-se de uma opção essencialmente ideológica, tendo como cerne o combate à corrupção que foi decidida dois anos antes da oficialização das candidaturas como forma de preparação da sociedade para a vinda de um salvador que resgatasse as instituições da bola de neve de imoralidade que o petismo desencadeou. Seus aderentes são em sua maioria pessoas que decidiram militar em seu favor antes e a despeito de qualquer outra candidatura, comprovando que se trata de um movimento com traços fundamentalistas, onde a paixão emocional tem superioridade ao uso racional da prudência comparativa.

Bolsonaro foi escolhido por movimentos agrupados em torno do milenarismo, começando pelos grupos que financiavam a promoção do nome de Olavo de Carvalho como o filósofo que “tem razão” no contexto de um pensamento que haveria de se impor de forma espetacular para um público desorientado pela agonia intelectual causada pela adesão da Academia ao petismo. Como num passe de mágica, durante alguns meses, o filósofo foi propulsado de um jornalista combativo nas colunas de jornais, mas pouco conhecido, no sábio mais reverenciado e o intelectual mais importante no país. Suas lacônicas análises da conspiração representada pelo Foro de SPaulo serviram de alicerce para aglutinação de setores do amplo espectro que engloba os intervencionistas, os militares de reserva ofendidos pelo revisionismo da Comissão da Verdade, os conservadores teocráticos e medievalistas, os nacionalistas do nióbio de Enéas Carneiro, os produtores rurais acuados com a ilegalidade intocável do MST, e de uma geração de pseudo-liberais formados na pressa da absorção de clássicos estrangeiros mas completamente ignorantes da cultura nacional.

Foram estes movimentos aglutinados que escolheram Bolsonaro pouco antes do impeachment de Dilma Roussef a despeito de qualquer outra variante existente no período de 28 meses que antecedeu o pleito. Para estes seguidores, a decisão de votar em Bolsonaro não se tratava de uma escolha política, porque não era uma escolha baseada nas candidaturas, que sequer existiam à época, mas num gesto de adesão às ideias morais expressas no combate à ideologia de gênero, à politização das escolas, à imoralidade da erosão dos valores familiares, e à necessidade de recuperação moral do país a partir da figura presidencial - crença surgida como resposta da própria existência de Lula como o vértice maior dos males do país. Se uma figura presidencial foi capaz de degenerar o país, uma outra seria capaz de regenerá-lo.

Assim, como resposta, Bolsonaro foi a figura providencial que se encaixava na retidão moral imprescindível para desfazer o sistema político através de um trabalho que, por antecipação, conseguisse emocionar as massas para produzir a grande virada.

Para isso, era preciso criar no ambiente político aquilo que o olavismo já tinha feito no ambiente intelectual: a disseminação do maniqueísmo expresso na dualidade da teoria das tesouras, como nivelamento de diferenças políticas, e na necessidade de combater o sistema como um todo, corroído até a medula pelo Petrolão.


Este projeto nasceu para identificar a corrupção com a pluralidade partidária, e jogar na vala comum as diferenças fundamentais da atuação política nacional. Assim, os partidos seriam diferentes no gogó parlamentar, porém na prática, uma unidade subterrânea de interesses pessoais associava diferentes agremiações em uma só direção: a divisão do butim dos órgãos públicos e estatais.

Isto foi o suficiente para que parcela significativa da sociedade aderisse de imediato ao projeto bolsonarista de redenção nacional, esquecendo de alguns detalhes importantes que haveria de fortalecer seu principal oponente. E o principal elemento é que o chamado sistema, ou seja, aquilo que se chama o mecanismo brasileiro, se fosse possível reduzir a um nome, a uma única referência, a uma única palavra, este se chamaria Petrobras. A Petrobras é o sistema, e não combatê-la significa nada mais nada menos do que estar do lado do sistema. Ninguém pode se dizer contra o sistema e esperar que a parcela mais ilustrada da sociedade possa aceitar a manutenção da Petrobras como instrumento de pilhagem por um candidato da antipolítica. Essa omissão não evita a vitória de Bolsonaro, mas serve de agravo para se perceber que o sistema vai continuar agindo, e que tudo o que se pode opor a ele não passa de retórica nos aspectos secundários da vida nacional.

Certamente que Bolsonaro privatizará empresas e simplesmente fechará outras, por suas completas inutilidades para o país. Mas esta política apenas protela para seu sucessor a necessidade de interromper um monopólio que importa 80% do diesel consumido depois de 65 anos de existência, e que transformou a empresa em um emirado carioca.


Por sua vez, o lançamento da candidatura de Alckmin veio revestido da lógica política tradicional: escolha da candidatura pelo maior partido de oposição ao PT (eleitoralmente), formação de alianças e propostas de amplo espectro para a retomada do crescimento e a melhoria geral da administração pública na saúde, educação e segurança.

Alckmin representa a política na sua forma convencional: o enfrentamento dos problemas nacionais sem ideologia, como se fosse o interventor nomeado pelos acionistas de uma empresa responsável para salvá-la da falência.

Sendo um nome do sistema, Alckmin procura convencer os eleitores que se propõe a romper com o ele: avisou que vai acabar com o monopólio do refino, visualizando a retomada de investimento nas refinarias bombardeadas pela artilharia da corrupção e fazer o Brasil se tornar autossuficiente e, inclusive, exportador de derivados a partir do novo modelo energético, que inclui a privatização da Eletrobras.

A ideia parece boa, mas corre perigo. A proposta significa manter a existência da Petrossauro atuando em defesa própria com a aliança dos petroleiros, associada à esquerda estudantil barulhenta e a direita nacionalista zelosa de perder contratos na estatal em torno do mito (este sim verdadeiro) da identificação da Petrobras com a nação. Não é difícil imaginar que a sabotagem será de ordinário exercida com forças políticas que não podem ser negligenciadas, seja como causa para a ressurreição do petismo, seja como necessidade de recuperação do sindicalismo ofendido pela reforma trabalhista, que provavelmente inibirão investimentos estrangeiros, ou atrairão aventureiros descomprometidos com o setor, para impedir que a Petrobras vá à falência por impossibilidade de concorrer com o setor privado.


Um dos nossos historiadores de boa prosa, J M Pereira da Silva, dizia que as sementes do mal são mais profundas do que as do bem. E quando essas sucumbem às turbulências políticas, aquelas renascem com maior viço. Mudar a política energética da área de hidrocarbonetos deixando a Petrobras viva, pode ser tão fatal para o futuro de Alckmin quanto a camiseta que vestiu com o nome da estatal no debate eleitoral de 2006. As raízes profundas do Petrolão dispensam qualquer esforço de argumentação.

Não se pode negligenciar a batalha judicial decorrente, as sabotagens dos petroleiros capazes de produzir uma anarquia no país com a escassez derivada do boicote na distribuição de combustível, os arranca-cabelos dos investidores das ações da estatal na bolsa de valores, e a imobilidade trazida para um governo com uma agenda de reformas urgentes.

A fúria consequente de provar que o rei está nu sem leva-lo ao cadafalso pode representar o estopim de uma espiral de crise que levaria a esquerda histérica e a direita nacionalista para a composição de forças, a ponto de forçar Alckmin a abandonar a privatização do refino para conseguir avançar sua agenda no Congresso. Nesta visão pessimista, a privatização da Petrobras teria de ser postergada para o futuro.

Se tanto Bolsonaro quanto Alckmin vão se dedicar às reformas, a diferença entre ambos é que Bolsonaro terá de se reinventar a cada semana, pois não tem experiência administrativa e certamente terá de passar pelo purgatório da burocracia sem conseguir sair de seu labirinto por falta de entendimento da realidade sufocante que a desprofissionalização petista impôs ao estado.

Para se ter um ministério de qualidade, implica em possuir conhecimento prévio de sua gestão. E nenhum dos nomes da equipe de Bolsonaro jamais teve contato com os meandros da administração pública.

Na saúde não basta o conhecimento ambulatorial e hospitalar: é preciso conhecer a burocracia federal respectiva; o mesmo ocorre nos transportes, mineração, educação, segurança e sobretudo na área ambiental. Sem este conhecimento que só é produzido por pessoas integradas na gestão específica de cada órgão e na experiência parlamentar, dificilmente poderão reparar os vícios da administração pública, uma vez que ela foi toda montada em uma narrativa ficcional de lisura e bons propósitos de uma tradição nunca rompida na nação que formou o Estado como representante do interesse público.

Não é preciso recorrer a Max Weber para saber que as aparências de uma administração estão bem escondidas pelas lantejoulas de uma funcionalidade para deslumbrar marinheiros de primeira viagem. A recente passagem de Rabelo de Castro pelo BNDES ilustra bem o que pretendo mostrar: o recém-chegado não consegue livrar-se da atmosfera de endeusamento que a instituição cria em torno de si, resultado natural da cultura do privilégio, pois se os 17 excelentes salários anuais da instituição forem verdadeiros, pode-se esperar que criam a mais enlevante atmosfera de excepcionalidade profissional, especialmente quando ao pisar para fora da porta do edifício sede, a sociedade que ali transita já não mostra nos semblantes os mesmos encantamentos dos seus frequentadores. Que esta euforia tenha sido objeto para a proposição do brasileiro como Homem Cordial, mostra muito bem como se pensa pequeno.

Quem conhece as entranhas do estado brasileiro percebe que se trata de um teatro para inglês ver e o mais comum são os arranjos interpessoais de funcionários agindo no interesse próprio no mais descarado e repugnante patrimonialismo de uma micro, mini e às vezes macrocorrupção em alta escala. Este diagnóstico se encontra em nossa literatura de qualquer período histórico. Trata-se do resultado do estatismo e da deterioração institucional garantida pela estabilidade do servidor, dos procedimentos recursivos e da mútua proteção que envolve o toma lá-da-cá das transgressões praticadas como expediente administrativo e da ausência de sanção neutralizada pela complacência de não gerar conflitos que causem urdiduras contra o disciplinador.


De Alckmin se pode esperar que saiba como contornar os meandros políticos para fazer avançar o processo ainda que seu estilo “devagar e sempre” seja insuficiente para as urgências da Nação, enquanto Bolsonaro, não tendo estes requisitos, indica que terá enormes dificuldades de promover mudanças para fazer o dromedário andar.

O que o quadro eleitoral indica é que se Bolsonaro sair vencedor, terá de renunciar ao ideologismo e avançar na política funcional. E se Alckmin for eleito, terá de sair da política para dar satisfação às demandas ideológicas da sociedade devido a indecência causada pela propagação das novas ideologias das minorias.

Ninguém consegue governar sem o Congresso, e quem não entende isso, não saiu ainda do pensamento primário de que se pode dirigir um país continental por algum efeito de mágica. A insistência no desprezo à composição qualitativamente diversificada do Congresso, abre as suspeitas para que um candidato pretenda se tornar ditador, imaginando que sob seus decretos todo o país ingressaria em um período de paz e tranquilidade. Esta ilusão já causou muitos estragos, especialmente quando se sabe que nenhuma sociedade pode melhorar se ela não sabe escolher os melhores. E a agonia do nosso tempo consiste em o povo não ter a quem escolher nos pequenos municípios onde se geram a maior parte da representação dos cargos eleitorais. Em consequência, o Congresso sempre será uma casa onde a corrupção vai estar presente, especialmente quando o modelo eleitoral requisitar cada vez mais recursos para vencer as disputas. Negar a convivência com a corrupção incontornável pelo próprio modelo político e estatal em nome de uma pureza moral sempre fez parte dos movimentos revolucionários. Que, diga-se de passagem, raramente acabaram bem.

É nesse ambiente que vamos para as eleições: se Alckmin não tem jeito para assumir a postura “rouba mas faz” que garantiu superioridade política à direita em diversos momentos nacionais, ele ao menos deveria bater forte na degeneração do sistema de ensino (não se refugiando em estatísticas), na picaretagem ambiental, no cabresto cultural da Lei Rouanet e nas odiosas estatais parasitárias. Deveria ao menos saber lidar com o vitimismo que tem gerado multidões de votos e vir a público mostrar suas obras e no que o Petrolão negou à população durante sua administração, no desfazimento de contratos, atrasos e assim sucessivamente em fatos e casos, procurando captar a atenção para o país da situação dos estados em que não houve passagem do PT pelas administrações, como São Paulo, Paraná e Santa Catarina, relativamente capazes de suportar a recessão e, sobretudo, apresentar um plano consistente de infraestrutura para o país baseado em sua experiência no estado de São Paulo.

Bolsonaro por sua vez, se apresentando como um homem que tem uma missão a cumprir na vida política, mal suspeita que está lidando com um sentimento fundamentalista de alguém que recebeu um chamado divino próprio do redentorismo. Um Messias possui uma força moral extraordinariamente grande, mas ela é fogo de palha. Serve para eleger, mas não serve para governar. E aqueles que estiveram hipnotizados por suas palavras em pouco tempo vão medir os efeitos na métrica dos resultados. O vitimismo dosado diariamente para justificar os parcos resultados como decorrentes da realidade herdada tem prazo de validade. Somente ditadores conseguem se apoiar na retórica de suas pequenas conquistas morais indefinidamente. E é isso que faz de Bolsonaro o mais combatido de todos os candidatos. E também é isso que faz seus adversários o compararem com Lula. Se eleito será o mais vigiado de todos os presidentes que o país já teve. E se enveredar pelo caminho da acumulação do poder pessoal – como a proposta de aumentar o número de membros do STF para seus escolhidos garantirem a maioria, e não a criação de um CNJ com controle externo –, vai criar uma oposição intensa de unidade nacional contra ele, envolvendo o espectro político que se opôs aos militares 50 anos atrás, desde a esquerda sectária até os liberais e todos os que de alguma forma estiveram contra ele com base no “eu avisei”. Se o povo conseguiu derrubar um presidente com a indiferença da imprensa, imagine com seu apoio maciço.

Ortega y Gasset chamava o conflito de direita e esquerda de hemiplegia mental. E setores da opinião pública sabem disso quando sentem que o bolivarianismo foi uma resposta fracassada aos regimes militares da América Latina que também fracassaram trinta anos atrás. As redes sociais se prestam ao papel de não só interromper a alternância destes ciclos, como ajudar a combater a amnésia histórica que nos castiga.