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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O medo do PT

Carlos U Pozzobon

Ficou claro para quem acompanhou a corrida eleitoral de 2018 que a acachapante vitória de Bolsonaro não estava relacionada com o discurso que este desenvolveu ao longo da jornada. De fato, ele não desenvolveu qualquer discurso significativo. O atentado que quase levou sua vida, forçou-o a um recuo de campanha que poderia ser fatal para sua candidatura se ela dependesse de sua mobilização pelo Brasil em resposta à exiguidade do tempo de TV de que dispunha.

Sua vitória deve-se muito mais ao movimento que lhe deu suporte do que a seus méritos pessoais. E este movimento não teria sido vitorioso se não tivesse desafiado o governo e todas as instituições que gravitam ao seu redor, como os executivos estaduais e federal, os partidos políticos, o alto judiciário, a imprensa e setores do clero.

A antipolítica foi tão ostensiva, que seria de se esperar que Modesto Carvalhosa, anunciado autocandidato sem partido, teria sido o principal adversário de Bolsonaro se o TSE tivesse aceito candidaturas avulsas. Trata-se, portanto, de um movimento revolucionário sem outra pretensão que a eleitoral. Revolucionário, nos moldes do tenentismo da primeira República.


Compõem o bolsonarismo:
1- fundamentalistas, chamados de minions
2- intervencionistas
3- conservadores antipetistas por razões ideológicas e morais
4- os sem filiação político-partidária, prejudicados pela corrupção da gestão petista, aumento da violência, desemprego, etc.

O movimento fundamentalista pode ser percebido pela oposição baseada no ódio. O ódio social surge da desconfiança. A desconfiança sempre foi um dos elementos formadores de uma sociedade baseada em premissas de desigualdades de direitos com os privilégios de castas e onde a desonestidade é moeda corrente e suportada como intrínseca ao sistema.

A desconfiança, por sua vez, gera o ceticismo quando se torna evidente a defasagem do discurso exercido em nome do bem comum, mas usado para encobrir a fábrica de pobreza na desigualdade de alocação de recursos.

Esta realidade impede que o Brasil tenha um sistema baseado em ideais comuns e respeitado como valores fundadores de nossa sociedade. E impede até que sejamos reconhecidos e respeitados internacionalmente como portadores dos valores do Ocidente. A cultura autodepreciativa, o complexo de vira-lata, a idealização do futuro, são expressões de nossa nacionalidade atormentada pelos mesmos e eternos dilemas.

A desconfiança varia de tempos em tempos, mas na gestão petista passou a ser generalizada porque a corrupção foi a gênese que alimentou a teoria da conspiração.

Se todos roubam às escondidas e um processo como o da Lava Jato vai desvendando as entranhas do submundo político e social, tudo indica que existe uma realidade oculta do cidadão comum que conspira para espoliá-lo.

Se isto é verdade, por que suposições absurdas não o seriam? Neste caso, para convencer as pessoas basta uma produção poderosa de fake news capaz de levá-las a acreditar em fatos inexistentes, mas que sirvam ao propósito de exacerbar o perigo do mal encarnado pelo PT.

Se existir um grupo poderoso para levar à frente uma campanha de desmoralização dos adversários, em função de um beneficiário que esteja protegido da acusação de corrupção, qualquer restrição ao seu passado passa pelo crivo da própria conspiração urdida pelos petistas para denegri-lo.

Não é preciso mais a verdade quando o espírito sectário se instala na sociedade. Toda a crítica sacada contra o grande líder passa a ser propaganda do adversário e, com isso, mais um alvo de difamação por este crítico ser um agente disfarçado do inimigo.

Mas o espírito sectário não é o decreto de alguma autoridade ungida pela verdade. Ele precisa ser produzido intelectualmente. E foi o que ocorreu em paralelo com o período das administrações do PT e que serviu para ser sua extrema-unção.

Uma teoria conspiratória produzida pela falsificação dos fatos históricos, associada a uma doutrina messiânica emprestada da religião, agregada a correntes internacionais, foi a base pedagógica do maniqueísmo que permitiu a educação de seguidores no objetivo da atribuição do bem a Bolsonaro e do mal a todos os demais membros do espectro político nacional.

Esta preparação foi uma das causas da vitória, mas não a única e, paradoxalmente, só se mantém enquanto capaz de se associar aos frutos materiais da própria causa, como: crescimento econômico, emprego, melhor educação, segurança; e às medidas para alterar a configuração de nossa desordem crônica: a) o modelo político partidário eleitoral; b) as premissas do corporativismo estatal, igualando a legislação trabalhista para toda a sociedade; c) o modelo tributário e previdenciário; d) a infraestrutura do país.
Se os objetivos materiais não forem atingidos, e tudo indica que o serão de forma muito modesta, o esqueleto ideológico do movimento entra em osteoporose e em poucos anos desaba, limitando-se ao culto de pequenos grupos encantados com o fetiche de suas próprias ideias.

Como se pode ver, é possível esperar apenas algumas coisas dessas pautas. E bem poucas. E tudo leva a crer que o movimento bolsonarista começará a declinar como sempre tem ocorrido em nossos ciclos históricos: incapaz de realizar as reformas necessárias, precisará de apoio político para se manter no poder, e este só poderá ser conseguido com populismo, o que significa ir na direção contrária do planejado e prometido. E então a história se repete. Como em 64: fomos salvos do comunismo, prosperamos e, logo após, caímos na cilada da estatização – este socialismo tão querido aos brasileiros, e o regime fracassou.

A razão revolucionária não se importa com a mentira – os fins justificam os meios: para destruir os adversários, um batalhão de falsificadores de áudio editavam clipes de vídeo para colocar inimigos políticos se detratando, ora fazendo afirmações absurdas, ora elogiando ditadores, confundindo a opinião pública com alteração de declarações de personalidades em favor do candidato, se apropriando de ideias alheias e atribuindo paternidade a outras, e a sucessão de truques de desinformação praticados em escala massiva para obter o monopólio da oposição. São táticas de guerra revolucionária dos tempos da Internet usadas em escala massiva.

O fenômeno mais notável das eleições de 2018 foi a paranoia que se instalou com o medo de o PT vencer as eleições. O programa de bolivarianização do partido – que passou a ser perseguido enfaticamente depois que o modelo de compra de congressistas entrou em crise com a Lava Jato –, foi exaltado como um determinismo, caso Haddad ganhasse as eleições.

Não se sabe como o PT iria vergar um Congresso que seria majoritariamente oposição ao seu partido, e nem como poderia introduzir esses métodos sem a possibilidade de um golpe militar.

Em pleno domínio da situação com Dilma, o PT não conseguiu aprovar a lei dos meios audiovisuais que prometia o controle da imprensa. Em todo o caso, as aberrantes propostas do programa eleitoral do partido foram o combustível para a paranoia que se manifesta de forma antipolítica: o medo como recurso eleitoral é o pior conselheiro, e quase sempre termina com consequências desastrosas.

Foi, portanto, o medo o principal cabo eleitoral de Bolsonaro, um medo criado a partir de um perigo iminente, embora seus autores tenham ocupado o poder por 14 anos e falhado consecutivamente em realizar os próprios projetos.

A promessa do PT de anistiar Lula e reconduzi-lo ao Planalto como ministro foi o fato político mais aglutinador de Bolsonaro. Nenhum discurso, nenhum comício, nenhum apoio de personalidades públicas poderia ser mais eficaz a Bolsonaro do que a subordinação de Haddad ao presidiário de Curitiba.

Foi com base neste ultraje anunciado, e na possibilidade de aparelhamento da PF, do MP, e na anunciada perseguição a Sérgio Moro, que proporcionou a fuga dos eleitores que ainda pensavam em uma oposição alternativa à campanha de Bolsonaro.

Em outras palavras, a vitória de Bolsonaro pode ser creditada sim ao programa do PT e às suas propostas de campanha. Um partido dissimulado saiu do armário para anunciar que seu erro foi não ter transformado o Brasil num país bolchevique antes, durante, e logo após a Lava Jato.

Isto por si só valeu mais para consolidar a candidatura de Bolsonaro, pela natural propensão do povo de buscar refúgio em uma figura presidencial forte, do que pelas qualidades de suas propostas. Diga-se de passagem, que sua campanha foi alicerçada na antipatia da população exaurida com o comportamento partidário da imprensa em total submissão ao PT, e no simbolismo dos partidos políticos como ratazanas dos cofres públicos.

O atentado que lhe obrigou à retirada dos desfiles heroicos, com centenas de apoiadores gritando 'mito', 'mito', teve o efeito positivo na medida em que foi uma atenuante da inevitável radicalização de seus partidários e permitiu aos oposicionistas moderados se aproximarem de sua candidatura, desidratando os votos dos outros partidos, especialmente do PSDB, Novo e Podemos.

Uma das manifestações da paranoia se mede pelo sentimento de urgência de finalizar o processo eleitoral no primeiro turno. A circulação abrangente e totalizadora da ideia de que se Bolsonaro não vencesse seria a prova cabal de fraude nas urnas, foi consequência de uma suspeita alimentada durante anos por opiniões nunca conclusivas, mas engrossadas pela recusa do TSE/STF em adotar o voto impresso.

Para isso, o comitê de fakes news da ala intervencionista saiu publicando relatórios falsificados de resultados de urnas no Japão e outros lugares de votação, com a finalidade de criar a comoção para uma intervenção militar, ou o estado de agitação para levantes populares em todo o país, a exemplo da última greve dos caminhoneiros.

Clipes de denúncias alucinadas, de comoção aniquiladora que circulam sem qualquer suspeita ou comedimento por parte do distribuidor com relação à veracidade do conteúdo constituíram o perfil de uma eleição salvacionista, e nada pode ser mais sintomático do que anunciar a vitória de Bolsonaro antes da votação e a despeito dela, e a derrota como uma certeza decorrente de fraude eleitoral urdida pelo PT.

Este raciocínio é tão antidemocrático quanto supor que se pode suspender o escrutínio das urnas para fazer eleições por aclamação. No limite da paranoia, não são necessárias evidências do que se diz: a lógica previamente traçada dispensa qualquer comprovação fática. Pois os vídeos e fotos alterados já fizeram o trabalho de legitimação da fraude.

A inclinação pela lógica revolucionária levou muitos bolsonaristas a atropelar os dois turnos das eleições como se fossem dispensáveis para o exercício democrático, criticando acidamente aqueles oposicionistas que não votaram em sua candidatura no primeiro turno.

Como se, com uma margem eleitoral irrisória para conseguir a maioria de votos válidos no segundo turno, fosse a causa de uma frustração cuja culpa deveria ser atribuída aos demais oposicionistas.

Vale lembrar que quando Aécio Neves liderou a oposição a Dilma em 2014, ele obteve 33,55% dos votos no primeiro turno, e no segundo turno 48,36%; enquanto Dilma ficou com 41,59% (depois 51,64%) e Marina 21,32%. Ainda concorreram mais 5 ou 6 candidatos nanicos. Não houve qualquer ressentimento por parte dos tucanos de que adversários de Dilma tivessem votado em outros candidatos e nem de Dilma com os eleitores de Marina. Naquela ocasião, esperava-se a possibilidade de Aécio ganhar no segundo turno pelo apoio recebido de Marina.

A lição deste pleito é que Bolsonaro foi eleito para deter a avalanche petista. Isto não significa que seja capaz de mudar o país. Pode se prever facilmente o grau de euforia por ter quebrado o ciclo petista. Mas somente a realidade das reformas e o conteúdo das propostas, a capacidade de manter liderança a despeito da mídia, vai apontar o sucesso de seu governo, ou o embarque na tradicional política de tapar buracos para manter tudo como está para ver como é que fica.


segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Ideologia x política: Bolsonaro x Alckmin

Carlos U Pozzobon

O debate principal nesta eleição, sejam ou não eleitos, ficou reduzido a Bolsonaro e Alckmin, turvado pela ameaça constante da presença de Lula na urna eleitoral.

A seis semanas do pleito, não se lê nada além de análises do passado dos candidatos, suas condutas frente aos principais acontecimentos das últimas duas décadas e as relações com a Lava Jato.

Não passa despercebido ao observador quanto a quantidade e qualidade de argumentos favoráveis a um e outro candidato, o fato de Bolsonaro não ser uma candidatura política. E sua força provém justamente desta característica. O esgoto moral que veio à tona pela prolongada administração petista criou o espaço para o surgimento da antipolítica como uma força germinativa que não vai caducar nem mesmo com a derrota de Bolsonaro.

A razão disso é o fato de o Brasil necessitar de uma nova Constituição e estar com as instituições em frangalhos.

O esgotamento do sistema político tem suas matizes nacionais próprias, e no Brasil este modelo se mostra superado a partir da impossibilidade da atividade parlamentar dar resposta às necessidades urgentes de reconfiguração a partir do escândalo do Petrolão.


O surgimento do nome de Bolsonaro vem alicerçado nestas circunstâncias históricas que sem esses fatores não seria sequer considerado devido à precariedade de sua base eleitoral, sua liderança quase nula entre seus pares por sempre ser um outsider do partido que lhe hospedou, concorrendo para o interesse partidário somente pela distribuição do quociente eleitoral de sua base de votantes carioca, e na estigmatização de suas campanhas frente ao rolo compressor do petismo.

Não se pode entender Bolsonaro sem considerar o fato de que ele não é um candidato, porém uma candidatura, e esta diferença explica mais do que se imagina. Trata-se de uma opção essencialmente ideológica, tendo como cerne o combate à corrupção que foi decidida dois anos antes da oficialização das candidaturas como forma de preparação da sociedade para a vinda de um salvador que resgatasse as instituições da bola de neve de imoralidade que o petismo desencadeou. Seus aderentes são em sua maioria pessoas que decidiram militar em seu favor antes e a despeito de qualquer outra candidatura, comprovando que se trata de um movimento com traços fundamentalistas, onde a paixão emocional tem superioridade ao uso racional da prudência comparativa.

Bolsonaro foi escolhido por movimentos agrupados em torno do milenarismo, começando pelos grupos que financiavam a promoção do nome de Olavo de Carvalho como o filósofo que “tem razão” no contexto de um pensamento que haveria de se impor de forma espetacular para um público desorientado pela agonia intelectual causada pela adesão da Academia ao petismo. Como num passe de mágica, durante alguns meses, o filósofo foi propulsado de um jornalista combativo nas colunas de jornais, mas pouco conhecido, no sábio mais reverenciado e o intelectual mais importante no país. Suas lacônicas análises da conspiração representada pelo Foro de SPaulo serviram de alicerce para aglutinação de setores do amplo espectro que engloba os intervencionistas, os militares de reserva ofendidos pelo revisionismo da Comissão da Verdade, os conservadores teocráticos e medievalistas, os nacionalistas do nióbio de Enéas Carneiro, os produtores rurais acuados com a ilegalidade intocável do MST, e de uma geração de pseudo-liberais formados na pressa da absorção de clássicos estrangeiros mas completamente ignorantes da cultura nacional.

Foram estes movimentos aglutinados que escolheram Bolsonaro pouco antes do impeachment de Dilma Roussef a despeito de qualquer outra variante existente no período de 28 meses que antecedeu o pleito. Para estes seguidores, a decisão de votar em Bolsonaro não se tratava de uma escolha política, porque não era uma escolha baseada nas candidaturas, que sequer existiam à época, mas num gesto de adesão às ideias morais expressas no combate à ideologia de gênero, à politização das escolas, à imoralidade da erosão dos valores familiares, e à necessidade de recuperação moral do país a partir da figura presidencial - crença surgida como resposta da própria existência de Lula como o vértice maior dos males do país. Se uma figura presidencial foi capaz de degenerar o país, uma outra seria capaz de regenerá-lo.

Assim, como resposta, Bolsonaro foi a figura providencial que se encaixava na retidão moral imprescindível para desfazer o sistema político através de um trabalho que, por antecipação, conseguisse emocionar as massas para produzir a grande virada.

Para isso, era preciso criar no ambiente político aquilo que o olavismo já tinha feito no ambiente intelectual: a disseminação do maniqueísmo expresso na dualidade da teoria das tesouras, como nivelamento de diferenças políticas, e na necessidade de combater o sistema como um todo, corroído até a medula pelo Petrolão.


Este projeto nasceu para identificar a corrupção com a pluralidade partidária, e jogar na vala comum as diferenças fundamentais da atuação política nacional. Assim, os partidos seriam diferentes no gogó parlamentar, porém na prática, uma unidade subterrânea de interesses pessoais associava diferentes agremiações em uma só direção: a divisão do butim dos órgãos públicos e estatais.

Isto foi o suficiente para que parcela significativa da sociedade aderisse de imediato ao projeto bolsonarista de redenção nacional, esquecendo de alguns detalhes importantes que haveria de fortalecer seu principal oponente. E o principal elemento é que o chamado sistema, ou seja, aquilo que se chama o mecanismo brasileiro, se fosse possível reduzir a um nome, a uma única referência, a uma única palavra, este se chamaria Petrobras. A Petrobras é o sistema, e não combatê-la significa nada mais nada menos do que estar do lado do sistema. Ninguém pode se dizer contra o sistema e esperar que a parcela mais ilustrada da sociedade possa aceitar a manutenção da Petrobras como instrumento de pilhagem por um candidato da antipolítica. Essa omissão não evita a vitória de Bolsonaro, mas serve de agravo para se perceber que o sistema vai continuar agindo, e que tudo o que se pode opor a ele não passa de retórica nos aspectos secundários da vida nacional.

Certamente que Bolsonaro privatizará empresas e simplesmente fechará outras, por suas completas inutilidades para o país. Mas esta política apenas protela para seu sucessor a necessidade de interromper um monopólio que importa 80% do diesel consumido depois de 65 anos de existência, e que transformou a empresa em um emirado carioca.


Por sua vez, o lançamento da candidatura de Alckmin veio revestido da lógica política tradicional: escolha da candidatura pelo maior partido de oposição ao PT (eleitoralmente), formação de alianças e propostas de amplo espectro para a retomada do crescimento e a melhoria geral da administração pública na saúde, educação e segurança.

Alckmin representa a política na sua forma convencional: o enfrentamento dos problemas nacionais sem ideologia, como se fosse o interventor nomeado pelos acionistas de uma empresa responsável para salvá-la da falência.

Sendo um nome do sistema, Alckmin procura convencer os eleitores que se propõe a romper com o ele: avisou que vai acabar com o monopólio do refino, visualizando a retomada de investimento nas refinarias bombardeadas pela artilharia da corrupção e fazer o Brasil se tornar autossuficiente e, inclusive, exportador de derivados a partir do novo modelo energético, que inclui a privatização da Eletrobras.

A ideia parece boa, mas corre perigo. A proposta significa manter a existência da Petrossauro atuando em defesa própria com a aliança dos petroleiros, associada à esquerda estudantil barulhenta e a direita nacionalista zelosa de perder contratos na estatal em torno do mito (este sim verdadeiro) da identificação da Petrobras com a nação. Não é difícil imaginar que a sabotagem será de ordinário exercida com forças políticas que não podem ser negligenciadas, seja como causa para a ressurreição do petismo, seja como necessidade de recuperação do sindicalismo ofendido pela reforma trabalhista, que provavelmente inibirão investimentos estrangeiros, ou atrairão aventureiros descomprometidos com o setor, para impedir que a Petrobras vá à falência por impossibilidade de concorrer com o setor privado.


Um dos nossos historiadores de boa prosa, J M Pereira da Silva, dizia que as sementes do mal são mais profundas do que as do bem. E quando essas sucumbem às turbulências políticas, aquelas renascem com maior viço. Mudar a política energética da área de hidrocarbonetos deixando a Petrobras viva, pode ser tão fatal para o futuro de Alckmin quanto a camiseta que vestiu com o nome da estatal no debate eleitoral de 2006. As raízes profundas do Petrolão dispensam qualquer esforço de argumentação.

Não se pode negligenciar a batalha judicial decorrente, as sabotagens dos petroleiros capazes de produzir uma anarquia no país com a escassez derivada do boicote na distribuição de combustível, os arranca-cabelos dos investidores das ações da estatal na bolsa de valores, e a imobilidade trazida para um governo com uma agenda de reformas urgentes.

A fúria consequente de provar que o rei está nu sem leva-lo ao cadafalso pode representar o estopim de uma espiral de crise que levaria a esquerda histérica e a direita nacionalista para a composição de forças, a ponto de forçar Alckmin a abandonar a privatização do refino para conseguir avançar sua agenda no Congresso. Nesta visão pessimista, a privatização da Petrobras teria de ser postergada para o futuro.

Se tanto Bolsonaro quanto Alckmin vão se dedicar às reformas, a diferença entre ambos é que Bolsonaro terá de se reinventar a cada semana, pois não tem experiência administrativa e certamente terá de passar pelo purgatório da burocracia sem conseguir sair de seu labirinto por falta de entendimento da realidade sufocante que a desprofissionalização petista impôs ao estado.

Para se ter um ministério de qualidade, implica em possuir conhecimento prévio de sua gestão. E nenhum dos nomes da equipe de Bolsonaro jamais teve contato com os meandros da administração pública.

Na saúde não basta o conhecimento ambulatorial e hospitalar: é preciso conhecer a burocracia federal respectiva; o mesmo ocorre nos transportes, mineração, educação, segurança e sobretudo na área ambiental. Sem este conhecimento que só é produzido por pessoas integradas na gestão específica de cada órgão e na experiência parlamentar, dificilmente poderão reparar os vícios da administração pública, uma vez que ela foi toda montada em uma narrativa ficcional de lisura e bons propósitos de uma tradição nunca rompida na nação que formou o Estado como representante do interesse público.

Não é preciso recorrer a Max Weber para saber que as aparências de uma administração estão bem escondidas pelas lantejoulas de uma funcionalidade para deslumbrar marinheiros de primeira viagem. A recente passagem de Rabelo de Castro pelo BNDES ilustra bem o que pretendo mostrar: o recém-chegado não consegue livrar-se da atmosfera de endeusamento que a instituição cria em torno de si, resultado natural da cultura do privilégio, pois se os 17 excelentes salários anuais da instituição forem verdadeiros, pode-se esperar que criam a mais enlevante atmosfera de excepcionalidade profissional, especialmente quando ao pisar para fora da porta do edifício sede, a sociedade que ali transita já não mostra nos semblantes os mesmos encantamentos dos seus frequentadores. Que esta euforia tenha sido objeto para a proposição do brasileiro como Homem Cordial, mostra muito bem como se pensa pequeno.

Quem conhece as entranhas do estado brasileiro percebe que se trata de um teatro para inglês ver e o mais comum são os arranjos interpessoais de funcionários agindo no interesse próprio no mais descarado e repugnante patrimonialismo de uma micro, mini e às vezes macrocorrupção em alta escala. Este diagnóstico se encontra em nossa literatura de qualquer período histórico. Trata-se do resultado do estatismo e da deterioração institucional garantida pela estabilidade do servidor, dos procedimentos recursivos e da mútua proteção que envolve o toma lá-da-cá das transgressões praticadas como expediente administrativo e da ausência de sanção neutralizada pela complacência de não gerar conflitos que causem urdiduras contra o disciplinador.


De Alckmin se pode esperar que saiba como contornar os meandros políticos para fazer avançar o processo ainda que seu estilo “devagar e sempre” seja insuficiente para as urgências da Nação, enquanto Bolsonaro, não tendo estes requisitos, indica que terá enormes dificuldades de promover mudanças para fazer o dromedário andar.

O que o quadro eleitoral indica é que se Bolsonaro sair vencedor, terá de renunciar ao ideologismo e avançar na política funcional. E se Alckmin for eleito, terá de sair da política para dar satisfação às demandas ideológicas da sociedade devido a indecência causada pela propagação das novas ideologias das minorias.

Ninguém consegue governar sem o Congresso, e quem não entende isso, não saiu ainda do pensamento primário de que se pode dirigir um país continental por algum efeito de mágica. A insistência no desprezo à composição qualitativamente diversificada do Congresso, abre as suspeitas para que um candidato pretenda se tornar ditador, imaginando que sob seus decretos todo o país ingressaria em um período de paz e tranquilidade. Esta ilusão já causou muitos estragos, especialmente quando se sabe que nenhuma sociedade pode melhorar se ela não sabe escolher os melhores. E a agonia do nosso tempo consiste em o povo não ter a quem escolher nos pequenos municípios onde se geram a maior parte da representação dos cargos eleitorais. Em consequência, o Congresso sempre será uma casa onde a corrupção vai estar presente, especialmente quando o modelo eleitoral requisitar cada vez mais recursos para vencer as disputas. Negar a convivência com a corrupção incontornável pelo próprio modelo político e estatal em nome de uma pureza moral sempre fez parte dos movimentos revolucionários. Que, diga-se de passagem, raramente acabaram bem.

É nesse ambiente que vamos para as eleições: se Alckmin não tem jeito para assumir a postura “rouba mas faz” que garantiu superioridade política à direita em diversos momentos nacionais, ele ao menos deveria bater forte na degeneração do sistema de ensino (não se refugiando em estatísticas), na picaretagem ambiental, no cabresto cultural da Lei Rouanet e nas odiosas estatais parasitárias. Deveria ao menos saber lidar com o vitimismo que tem gerado multidões de votos e vir a público mostrar suas obras e no que o Petrolão negou à população durante sua administração, no desfazimento de contratos, atrasos e assim sucessivamente em fatos e casos, procurando captar a atenção para o país da situação dos estados em que não houve passagem do PT pelas administrações, como São Paulo, Paraná e Santa Catarina, relativamente capazes de suportar a recessão e, sobretudo, apresentar um plano consistente de infraestrutura para o país baseado em sua experiência no estado de São Paulo.

Bolsonaro por sua vez, se apresentando como um homem que tem uma missão a cumprir na vida política, mal suspeita que está lidando com um sentimento fundamentalista de alguém que recebeu um chamado divino próprio do redentorismo. Um Messias possui uma força moral extraordinariamente grande, mas ela é fogo de palha. Serve para eleger, mas não serve para governar. E aqueles que estiveram hipnotizados por suas palavras em pouco tempo vão medir os efeitos na métrica dos resultados. O vitimismo dosado diariamente para justificar os parcos resultados como decorrentes da realidade herdada tem prazo de validade. Somente ditadores conseguem se apoiar na retórica de suas pequenas conquistas morais indefinidamente. E é isso que faz de Bolsonaro o mais combatido de todos os candidatos. E também é isso que faz seus adversários o compararem com Lula. Se eleito será o mais vigiado de todos os presidentes que o país já teve. E se enveredar pelo caminho da acumulação do poder pessoal – como a proposta de aumentar o número de membros do STF para seus escolhidos garantirem a maioria, e não a criação de um CNJ com controle externo –, vai criar uma oposição intensa de unidade nacional contra ele, envolvendo o espectro político que se opôs aos militares 50 anos atrás, desde a esquerda sectária até os liberais e todos os que de alguma forma estiveram contra ele com base no “eu avisei”. Se o povo conseguiu derrubar um presidente com a indiferença da imprensa, imagine com seu apoio maciço.

Ortega y Gasset chamava o conflito de direita e esquerda de hemiplegia mental. E setores da opinião pública sabem disso quando sentem que o bolivarianismo foi uma resposta fracassada aos regimes militares da América Latina que também fracassaram trinta anos atrás. As redes sociais se prestam ao papel de não só interromper a alternância destes ciclos, como ajudar a combater a amnésia histórica que nos castiga.