Translate

Mostrando postagens com marcador Lava Jato. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lava Jato. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Moro na mira

Carlos U Pozzobon

O manifesto divulgado anteontem de empresários, artistas e intelectuais em apoio a Lula tem um significado que transcende o fator Bolsonaro, embora seja usado para esconder as reais intenções do grupo. O manifesto começa assim:
“Mais do que eleger um presidente, em 2022 o Brasil fará plebiscito entre continuar o desastre ou retomar a estabilidade democrática-institucional, o fim do negacionismo, a volta da empatia social e a retomada de um desenvolvimento sustentável. Não há razão que justifique adiar para o segundo turno, correr o risco das incertezas decorrentes de disputas secundárias, e principalmente os riscos de atos fora da Constituição. Por isso, apelamos a todos os democratas, os candidatos e seus eleitores, para que nos unamos no primeiro turno a Luiz Inácio Lula da Silva.”

A afirmação de que “não há razão que justifique adiar para o segundo turno” a disputa eleitoral só pode ser uma tolice. Como o intervalo entre o primeiro e o segundo turno poderá causar “riscos de atos fora da Constituição”, se estes atos ocorrem cotidianamente? A violação diária da Constituição tem se tornado tão banal que evidentemente o texto sugere que se criaria um estado de anarquia. Neste caso, se trata de um erro crasso. Em todo o mundo a anarquia sucede as eleições e não as precede.

Mas será que estes empresários, políticos e intelectuais esqueceram dos black blocs quebrando tudo o que encontravam pela frente? Será que esqueceram as invasões de terra ao arbítrio de bandidos ligados ao PT? De ocupação de escolas e universidades?


A pista para saber o que está acontecendo nos bastidores foi dada por Aloysio Nunes Ferreira, um dos artífices da articulação da candidatura “Lula em Primeiro Turno”. E a razão cristalina não poderia ser outra: a ameaça não é Bolsonaro, usado como bode expiatório, mas Sérgio Moro, o homem que segundo Aloysio “é um juiz de primeira instância que teve alguma conduta na justiça altamente contestada não só com teor das sentenças que proferiu, mas também em razão do fato de ter se aproveitado do poder judiciário, em aliança com uma facção do Ministério Público, para fazer política e galgar postos de poder político. Fora isso, não tem mais nada que o credencie para ser presidente da República do Brasil. O que ele tem? O fato de ser juiz? [...] Porque ele se distingue? Porque realmente conseguiu um grande apoio da mídia e soube cultivar, aproveitar e fazer crescer, mas que agora vai se desvanecendo”.

Ou seja, as sentenças de Moro “altamente contestadas” são mais nocivas ao país que a governança do PT. Comprova que realmente o PSDB, através de Alckmin e Aloysio, se transformou num puxadinho do PT e o maior temor é a figura apolínea de Sérgio Moro, um homem que pretende restabelecer a dignidade que o Brasil viveu no período da Lava Jato — um curto período que haverá de ficar na história do Brasil como um momento em que a corrupção foi confrontada e condenada pela avalanche das ruas e a integridade de um setor do judiciário — e que a canalhocracia política se une para acabar de todas as formas, começando com a perseguição do TCU e agora a aliança com Lula, este homem que o manifesto afirma ser a personificação da “volta da empatia”.

O leitor não precisa ser um especialista em Brasil para entender que a corrupção generalizada funciona como um consórcio para que tudo seja abafado com toneladas de salamaleques, homenagens recíprocas, distribuições de honrarias, banquetes e celebrações de aniversários, títulos honoris causa emanados do entusiasmo desmedido que causa uma mala de dinheiro ou conta bancária em paraíso fiscal, garantida sempre por aqueles princípios recorrentes das autoridades judiciárias de que “ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal”, que nunca se sabe quando vai aparecer, a menos daqueles que por acaso caíram nas mãos de Moro que teve a audácia de não se fazer de dissimulado.

Realmente, o manifesto seria preocupante, se não fosse a singular situação em que nos encontramos, com os partidos políticos em estado tal de decomposição que sequer são necessários para eleger um presidente. Isto não diminui as dificuldades de Moro, exatamente porque deste pântano partidário nasceu o fundo eleitoral e o orçamento secreto, os dois maiores inimigos da democracia, exatamente naquele parágrafo da constituição que diz ser a atividade eleitoral franqueada a todos os cidadãos. Como um cidadão comum poderá ombrear outro que recebeu alguns milhões para subornar eleitores é a grande preocupação das eleições deste ano. Pelo menos a garantia de que a casa não se renova. Novamente, a corrupção se uniu em consórcio para refinar uma autocracia à brasileira. Esta é a dificuldade e não manifestos de apoio a Lula.


domingo, 10 de novembro de 2019

Genealogia do Caos

Carlos U Pozzobon


A mudança na interpretação da prisão em segunda instância faz parte da acumulação de fatores que permitiram uma virada conjuntural nas práticas legais. Mas o que aconteceu para que chegássemos a este ponto?

Quando a luta pelo impeachment indicava que a pressão popular era a força revigorante da democracia, as coisas começaram a dar para trás. Rastrear a série de eventos que nos levaram à liquidação da Lava Jato permite esclarecer por que caímos na cilada do retrocesso:

O primeiro evento foi a eleição presidencial, que estabeleceu um novo marco pós-PT. A Lava Jato elegeu Bolsonaro com a esperança de que ele tivesse um comportamento público condizente com as forças atuantes nas campanhas anti-PT.

O segundo evento foram as publicações do The Intercept, que serviram de combustível para as forças antilavajatistas se posicionarem na defesa da impunidade elevando o coro do “onde já se viu juiz falar com procurador”, num país em que, justamente, todos os juízes falam com procuradores.

O terceiro evento foi a série de interrupções nos processos judiciais sob a alegação da ordem de apresentação da acusação e defesa de delator e delatado. Entendeu o STF que a formalidade de ordem era mais importante que o trabalho executado, e que, não obstante ter sido apresentado na primeira instância, não poderia ser corrigido pela plêiade de recursos exaustivos e sobrepostos, e tampouco pelo julgamento na segunda instância com base em material desconhecido da defesa, se ela invocasse prejuízo material do delatado. Como se fosse um prejuízo irreparável, arrumou-se a artimanha legal para avançar contra todo o trabalho anticorrupção no país.

O quarto evento foi a insurgência da militância togada com absoluta segurança para destruir a segurança jurídica do país. O caso do COAF se insere neste avanço sobre o executivo que termina aceitando que o principal órgão de investigação de atividades financeiras servisse de peteca de ministérios, a partir da denúncia de irregularidades na declaração do IR de Gilmar Mendes.

O quinto evento foi a pá de cal sobre a erosão em marcha da ordem constitucional. Sob a alegação de necessidade de proteção mútua, Dias Toffoli interrompe as investigações em curso dos processos de uma nominata de mais de cem pessoas agraciadas com a suspensão de investigações do MP para fazê-las reféns da orquestração togada. Na nominata, os nomes da cabala que haveriam de liquidar com tudo o que se conseguira, incluindo Gilmar Mendes e Flávio Bolsonaro.

Na direção oposta, nada disso estaria acontecendo se houvesse resistência do executivo com uma declaração firme de Bolsonaro contra a conspiração em marcha. O Brasil gosta da retórica de “check and balances”, mas na hora do indispensável CONTRAPESO, o que se viu foi um “silêncio eloquente” do Presidente da República, que não sabe o poder que tem, ou não sabe como agir em uma democracia EM CRISE. E não faltam os “justificadores da imobilidade”, as cassandras do “ele está certo” para argumentar que estando uma proposta de reforma da previdência no Congresso, ele deveria se omitir para não melindrar uma reforma calculada para dez anos, que é mais do Congresso do que dele, como se a omissão sempre pudesse ser justificada por uma dependência que só existe para justificar a inépcia.

Se Bolsonaro tivesse convidado Modesto Carvalhosa para uma conversa no Planalto (que nunca o fez), e também figuras do VemPraRua e MBL (que nunca foram apesar de elegê-lo), acompanhados por Alcolumbre e Maia para um piquenique político corriqueiro de falar à toa, como ocorre cotidianamente em Brasília e, como fator surpresa, os colocasse em uma sala fechada para uma conversa com o maior número possível de fardados do Alto Comando do Exército, as coisas poderiam mudar se os militares anunciassem em tom marcial uma declaração de guerra contra a corrupção togada com um ultimato em alto e bom som para que em uma indireta mais direta que direita, exigisse que o Legislativo assumisse o seu papel constitucional de colocar um termo no abuso confuso e difuso da interferência do STF nos demais poderes da República, esperando que pela reação dos parlamentares no momento de inflexão do discurso, eles entendessem que... sim, estariam tratando do pedido de impeachment do convidado octogenário ao lado, ou... as Forças Armadas não se responsabilizariam pelo que poderia ocorrer, incluindo a sobrevivência do próprio parlamento. Blefe? Não há política sem uma dramaticidade conjuntural que a justifique.

Também podemos admitir que o recado fosse dado em tom mais suave. Abstendo-se de qualquer ação, lavando as mãos como Pilatos, o governo Bolsonaro entra no rol daquilo que no jargão do mercado financeiro se chama de “precificado”. A Lava Jato foi precificada. O maior perdedor não foi só a justiça brasileira, mas também o seu ministro. Sérgio Moro não tem mais o que fazer no governo. Pode dar seus esforços por encerrado. E preparar uma reviravolta política lançando-se candidato a presidente em 2022. É o único caminho que lhe resta. E é o que queremos para nos livrar do pesadelo da volta do PT.


quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O medo do PT

Carlos U Pozzobon

Ficou claro para quem acompanhou a corrida eleitoral de 2018 que a acachapante vitória de Bolsonaro não estava relacionada com o discurso que este desenvolveu ao longo da jornada. De fato, ele não desenvolveu qualquer discurso significativo. O atentado que quase levou sua vida, forçou-o a um recuo de campanha que poderia ser fatal para sua candidatura se ela dependesse de sua mobilização pelo Brasil em resposta à exiguidade do tempo de TV de que dispunha.

Sua vitória deve-se muito mais ao movimento que lhe deu suporte do que a seus méritos pessoais. E este movimento não teria sido vitorioso se não tivesse desafiado o governo e todas as instituições que gravitam ao seu redor, como os executivos estaduais e federal, os partidos políticos, o alto judiciário, a imprensa e setores do clero.

A antipolítica foi tão ostensiva, que seria de se esperar que Modesto Carvalhosa, anunciado autocandidato sem partido, teria sido o principal adversário de Bolsonaro se o TSE tivesse aceito candidaturas avulsas. Trata-se, portanto, de um movimento revolucionário sem outra pretensão que a eleitoral. Revolucionário, nos moldes do tenentismo da primeira República.


Compõem o bolsonarismo:
1- fundamentalistas, chamados de minions
2- intervencionistas
3- conservadores antipetistas por razões ideológicas e morais
4- os sem filiação político-partidária, prejudicados pela corrupção da gestão petista, aumento da violência, desemprego, etc.

O movimento fundamentalista pode ser percebido pela oposição baseada no ódio. O ódio social surge da desconfiança. A desconfiança sempre foi um dos elementos formadores de uma sociedade baseada em premissas de desigualdades de direitos com os privilégios de castas e onde a desonestidade é moeda corrente e suportada como intrínseca ao sistema.

A desconfiança, por sua vez, gera o ceticismo quando se torna evidente a defasagem do discurso exercido em nome do bem comum, mas usado para encobrir a fábrica de pobreza na desigualdade de alocação de recursos.

Esta realidade impede que o Brasil tenha um sistema baseado em ideais comuns e respeitado como valores fundadores de nossa sociedade. E impede até que sejamos reconhecidos e respeitados internacionalmente como portadores dos valores do Ocidente. A cultura autodepreciativa, o complexo de vira-lata, a idealização do futuro, são expressões de nossa nacionalidade atormentada pelos mesmos e eternos dilemas.

A desconfiança varia de tempos em tempos, mas na gestão petista passou a ser generalizada porque a corrupção foi a gênese que alimentou a teoria da conspiração.

Se todos roubam às escondidas e um processo como o da Lava Jato vai desvendando as entranhas do submundo político e social, tudo indica que existe uma realidade oculta do cidadão comum que conspira para espoliá-lo.

Se isto é verdade, por que suposições absurdas não o seriam? Neste caso, para convencer as pessoas basta uma produção poderosa de fake news capaz de levá-las a acreditar em fatos inexistentes, mas que sirvam ao propósito de exacerbar o perigo do mal encarnado pelo PT.

Se existir um grupo poderoso para levar à frente uma campanha de desmoralização dos adversários, em função de um beneficiário que esteja protegido da acusação de corrupção, qualquer restrição ao seu passado passa pelo crivo da própria conspiração urdida pelos petistas para denegri-lo.

Não é preciso mais a verdade quando o espírito sectário se instala na sociedade. Toda a crítica sacada contra o grande líder passa a ser propaganda do adversário e, com isso, mais um alvo de difamação por este crítico ser um agente disfarçado do inimigo.

Mas o espírito sectário não é o decreto de alguma autoridade ungida pela verdade. Ele precisa ser produzido intelectualmente. E foi o que ocorreu em paralelo com o período das administrações do PT e que serviu para ser sua extrema-unção.

Uma teoria conspiratória produzida pela falsificação dos fatos históricos, associada a uma doutrina messiânica emprestada da religião, agregada a correntes internacionais, foi a base pedagógica do maniqueísmo que permitiu a educação de seguidores no objetivo da atribuição do bem a Bolsonaro e do mal a todos os demais membros do espectro político nacional.

Esta preparação foi uma das causas da vitória, mas não a única e, paradoxalmente, só se mantém enquanto capaz de se associar aos frutos materiais da própria causa, como: crescimento econômico, emprego, melhor educação, segurança; e às medidas para alterar a configuração de nossa desordem crônica: a) o modelo político partidário eleitoral; b) as premissas do corporativismo estatal, igualando a legislação trabalhista para toda a sociedade; c) o modelo tributário e previdenciário; d) a infraestrutura do país.
Se os objetivos materiais não forem atingidos, e tudo indica que o serão de forma muito modesta, o esqueleto ideológico do movimento entra em osteoporose e em poucos anos desaba, limitando-se ao culto de pequenos grupos encantados com o fetiche de suas próprias ideias.

Como se pode ver, é possível esperar apenas algumas coisas dessas pautas. E bem poucas. E tudo leva a crer que o movimento bolsonarista começará a declinar como sempre tem ocorrido em nossos ciclos históricos: incapaz de realizar as reformas necessárias, precisará de apoio político para se manter no poder, e este só poderá ser conseguido com populismo, o que significa ir na direção contrária do planejado e prometido. E então a história se repete. Como em 64: fomos salvos do comunismo, prosperamos e, logo após, caímos na cilada da estatização – este socialismo tão querido aos brasileiros, e o regime fracassou.

A razão revolucionária não se importa com a mentira – os fins justificam os meios: para destruir os adversários, um batalhão de falsificadores de áudio editavam clipes de vídeo para colocar inimigos políticos se detratando, ora fazendo afirmações absurdas, ora elogiando ditadores, confundindo a opinião pública com alteração de declarações de personalidades em favor do candidato, se apropriando de ideias alheias e atribuindo paternidade a outras, e a sucessão de truques de desinformação praticados em escala massiva para obter o monopólio da oposição. São táticas de guerra revolucionária dos tempos da Internet usadas em escala massiva.

O fenômeno mais notável das eleições de 2018 foi a paranoia que se instalou com o medo de o PT vencer as eleições. O programa de bolivarianização do partido – que passou a ser perseguido enfaticamente depois que o modelo de compra de congressistas entrou em crise com a Lava Jato –, foi exaltado como um determinismo, caso Haddad ganhasse as eleições.

Não se sabe como o PT iria vergar um Congresso que seria majoritariamente oposição ao seu partido, e nem como poderia introduzir esses métodos sem a possibilidade de um golpe militar.

Em pleno domínio da situação com Dilma, o PT não conseguiu aprovar a lei dos meios audiovisuais que prometia o controle da imprensa. Em todo o caso, as aberrantes propostas do programa eleitoral do partido foram o combustível para a paranoia que se manifesta de forma antipolítica: o medo como recurso eleitoral é o pior conselheiro, e quase sempre termina com consequências desastrosas.

Foi, portanto, o medo o principal cabo eleitoral de Bolsonaro, um medo criado a partir de um perigo iminente, embora seus autores tenham ocupado o poder por 14 anos e falhado consecutivamente em realizar os próprios projetos.

A promessa do PT de anistiar Lula e reconduzi-lo ao Planalto como ministro foi o fato político mais aglutinador de Bolsonaro. Nenhum discurso, nenhum comício, nenhum apoio de personalidades públicas poderia ser mais eficaz a Bolsonaro do que a subordinação de Haddad ao presidiário de Curitiba.

Foi com base neste ultraje anunciado, e na possibilidade de aparelhamento da PF, do MP, e na anunciada perseguição a Sérgio Moro, que proporcionou a fuga dos eleitores que ainda pensavam em uma oposição alternativa à campanha de Bolsonaro.

Em outras palavras, a vitória de Bolsonaro pode ser creditada sim ao programa do PT e às suas propostas de campanha. Um partido dissimulado saiu do armário para anunciar que seu erro foi não ter transformado o Brasil num país bolchevique antes, durante, e logo após a Lava Jato.

Isto por si só valeu mais para consolidar a candidatura de Bolsonaro, pela natural propensão do povo de buscar refúgio em uma figura presidencial forte, do que pelas qualidades de suas propostas. Diga-se de passagem, que sua campanha foi alicerçada na antipatia da população exaurida com o comportamento partidário da imprensa em total submissão ao PT, e no simbolismo dos partidos políticos como ratazanas dos cofres públicos.

O atentado que lhe obrigou à retirada dos desfiles heroicos, com centenas de apoiadores gritando 'mito', 'mito', teve o efeito positivo na medida em que foi uma atenuante da inevitável radicalização de seus partidários e permitiu aos oposicionistas moderados se aproximarem de sua candidatura, desidratando os votos dos outros partidos, especialmente do PSDB, Novo e Podemos.

Uma das manifestações da paranoia se mede pelo sentimento de urgência de finalizar o processo eleitoral no primeiro turno. A circulação abrangente e totalizadora da ideia de que se Bolsonaro não vencesse seria a prova cabal de fraude nas urnas, foi consequência de uma suspeita alimentada durante anos por opiniões nunca conclusivas, mas engrossadas pela recusa do TSE/STF em adotar o voto impresso.

Para isso, o comitê de fakes news da ala intervencionista saiu publicando relatórios falsificados de resultados de urnas no Japão e outros lugares de votação, com a finalidade de criar a comoção para uma intervenção militar, ou o estado de agitação para levantes populares em todo o país, a exemplo da última greve dos caminhoneiros.

Clipes de denúncias alucinadas, de comoção aniquiladora que circulam sem qualquer suspeita ou comedimento por parte do distribuidor com relação à veracidade do conteúdo constituíram o perfil de uma eleição salvacionista, e nada pode ser mais sintomático do que anunciar a vitória de Bolsonaro antes da votação e a despeito dela, e a derrota como uma certeza decorrente de fraude eleitoral urdida pelo PT.

Este raciocínio é tão antidemocrático quanto supor que se pode suspender o escrutínio das urnas para fazer eleições por aclamação. No limite da paranoia, não são necessárias evidências do que se diz: a lógica previamente traçada dispensa qualquer comprovação fática. Pois os vídeos e fotos alterados já fizeram o trabalho de legitimação da fraude.

A inclinação pela lógica revolucionária levou muitos bolsonaristas a atropelar os dois turnos das eleições como se fossem dispensáveis para o exercício democrático, criticando acidamente aqueles oposicionistas que não votaram em sua candidatura no primeiro turno.

Como se, com uma margem eleitoral irrisória para conseguir a maioria de votos válidos no segundo turno, fosse a causa de uma frustração cuja culpa deveria ser atribuída aos demais oposicionistas.

Vale lembrar que quando Aécio Neves liderou a oposição a Dilma em 2014, ele obteve 33,55% dos votos no primeiro turno, e no segundo turno 48,36%; enquanto Dilma ficou com 41,59% (depois 51,64%) e Marina 21,32%. Ainda concorreram mais 5 ou 6 candidatos nanicos. Não houve qualquer ressentimento por parte dos tucanos de que adversários de Dilma tivessem votado em outros candidatos e nem de Dilma com os eleitores de Marina. Naquela ocasião, esperava-se a possibilidade de Aécio ganhar no segundo turno pelo apoio recebido de Marina.

A lição deste pleito é que Bolsonaro foi eleito para deter a avalanche petista. Isto não significa que seja capaz de mudar o país. Pode se prever facilmente o grau de euforia por ter quebrado o ciclo petista. Mas somente a realidade das reformas e o conteúdo das propostas, a capacidade de manter liderança a despeito da mídia, vai apontar o sucesso de seu governo, ou o embarque na tradicional política de tapar buracos para manter tudo como está para ver como é que fica.