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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A EMBRAER E O COMPLEXO DE VIRA-LATA

Carlos U Pozzobon

Os que viajam ao exterior costumam ficar sobressaltados toda a vez que o BC, em comunicado alarmante, anuncia alguma medida como aumento de IOF ou da cotação do dólar, devido ao fraco desempenho das exportações brasileiras frente à escassez de reservas.

E, naturalmente, a imprensa não se furta de lembrar que os responsáveis são os brasileiros que viajam perdulariamente para o exterior. Não ocorre a ninguém lembrar a sucessão periódica de desperdícios com que tratamos nossa economia como a causa de nossas aflições.

A venda da Embraer representa nada menos do que a perda anunciada de 5 bilhões de dólares anuais com que o Brasil dispensa em divisas depois que, abocanhada pela Boeing, perceber que “não vale a pena” produzir no ambiente tributário e social caóticos do Brasil.

Embora as duas empresas não possam ser comparadas em tamanho – a Boeing é 16 vezes maior em faturamento – não existem justificativas de mercado, como apregoam os paladinos da fusão, para a Embraer entregar sua expertise e sucesso pelo equivalente ao faturamento anual da empresa.

A própria Embraer se encarregou de dar o aviso da opulência do setor: “a Embraer estimou em seu Relatório das Perspectivas de Mercado (2018) uma demanda de 10.550 novas aeronaves com capacidade para até 150 assentos nos próximos 20 anos no mundo. A frota de aeronaves em serviço deve aumentar para 16.000 unidades no período, maior do que as 9.000 que estão atualmente em operação.”

A Embraer se anuncia como “líder na fabricação de jatos comerciais de até 150 assentos”. Como explicar que a líder tenha razões para se fundir em condições tão desvantajosas com relação à participação societária na nova empresa? Na fusão da Bombardier com a Airbus, aquela ficou com 49,9% das ações, sendo a Bombardier uma perdedora no mercado. Por que a Embraer deveria aceitar 20% se é a “winner”?

Se o argumento principal pela fusão é o da tendência de concentração do mercado, vale a pena lembrar que a Boeing, já centenária, só despertou para a aviação regional porque se tornou um grande negócio. Neste caso, ela deveria procurar a Embraer para fazer sinergia com sua grande quantidade de produtos, e isso seria natural com uma participação minoritária, já que a expertise é da Embraer que preservaria o comando das decisões porque simplesmente é quem comanda a produção.

No entanto, frente a uma grande e poderosa empresa, ninguém se atreve a determinar as condições que preservassem a Embraer como sócia majoritária. Afinal, o interesse é da Boeing e não da Embraer, porque a iniciativa foi da primeira e não da segunda.

Tudo leva a crer que a Boeing se sentiu ameaçada com o sucesso da Embraer, e ninguém me convence que em poucos anos a Embraer não poderia entrar também no mercado dos aviões de grande capacidade por upgrade. Atualmente, o E-195 E2 da Embraer já compete com o Boeing 777-300. Neste caso, estaria com seu portfólio aumentado e seu número de empregados bem acima dos atuais 18,5 mil.

Isto é possível? Depende do lado que se vê: para um país que já investiu em campeões nacionais como Eike Batista e JBS, e exportou capital para países bolivarianos a rodo, não me parece impossível a Embraer dar um salto e passar a competir com as grandes. Principalmente quando se sabe que experiência ela já tem, e que nesta terra não deve faltar dinheiro para investir onde já se sabe que deu certo. Ou seria o sucesso a possível maldição e descaso com que a Embraer está sendo tratada no novo governo? Assim como quem fabrica automóveis pode fabricar caminhões e ônibus e o resto do setor automotivo, certamente a Embraer seria capaz de surpreender outra vez, se fosse tratada como empresa inserida no interesse estratégico do Brasil. Qualquer país que queira dar um salto em seu desenvolvimento e condições de vida e riqueza precisa estabelecer estratégias de investimento em alta tecnologia. Foi com este pensamento que Osires Silva construiu uma empresa símbolo da educação de elite gerada pelo ITA.

E tudo leva a crer que ela está sendo comprada exatamente pela possibilidade de ser uma grande empresa em poucos anos.

Não basta ser bem sucedido no agronegócio e na exploração mineral. O Brasil precisa de mais, muito mais, se quiser se inserir na economia mundial além de exportador de matéria-prima. No mundo empresarial internacional, no fremente desenrolar dos investimentos não interessa se tal ou qual negócio foi realizado por este ou aquele governo. Conta apenas o que o país fez num intervalo de tempo de uma década, ou outro intervalo qualquer. E para o Brasil que comprou Pasadena e está prestes a vender a Embraer não se pode esperar outra coisa da comunidade internacional senão a zombaria à boca pequena, aquela cochichada nos ouvidos para não humilhar nosso complexo de vira-lata.

O complexo consiste exatamente em não se acreditar que o Brasil possa ter empresas participantes no mercado internacional. O sentimento de inferioridade leva a opiniões como, “o mercado não é favorável à Embraer”, “a tendência é a concentração e ela não sobreviverá”, “o futuro do setor não nos beneficia”, e coisas do gênero. O sentimento que aqui vigora é solenemente desprezado em qualquer país asiático.

Não importa o quanto os governos que se sucedem diferem um do outro. O fato inegável é que eles seguem o mesmo padrão de autodestruição do país. Porque aqui ninguém muda em mentalidade.


quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O medo do PT

Carlos U Pozzobon

Ficou claro para quem acompanhou a corrida eleitoral de 2018 que a acachapante vitória de Bolsonaro não estava relacionada com o discurso que este desenvolveu ao longo da jornada. De fato, ele não desenvolveu qualquer discurso significativo. O atentado que quase levou sua vida, forçou-o a um recuo de campanha que poderia ser fatal para sua candidatura se ela dependesse de sua mobilização pelo Brasil em resposta à exiguidade do tempo de TV de que dispunha.

Sua vitória deve-se muito mais ao movimento que lhe deu suporte do que a seus méritos pessoais. E este movimento não teria sido vitorioso se não tivesse desafiado o governo e todas as instituições que gravitam ao seu redor, como os executivos estaduais e federal, os partidos políticos, o alto judiciário, a imprensa e setores do clero.

A antipolítica foi tão ostensiva, que seria de se esperar que Modesto Carvalhosa, anunciado autocandidato sem partido, teria sido o principal adversário de Bolsonaro se o TSE tivesse aceito candidaturas avulsas. Trata-se, portanto, de um movimento revolucionário sem outra pretensão que a eleitoral. Revolucionário, nos moldes do tenentismo da primeira República.


Compõem o bolsonarismo:
1- fundamentalistas, chamados de minions
2- intervencionistas
3- conservadores antipetistas por razões ideológicas e morais
4- os sem filiação político-partidária, prejudicados pela corrupção da gestão petista, aumento da violência, desemprego, etc.

O movimento fundamentalista pode ser percebido pela oposição baseada no ódio. O ódio social surge da desconfiança. A desconfiança sempre foi um dos elementos formadores de uma sociedade baseada em premissas de desigualdades de direitos com os privilégios de castas e onde a desonestidade é moeda corrente e suportada como intrínseca ao sistema.

A desconfiança, por sua vez, gera o ceticismo quando se torna evidente a defasagem do discurso exercido em nome do bem comum, mas usado para encobrir a fábrica de pobreza na desigualdade de alocação de recursos.

Esta realidade impede que o Brasil tenha um sistema baseado em ideais comuns e respeitado como valores fundadores de nossa sociedade. E impede até que sejamos reconhecidos e respeitados internacionalmente como portadores dos valores do Ocidente. A cultura autodepreciativa, o complexo de vira-lata, a idealização do futuro, são expressões de nossa nacionalidade atormentada pelos mesmos e eternos dilemas.

A desconfiança varia de tempos em tempos, mas na gestão petista passou a ser generalizada porque a corrupção foi a gênese que alimentou a teoria da conspiração.

Se todos roubam às escondidas e um processo como o da Lava Jato vai desvendando as entranhas do submundo político e social, tudo indica que existe uma realidade oculta do cidadão comum que conspira para espoliá-lo.

Se isto é verdade, por que suposições absurdas não o seriam? Neste caso, para convencer as pessoas basta uma produção poderosa de fake news capaz de levá-las a acreditar em fatos inexistentes, mas que sirvam ao propósito de exacerbar o perigo do mal encarnado pelo PT.

Se existir um grupo poderoso para levar à frente uma campanha de desmoralização dos adversários, em função de um beneficiário que esteja protegido da acusação de corrupção, qualquer restrição ao seu passado passa pelo crivo da própria conspiração urdida pelos petistas para denegri-lo.

Não é preciso mais a verdade quando o espírito sectário se instala na sociedade. Toda a crítica sacada contra o grande líder passa a ser propaganda do adversário e, com isso, mais um alvo de difamação por este crítico ser um agente disfarçado do inimigo.

Mas o espírito sectário não é o decreto de alguma autoridade ungida pela verdade. Ele precisa ser produzido intelectualmente. E foi o que ocorreu em paralelo com o período das administrações do PT e que serviu para ser sua extrema-unção.

Uma teoria conspiratória produzida pela falsificação dos fatos históricos, associada a uma doutrina messiânica emprestada da religião, agregada a correntes internacionais, foi a base pedagógica do maniqueísmo que permitiu a educação de seguidores no objetivo da atribuição do bem a Bolsonaro e do mal a todos os demais membros do espectro político nacional.

Esta preparação foi uma das causas da vitória, mas não a única e, paradoxalmente, só se mantém enquanto capaz de se associar aos frutos materiais da própria causa, como: crescimento econômico, emprego, melhor educação, segurança; e às medidas para alterar a configuração de nossa desordem crônica: a) o modelo político partidário eleitoral; b) as premissas do corporativismo estatal, igualando a legislação trabalhista para toda a sociedade; c) o modelo tributário e previdenciário; d) a infraestrutura do país.
Se os objetivos materiais não forem atingidos, e tudo indica que o serão de forma muito modesta, o esqueleto ideológico do movimento entra em osteoporose e em poucos anos desaba, limitando-se ao culto de pequenos grupos encantados com o fetiche de suas próprias ideias.

Como se pode ver, é possível esperar apenas algumas coisas dessas pautas. E bem poucas. E tudo leva a crer que o movimento bolsonarista começará a declinar como sempre tem ocorrido em nossos ciclos históricos: incapaz de realizar as reformas necessárias, precisará de apoio político para se manter no poder, e este só poderá ser conseguido com populismo, o que significa ir na direção contrária do planejado e prometido. E então a história se repete. Como em 64: fomos salvos do comunismo, prosperamos e, logo após, caímos na cilada da estatização – este socialismo tão querido aos brasileiros, e o regime fracassou.

A razão revolucionária não se importa com a mentira – os fins justificam os meios: para destruir os adversários, um batalhão de falsificadores de áudio editavam clipes de vídeo para colocar inimigos políticos se detratando, ora fazendo afirmações absurdas, ora elogiando ditadores, confundindo a opinião pública com alteração de declarações de personalidades em favor do candidato, se apropriando de ideias alheias e atribuindo paternidade a outras, e a sucessão de truques de desinformação praticados em escala massiva para obter o monopólio da oposição. São táticas de guerra revolucionária dos tempos da Internet usadas em escala massiva.

O fenômeno mais notável das eleições de 2018 foi a paranoia que se instalou com o medo de o PT vencer as eleições. O programa de bolivarianização do partido – que passou a ser perseguido enfaticamente depois que o modelo de compra de congressistas entrou em crise com a Lava Jato –, foi exaltado como um determinismo, caso Haddad ganhasse as eleições.

Não se sabe como o PT iria vergar um Congresso que seria majoritariamente oposição ao seu partido, e nem como poderia introduzir esses métodos sem a possibilidade de um golpe militar.

Em pleno domínio da situação com Dilma, o PT não conseguiu aprovar a lei dos meios audiovisuais que prometia o controle da imprensa. Em todo o caso, as aberrantes propostas do programa eleitoral do partido foram o combustível para a paranoia que se manifesta de forma antipolítica: o medo como recurso eleitoral é o pior conselheiro, e quase sempre termina com consequências desastrosas.

Foi, portanto, o medo o principal cabo eleitoral de Bolsonaro, um medo criado a partir de um perigo iminente, embora seus autores tenham ocupado o poder por 14 anos e falhado consecutivamente em realizar os próprios projetos.

A promessa do PT de anistiar Lula e reconduzi-lo ao Planalto como ministro foi o fato político mais aglutinador de Bolsonaro. Nenhum discurso, nenhum comício, nenhum apoio de personalidades públicas poderia ser mais eficaz a Bolsonaro do que a subordinação de Haddad ao presidiário de Curitiba.

Foi com base neste ultraje anunciado, e na possibilidade de aparelhamento da PF, do MP, e na anunciada perseguição a Sérgio Moro, que proporcionou a fuga dos eleitores que ainda pensavam em uma oposição alternativa à campanha de Bolsonaro.

Em outras palavras, a vitória de Bolsonaro pode ser creditada sim ao programa do PT e às suas propostas de campanha. Um partido dissimulado saiu do armário para anunciar que seu erro foi não ter transformado o Brasil num país bolchevique antes, durante, e logo após a Lava Jato.

Isto por si só valeu mais para consolidar a candidatura de Bolsonaro, pela natural propensão do povo de buscar refúgio em uma figura presidencial forte, do que pelas qualidades de suas propostas. Diga-se de passagem, que sua campanha foi alicerçada na antipatia da população exaurida com o comportamento partidário da imprensa em total submissão ao PT, e no simbolismo dos partidos políticos como ratazanas dos cofres públicos.

O atentado que lhe obrigou à retirada dos desfiles heroicos, com centenas de apoiadores gritando 'mito', 'mito', teve o efeito positivo na medida em que foi uma atenuante da inevitável radicalização de seus partidários e permitiu aos oposicionistas moderados se aproximarem de sua candidatura, desidratando os votos dos outros partidos, especialmente do PSDB, Novo e Podemos.

Uma das manifestações da paranoia se mede pelo sentimento de urgência de finalizar o processo eleitoral no primeiro turno. A circulação abrangente e totalizadora da ideia de que se Bolsonaro não vencesse seria a prova cabal de fraude nas urnas, foi consequência de uma suspeita alimentada durante anos por opiniões nunca conclusivas, mas engrossadas pela recusa do TSE/STF em adotar o voto impresso.

Para isso, o comitê de fakes news da ala intervencionista saiu publicando relatórios falsificados de resultados de urnas no Japão e outros lugares de votação, com a finalidade de criar a comoção para uma intervenção militar, ou o estado de agitação para levantes populares em todo o país, a exemplo da última greve dos caminhoneiros.

Clipes de denúncias alucinadas, de comoção aniquiladora que circulam sem qualquer suspeita ou comedimento por parte do distribuidor com relação à veracidade do conteúdo constituíram o perfil de uma eleição salvacionista, e nada pode ser mais sintomático do que anunciar a vitória de Bolsonaro antes da votação e a despeito dela, e a derrota como uma certeza decorrente de fraude eleitoral urdida pelo PT.

Este raciocínio é tão antidemocrático quanto supor que se pode suspender o escrutínio das urnas para fazer eleições por aclamação. No limite da paranoia, não são necessárias evidências do que se diz: a lógica previamente traçada dispensa qualquer comprovação fática. Pois os vídeos e fotos alterados já fizeram o trabalho de legitimação da fraude.

A inclinação pela lógica revolucionária levou muitos bolsonaristas a atropelar os dois turnos das eleições como se fossem dispensáveis para o exercício democrático, criticando acidamente aqueles oposicionistas que não votaram em sua candidatura no primeiro turno.

Como se, com uma margem eleitoral irrisória para conseguir a maioria de votos válidos no segundo turno, fosse a causa de uma frustração cuja culpa deveria ser atribuída aos demais oposicionistas.

Vale lembrar que quando Aécio Neves liderou a oposição a Dilma em 2014, ele obteve 33,55% dos votos no primeiro turno, e no segundo turno 48,36%; enquanto Dilma ficou com 41,59% (depois 51,64%) e Marina 21,32%. Ainda concorreram mais 5 ou 6 candidatos nanicos. Não houve qualquer ressentimento por parte dos tucanos de que adversários de Dilma tivessem votado em outros candidatos e nem de Dilma com os eleitores de Marina. Naquela ocasião, esperava-se a possibilidade de Aécio ganhar no segundo turno pelo apoio recebido de Marina.

A lição deste pleito é que Bolsonaro foi eleito para deter a avalanche petista. Isto não significa que seja capaz de mudar o país. Pode se prever facilmente o grau de euforia por ter quebrado o ciclo petista. Mas somente a realidade das reformas e o conteúdo das propostas, a capacidade de manter liderança a despeito da mídia, vai apontar o sucesso de seu governo, ou o embarque na tradicional política de tapar buracos para manter tudo como está para ver como é que fica.


terça-feira, 11 de setembro de 2018

A cultura da conspiração

Carlos U Pozzobon

O fato de ter nascido em uma cidade ferroviária em que os trens desapareceram depois de um lento fenecimento, sempre me chamou a atenção para o inexplicável descaso com a retomada do transporte sobre trilhos. Não obstante, e sendo um entusiasta de trens e usuário sempre que ando pela Europa, toda a vez que mencionei este assunto nos últimos 40 anos, seja em oficina mecânica, posto de gasolina ou conversa de rua com desconhecidos, ao indagar o porquê do desaparecimento dos trens de passageiros sempre obtive a mesma resposta: “a indústria automobilística não deixa”. 

Esta frase, recorrente em nosso flaubertiano dicionário de ideias prontas, comprova como é forte as nossas inclinações para aceitar sem mais suspeitas a lógica da teoria da conspiração.

Tudo se passa como se o estado fosse impotente perante a decisão de um grupo corporativo que, sob suas ordens, fosse capaz de prescrever o que deve ser feito na infraestrutura do país que, não obstante, mudando de dirigentes e até de regime político, não é capaz de alterar a determinação de uma decisão secreta, confidencial e supostamente ameaçadora, a ponto de barrar qualquer iniciativa no setor.

Olhando mais detidamente, a conspiração é a forma mais eficaz para estabelecer relações que se adequem a um propósito político. Ela serve para explicar o adversário, mas não serve para ser usada em favor do postulante. Este sempre diz a verdade.

Os argumentos que fundamentam as ideias da teoria da conspiração apresentam mais um paradoxo: alguns casos pontuais verdadeiros passaram a ser usados como um fenômeno geral. Uma contaminação de um produto alimentício passa a ser usada para combater todo o produto. O defeito em um aparelho eletrodoméstico liquida com toda a produção. Um acidente de trânsito sempre tem a suspeita de ter sido provocado, antecedendo qualquer explicação.

A teoria da conspiração possui uma superioridade imbatível. Ela conforta aqueles atormentados pela dúvida com uma explicação simples. Serve de autojustificativa para o descontentamento pessoal frente à expectativa de uma vida melhor. Diariamente, milhões de brasileiros estão pensando em como sair da situação em que se encontram para conseguir uma vida mais confortável e segura. Perceptível nos olhares aflitos, no discurso de resignação e na recorrência da esperança, a conspiração como discurso explicativo dispensa qualquer esforço intelectual para entender a realidade: ela passa a ser a vontade sórdida e oculta dos inimigos. E levada para a disputa eleitoral, se transforma em um festival de besteiras letal para qualquer candidatura reformista.

A ideia de conspiração se ajusta a falta de confiança que fundamenta a vida social. Povos submetidos a autocracias garantidoras de poderes discricionários são propensos ao pensamento conspiratório. A conspiração está para o pensamento político como a superstição para a explicação de fenômenos naturais nos povos que antecederam a modernidade científica.

Conhecendo de sobra o legado do lulopetismo para o dicionário de conspirações, saí em campo atrás de uma explicação na direção oposta, me detendo na tão badalada afirmação de que o PCC comanda a política em São Paulo. Alguma coisa deve se passar, pensei eu, nos subterrâneos do poder que, de forma abafada e subversiva, define o que Alckmin faz ou deixa de fazer no estado, por ordens secretas de um grupo que comanda detrás das grades, mas com um aparelho que deve ser superior a tudo que se imagina.

E assim cheguei no meu vendedor de peixes das sextas-feiras, um atento erudito de tudo o que se passa no mundo do crime organizado. Diz ele que sim, o PCC manda e desmanda em São Paulo, e sabe por quê? Eles derrubaram o helicóptero do filho de Alckmin e mandaram o recado: ou ele obedecia ou seria o próximo. E o governador, impotente e amedrontado, passou a ceder a tudo o que o PCC queria.

A teoria da conspiração foi feita para criar perplexidade mesmo. Teria alguma relação com a cultura das novelas de TV? Recobrando o fôlego de tão certeira análise, perguntei a ele o que o PCC quer, queria ou pretende para os próximos anos? E aí percebi que o peixeiro é mais escorregadio que os produtos que vende. “Ora pois, não sabes? Mas como?” E ficou com a pergunta no ar até que eu me rendesse e dissesse que não sabia, ao que ele então replicou triunfante: “Para tirar a Polícia Militar do caminho e deixar o tráfico agir impunemente”. Toda a vez que fico basbaque não sei realmente o que responder. Na minha humilde opinião é mais difícil controlar uma corporação policial-militar de 150 mil homens com ordens secretas e instruções veladas, do que algumas quadrilhas que, não obstante, continuam a ser combatidas pela polícia e quase sempre levam a pior, demonstrando que Alckmin deve ser muito incompetente para a conspiração a que tem se dedicado.

É inútil qualquer pensamento racional perante o silogismo que a lógica propicia ao eleitor com a limitação confortável das ideias prontas com que foi doutrinado. Nesse ponto da conversa percebi que ele poderia estar utilizando o modelo das milícias cariocas para se referir a São Paulo. E foi então que indaguei em tréplica se de fato era isso. O meu erudito em crime organizado fez um gesto de mão negativo dizendo: “lá é o Comando Vermelho, aqui é o PCC”. Então perguntei: “se os índices de violência em São Paulo são muito menores do que os do Rio, por que o governador carioca não implanta o nosso modelo, levando o PCC para o Rio e reduzindo assim os índices de criminalidade?” Acho que ele já esperava minha contestação, porque foi rápido na resposta: “lá o Comando Vermelho não deixa o PCC entrar”.

E assim me despedi derrotado com a humilhação dos paulistas frente aos cariocas. Vejam: aqui em São Paulo o governo se submete ao PCC por este possuir uma força descomunal que ultrapassa a capacidade do sistema de segurança do estado que, não obstante, é impotente para dominar o crime no Rio de Janeiro. Legal, não? E essa gente vota. E elege.


segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Ideologia x política: Bolsonaro x Alckmin

Carlos U Pozzobon

O debate principal nesta eleição, sejam ou não eleitos, ficou reduzido a Bolsonaro e Alckmin, turvado pela ameaça constante da presença de Lula na urna eleitoral.

A seis semanas do pleito, não se lê nada além de análises do passado dos candidatos, suas condutas frente aos principais acontecimentos das últimas duas décadas e as relações com a Lava Jato.

Não passa despercebido ao observador quanto a quantidade e qualidade de argumentos favoráveis a um e outro candidato, o fato de Bolsonaro não ser uma candidatura política. E sua força provém justamente desta característica. O esgoto moral que veio à tona pela prolongada administração petista criou o espaço para o surgimento da antipolítica como uma força germinativa que não vai caducar nem mesmo com a derrota de Bolsonaro.

A razão disso é o fato de o Brasil necessitar de uma nova Constituição e estar com as instituições em frangalhos.

O esgotamento do sistema político tem suas matizes nacionais próprias, e no Brasil este modelo se mostra superado a partir da impossibilidade da atividade parlamentar dar resposta às necessidades urgentes de reconfiguração a partir do escândalo do Petrolão.


O surgimento do nome de Bolsonaro vem alicerçado nestas circunstâncias históricas que sem esses fatores não seria sequer considerado devido à precariedade de sua base eleitoral, sua liderança quase nula entre seus pares por sempre ser um outsider do partido que lhe hospedou, concorrendo para o interesse partidário somente pela distribuição do quociente eleitoral de sua base de votantes carioca, e na estigmatização de suas campanhas frente ao rolo compressor do petismo.

Não se pode entender Bolsonaro sem considerar o fato de que ele não é um candidato, porém uma candidatura, e esta diferença explica mais do que se imagina. Trata-se de uma opção essencialmente ideológica, tendo como cerne o combate à corrupção que foi decidida dois anos antes da oficialização das candidaturas como forma de preparação da sociedade para a vinda de um salvador que resgatasse as instituições da bola de neve de imoralidade que o petismo desencadeou. Seus aderentes são em sua maioria pessoas que decidiram militar em seu favor antes e a despeito de qualquer outra candidatura, comprovando que se trata de um movimento com traços fundamentalistas, onde a paixão emocional tem superioridade ao uso racional da prudência comparativa.

Bolsonaro foi escolhido por movimentos agrupados em torno do milenarismo, começando pelos grupos que financiavam a promoção do nome de Olavo de Carvalho como o filósofo que “tem razão” no contexto de um pensamento que haveria de se impor de forma espetacular para um público desorientado pela agonia intelectual causada pela adesão da Academia ao petismo. Como num passe de mágica, durante alguns meses, o filósofo foi propulsado de um jornalista combativo nas colunas de jornais, mas pouco conhecido, no sábio mais reverenciado e o intelectual mais importante no país. Suas lacônicas análises da conspiração representada pelo Foro de SPaulo serviram de alicerce para aglutinação de setores do amplo espectro que engloba os intervencionistas, os militares de reserva ofendidos pelo revisionismo da Comissão da Verdade, os conservadores teocráticos e medievalistas, os nacionalistas do nióbio de Enéas Carneiro, os produtores rurais acuados com a ilegalidade intocável do MST, e de uma geração de pseudo-liberais formados na pressa da absorção de clássicos estrangeiros mas completamente ignorantes da cultura nacional.

Foram estes movimentos aglutinados que escolheram Bolsonaro pouco antes do impeachment de Dilma Roussef a despeito de qualquer outra variante existente no período de 28 meses que antecedeu o pleito. Para estes seguidores, a decisão de votar em Bolsonaro não se tratava de uma escolha política, porque não era uma escolha baseada nas candidaturas, que sequer existiam à época, mas num gesto de adesão às ideias morais expressas no combate à ideologia de gênero, à politização das escolas, à imoralidade da erosão dos valores familiares, e à necessidade de recuperação moral do país a partir da figura presidencial - crença surgida como resposta da própria existência de Lula como o vértice maior dos males do país. Se uma figura presidencial foi capaz de degenerar o país, uma outra seria capaz de regenerá-lo.

Assim, como resposta, Bolsonaro foi a figura providencial que se encaixava na retidão moral imprescindível para desfazer o sistema político através de um trabalho que, por antecipação, conseguisse emocionar as massas para produzir a grande virada.

Para isso, era preciso criar no ambiente político aquilo que o olavismo já tinha feito no ambiente intelectual: a disseminação do maniqueísmo expresso na dualidade da teoria das tesouras, como nivelamento de diferenças políticas, e na necessidade de combater o sistema como um todo, corroído até a medula pelo Petrolão.


Este projeto nasceu para identificar a corrupção com a pluralidade partidária, e jogar na vala comum as diferenças fundamentais da atuação política nacional. Assim, os partidos seriam diferentes no gogó parlamentar, porém na prática, uma unidade subterrânea de interesses pessoais associava diferentes agremiações em uma só direção: a divisão do butim dos órgãos públicos e estatais.

Isto foi o suficiente para que parcela significativa da sociedade aderisse de imediato ao projeto bolsonarista de redenção nacional, esquecendo de alguns detalhes importantes que haveria de fortalecer seu principal oponente. E o principal elemento é que o chamado sistema, ou seja, aquilo que se chama o mecanismo brasileiro, se fosse possível reduzir a um nome, a uma única referência, a uma única palavra, este se chamaria Petrobras. A Petrobras é o sistema, e não combatê-la significa nada mais nada menos do que estar do lado do sistema. Ninguém pode se dizer contra o sistema e esperar que a parcela mais ilustrada da sociedade possa aceitar a manutenção da Petrobras como instrumento de pilhagem por um candidato da antipolítica. Essa omissão não evita a vitória de Bolsonaro, mas serve de agravo para se perceber que o sistema vai continuar agindo, e que tudo o que se pode opor a ele não passa de retórica nos aspectos secundários da vida nacional.

Certamente que Bolsonaro privatizará empresas e simplesmente fechará outras, por suas completas inutilidades para o país. Mas esta política apenas protela para seu sucessor a necessidade de interromper um monopólio que importa 80% do diesel consumido depois de 65 anos de existência, e que transformou a empresa em um emirado carioca.


Por sua vez, o lançamento da candidatura de Alckmin veio revestido da lógica política tradicional: escolha da candidatura pelo maior partido de oposição ao PT (eleitoralmente), formação de alianças e propostas de amplo espectro para a retomada do crescimento e a melhoria geral da administração pública na saúde, educação e segurança.

Alckmin representa a política na sua forma convencional: o enfrentamento dos problemas nacionais sem ideologia, como se fosse o interventor nomeado pelos acionistas de uma empresa responsável para salvá-la da falência.

Sendo um nome do sistema, Alckmin procura convencer os eleitores que se propõe a romper com o ele: avisou que vai acabar com o monopólio do refino, visualizando a retomada de investimento nas refinarias bombardeadas pela artilharia da corrupção e fazer o Brasil se tornar autossuficiente e, inclusive, exportador de derivados a partir do novo modelo energético, que inclui a privatização da Eletrobras.

A ideia parece boa, mas corre perigo. A proposta significa manter a existência da Petrossauro atuando em defesa própria com a aliança dos petroleiros, associada à esquerda estudantil barulhenta e a direita nacionalista zelosa de perder contratos na estatal em torno do mito (este sim verdadeiro) da identificação da Petrobras com a nação. Não é difícil imaginar que a sabotagem será de ordinário exercida com forças políticas que não podem ser negligenciadas, seja como causa para a ressurreição do petismo, seja como necessidade de recuperação do sindicalismo ofendido pela reforma trabalhista, que provavelmente inibirão investimentos estrangeiros, ou atrairão aventureiros descomprometidos com o setor, para impedir que a Petrobras vá à falência por impossibilidade de concorrer com o setor privado.


Um dos nossos historiadores de boa prosa, J M Pereira da Silva, dizia que as sementes do mal são mais profundas do que as do bem. E quando essas sucumbem às turbulências políticas, aquelas renascem com maior viço. Mudar a política energética da área de hidrocarbonetos deixando a Petrobras viva, pode ser tão fatal para o futuro de Alckmin quanto a camiseta que vestiu com o nome da estatal no debate eleitoral de 2006. As raízes profundas do Petrolão dispensam qualquer esforço de argumentação.

Não se pode negligenciar a batalha judicial decorrente, as sabotagens dos petroleiros capazes de produzir uma anarquia no país com a escassez derivada do boicote na distribuição de combustível, os arranca-cabelos dos investidores das ações da estatal na bolsa de valores, e a imobilidade trazida para um governo com uma agenda de reformas urgentes.

A fúria consequente de provar que o rei está nu sem leva-lo ao cadafalso pode representar o estopim de uma espiral de crise que levaria a esquerda histérica e a direita nacionalista para a composição de forças, a ponto de forçar Alckmin a abandonar a privatização do refino para conseguir avançar sua agenda no Congresso. Nesta visão pessimista, a privatização da Petrobras teria de ser postergada para o futuro.

Se tanto Bolsonaro quanto Alckmin vão se dedicar às reformas, a diferença entre ambos é que Bolsonaro terá de se reinventar a cada semana, pois não tem experiência administrativa e certamente terá de passar pelo purgatório da burocracia sem conseguir sair de seu labirinto por falta de entendimento da realidade sufocante que a desprofissionalização petista impôs ao estado.

Para se ter um ministério de qualidade, implica em possuir conhecimento prévio de sua gestão. E nenhum dos nomes da equipe de Bolsonaro jamais teve contato com os meandros da administração pública.

Na saúde não basta o conhecimento ambulatorial e hospitalar: é preciso conhecer a burocracia federal respectiva; o mesmo ocorre nos transportes, mineração, educação, segurança e sobretudo na área ambiental. Sem este conhecimento que só é produzido por pessoas integradas na gestão específica de cada órgão e na experiência parlamentar, dificilmente poderão reparar os vícios da administração pública, uma vez que ela foi toda montada em uma narrativa ficcional de lisura e bons propósitos de uma tradição nunca rompida na nação que formou o Estado como representante do interesse público.

Não é preciso recorrer a Max Weber para saber que as aparências de uma administração estão bem escondidas pelas lantejoulas de uma funcionalidade para deslumbrar marinheiros de primeira viagem. A recente passagem de Rabelo de Castro pelo BNDES ilustra bem o que pretendo mostrar: o recém-chegado não consegue livrar-se da atmosfera de endeusamento que a instituição cria em torno de si, resultado natural da cultura do privilégio, pois se os 17 excelentes salários anuais da instituição forem verdadeiros, pode-se esperar que criam a mais enlevante atmosfera de excepcionalidade profissional, especialmente quando ao pisar para fora da porta do edifício sede, a sociedade que ali transita já não mostra nos semblantes os mesmos encantamentos dos seus frequentadores. Que esta euforia tenha sido objeto para a proposição do brasileiro como Homem Cordial, mostra muito bem como se pensa pequeno.

Quem conhece as entranhas do estado brasileiro percebe que se trata de um teatro para inglês ver e o mais comum são os arranjos interpessoais de funcionários agindo no interesse próprio no mais descarado e repugnante patrimonialismo de uma micro, mini e às vezes macrocorrupção em alta escala. Este diagnóstico se encontra em nossa literatura de qualquer período histórico. Trata-se do resultado do estatismo e da deterioração institucional garantida pela estabilidade do servidor, dos procedimentos recursivos e da mútua proteção que envolve o toma lá-da-cá das transgressões praticadas como expediente administrativo e da ausência de sanção neutralizada pela complacência de não gerar conflitos que causem urdiduras contra o disciplinador.


De Alckmin se pode esperar que saiba como contornar os meandros políticos para fazer avançar o processo ainda que seu estilo “devagar e sempre” seja insuficiente para as urgências da Nação, enquanto Bolsonaro, não tendo estes requisitos, indica que terá enormes dificuldades de promover mudanças para fazer o dromedário andar.

O que o quadro eleitoral indica é que se Bolsonaro sair vencedor, terá de renunciar ao ideologismo e avançar na política funcional. E se Alckmin for eleito, terá de sair da política para dar satisfação às demandas ideológicas da sociedade devido a indecência causada pela propagação das novas ideologias das minorias.

Ninguém consegue governar sem o Congresso, e quem não entende isso, não saiu ainda do pensamento primário de que se pode dirigir um país continental por algum efeito de mágica. A insistência no desprezo à composição qualitativamente diversificada do Congresso, abre as suspeitas para que um candidato pretenda se tornar ditador, imaginando que sob seus decretos todo o país ingressaria em um período de paz e tranquilidade. Esta ilusão já causou muitos estragos, especialmente quando se sabe que nenhuma sociedade pode melhorar se ela não sabe escolher os melhores. E a agonia do nosso tempo consiste em o povo não ter a quem escolher nos pequenos municípios onde se geram a maior parte da representação dos cargos eleitorais. Em consequência, o Congresso sempre será uma casa onde a corrupção vai estar presente, especialmente quando o modelo eleitoral requisitar cada vez mais recursos para vencer as disputas. Negar a convivência com a corrupção incontornável pelo próprio modelo político e estatal em nome de uma pureza moral sempre fez parte dos movimentos revolucionários. Que, diga-se de passagem, raramente acabaram bem.

É nesse ambiente que vamos para as eleições: se Alckmin não tem jeito para assumir a postura “rouba mas faz” que garantiu superioridade política à direita em diversos momentos nacionais, ele ao menos deveria bater forte na degeneração do sistema de ensino (não se refugiando em estatísticas), na picaretagem ambiental, no cabresto cultural da Lei Rouanet e nas odiosas estatais parasitárias. Deveria ao menos saber lidar com o vitimismo que tem gerado multidões de votos e vir a público mostrar suas obras e no que o Petrolão negou à população durante sua administração, no desfazimento de contratos, atrasos e assim sucessivamente em fatos e casos, procurando captar a atenção para o país da situação dos estados em que não houve passagem do PT pelas administrações, como São Paulo, Paraná e Santa Catarina, relativamente capazes de suportar a recessão e, sobretudo, apresentar um plano consistente de infraestrutura para o país baseado em sua experiência no estado de São Paulo.

Bolsonaro por sua vez, se apresentando como um homem que tem uma missão a cumprir na vida política, mal suspeita que está lidando com um sentimento fundamentalista de alguém que recebeu um chamado divino próprio do redentorismo. Um Messias possui uma força moral extraordinariamente grande, mas ela é fogo de palha. Serve para eleger, mas não serve para governar. E aqueles que estiveram hipnotizados por suas palavras em pouco tempo vão medir os efeitos na métrica dos resultados. O vitimismo dosado diariamente para justificar os parcos resultados como decorrentes da realidade herdada tem prazo de validade. Somente ditadores conseguem se apoiar na retórica de suas pequenas conquistas morais indefinidamente. E é isso que faz de Bolsonaro o mais combatido de todos os candidatos. E também é isso que faz seus adversários o compararem com Lula. Se eleito será o mais vigiado de todos os presidentes que o país já teve. E se enveredar pelo caminho da acumulação do poder pessoal – como a proposta de aumentar o número de membros do STF para seus escolhidos garantirem a maioria, e não a criação de um CNJ com controle externo –, vai criar uma oposição intensa de unidade nacional contra ele, envolvendo o espectro político que se opôs aos militares 50 anos atrás, desde a esquerda sectária até os liberais e todos os que de alguma forma estiveram contra ele com base no “eu avisei”. Se o povo conseguiu derrubar um presidente com a indiferença da imprensa, imagine com seu apoio maciço.

Ortega y Gasset chamava o conflito de direita e esquerda de hemiplegia mental. E setores da opinião pública sabem disso quando sentem que o bolivarianismo foi uma resposta fracassada aos regimes militares da América Latina que também fracassaram trinta anos atrás. As redes sociais se prestam ao papel de não só interromper a alternância destes ciclos, como ajudar a combater a amnésia histórica que nos castiga.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A maioridade do FORA PT!

Carlos U Pozzobon

As manifestações que consolidaram a oposição nas ruas, e que haverão de levar milhares ao 15 de novembro de 2014, não foram capazes de sensibilizar a imprensa desde o seu nascedouro, mas, passando como um rolo compressor sobre a indiferença cúmplice de órgãos falaciosamente zelosos na defesa da opinião pública, conseguiram surpreender as avestruzes da mídia depois da explosão atômica das redes sociais na campanha de Aécio Neves.

Agora, finalmente, a mídia descobriu o ovo de Colombo: uma manifestação de rua reúne tanta gente heterogênea que para ser representativa de uma corrente de opinião, são necessários carros de som carregando voluntários bradando palavras de ordem, e não mais centenas de cartazes pedindo o JULGAMENTO DO MENSALÃO, ou associando a CORRUPÇÃO com o PT, como se via desde 2010.

Para Augusto Nunes “os envolvidos nos protestos de 2011 nunca souberam direito quem eram e o que queriam. Como voltaria a acontecer em junho de 2013, os manifestantes sucumbiram à crise de identidade, à inexistência de objetivos claramente definidos, à falta de palavras-de-ordem que evitassem a dispersão”. [http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/ao-contrario-dos-manifestantes-de-2011-os-indignados-que-voltarao-as-ruas-em-15-de-novembro-sabem-quem-sao-e-o-que-querem/].

Esta análise mostra um erro comum da imprensa, mesmo quando bem intencionada. Ora, os envolvidos em 2011 sabiam sim o que queriam. Queriam o julgamento do mensalão. E não estavam sós; nunca estarão sós. As ruas têm a propriedade de atrair os mais disparatados grupos em qualquer lugar do mundo, quando não convocados por um partido. Há gente que vai protestar contra os salários dos aposentados, contra o atendimento nos hospitais e postos de saúde, contra maltratos a animais, e até pela liberação da maconha. Eu mesmo participei de manifestações cuja adesão crescia a olhos vistos, oscilando misteriosamente e, numa delas, em que calculei 8000 pessoas, vi Augusto Nunes aparecendo na cola da massa que descia a Av. Consolação em direção ao centro de São Paulo. Estava duas horas atrasado. Nada apareceu na Veja porque foi interpretada como heterogênea demais para ter um significado político preciso. Mas o pessoal de 2011 era o mesmo de 2014. Quem mudou foi a imprensa, não os manifestantes!!!

Como começar um movimento sem ser heterogêneo? As pessoas mais instruídas, que conhecem a marcha economicida do populismo, sabem que um bando de baderneiros não vai ficar indefinidamente nas manchetes dos jornais, apenas porque seus atos, não sendo pacíficos, podem dar o brilho pirotécnico de que precisam os telejornais para atrair telespectadores. Os embrutecidos pela inflação e pela escassez vão dar as caras nas ruas em qualquer governo bolivariano, mais cedo ou mais tarde. Basta esperar.

Na verdade, nunca teremos conhecimento total das motivações das pessoas em uma passeata GENÉRICA. Se 10 em 100 manifestantes carregarem cartazes contra a corrupção e ninguém mais carregar nenhum cartaz diferente, dizemos, genericamente, que as 100 pessoas marchavam contra a corrupção. Entretanto, quando examinamos detalhadamente, vemos que não é bem assim. No limite, pode ser que apenas 10 pessoas estejam marchando contra a corrupção e as outras 90 divididas entre diversas causas.

Em junho de 2013 participei de cinco manifestações, o que me permitiu uma análise dos presentes dividindo-os em 3 grupos: 1) os que ainda apoiavam o governo do PT; 2) os que o haviam apoiado no passado e; 3) os que nunca o apoiaram. Meu foco era, naturalmente, o grupo 2, pois ali é que estava ocorrendo o fermento da transvaloração, a mudança qualitativa no processo político que de fato veio crescendo e se manifestou no resultado eleitoral. Chamei diversas vezes a atenção para este fenômeno. Mas, os jornalistas de rua ─ em geral engajados ao PT ─ dão o tom das mentiras que terminam circulando nos jornais do dia seguinte, enquanto os respeitáveis comentaristas que não levantam do sofá, caracterizavam as manifestações como atípicas, incoerentes, incompreensíveis, e até mesmo, acreditem, de esquerda contra o governo de esquerda! Naquela data, a juventude gritava “o povo acordou”. Um ano depois estava gritando “fora PT”. Não era outra gente. Era a mesma gente que amanhã estará nas ruas ainda mais indignada contra as consequências da inflação, e que hoje ainda abriga amigos e parentes que se resguardam na crença de um Papai Noel onipotente chamado governo.

O resultado é que, em 2014, aquela heterogeneidade se converteu em homogeneidade com o propósito de eleger Aécio Neves. E a sua vitória só não foi avassaladora pela estratégia fraudulenta de contenção utilizada pelos institutos de pesquisa, colocando a candidatura de oposição na irrelevância das pesquisas eleitorais para manter o povo desmotivado nos meses que antecederam a eleição. Se essa estratégia não tivesse funcionado, e a onda de 2013 se repetisse ainda em agosto, São Paulo teria arrastado o resto do país com apenas mais 3 semanas de mobilizações, e o resultado eleitoral seria outro. Não houve o levante do resto do país como ocorreu em 2013 por falta de timing e também por incompreensão do PSDB de aliar seus comícios à estratégia eleitoral, em lugar de carreatas e passeios públicos do candidato no pós-copa.

Os indignados de 2014 são os mesmos de 2013, com a diferença de que os grupos radicais de esquerda que estavam misturados e assumiram o protagonismo no final dos protestos, em plena dispersão da massa ordeira, ameaçando jornalistas, quebrando câmeras de cinegrafistas e incendiando os carros de emissoras de TV, foram discriminados e rejeitados pelos manifestantes. Por causa disso, tornaram-se os vilões do movimento. Não foram poucos os jornalistas de sofá que se escandalizaram com a contradição de milhares (chegaram a 13 milhões em todo o país) de pessoas nas ruas e o foco não ser o descontentamento popular com o governo, porém as demonstrações acintosas dos black blocs. A imprensa sequer observou fatos relevantes acontecendo em meio a movimentação: a tentativa de grupos sindicalistas (considerados os senhores das ruas) de ganhar espaço com as bandeiras do PT em punho, para transformar a manifestação a favor do governo, o que resultou em revolta espontânea, apreensão e queima das bandeiras, além de expulsão do grupo, como aconteceu na av. Paulista. Se isto ocorreu em um setor localizado da manifestação, o que se pode dizer da generalização da massa que lá se encontrava? Esta demonstração evidente do espírito da massa, não foi o suficiente para a imprensa perceber que um contingente considerável estava contra o governo. Foi tratada como massa ignara ou fenômeno atípico, inqualificável ou manipulado pela esquerda, quando era, na verdade, o princípio do que hoje está cristalizado como o FORA PT.

Como poderia ser diferente? Poderíamos esperar que partidos políticos que não fazem demonstração de rua, que não mantém uma militância paga e organizada, pudessem estar no comando de uma manifestação, quando os políticos morrem de medo de aparecer no meio de uma massa desconhecida? Aqueles que perseveraram nos protestos contra o governo hoje podem se sentir vitoriosos. Mas não se enganem senhores jornalistas: os arruaceiros vão voltar e com uma carga de violência ainda maior. Eles detestam competir com o povo pacífico e ordeiro. Eles detestam ver a multidão bradando contra o governo. Eles precisam do domínio das ruas para impor sua agenda estapafúrdia e confirmar a popularidade do governo que lhes serve com o bolso. Eles vão cometer as ações que fazem sucesso nas fotos e manchetes. Mas eles não são o povo, não são os manifestantes, não são o espírito da nação, e só quem é estúpido ou mercenário pode atribuir-lhes créditos.

Nós que queríamos o julgamento do mensalão naquela época, fomos recompensados parcialmente. Agora estaremos nas ruas, queiram ou não queiram os jornalistas (aceitem ou não o erro de achar que o povo mudou, quando o que mudou foi apenas o desenrolar do tempo em uma direção, este mistério que a imprensa não é capaz de perceber), pois temos a certeza de estar com a verdade, e que nossa campanha vai representar a dignidade dos brasileiros contra o estado institucional do país. Podem nos avacalhar, silenciar, insultar. Responderemos com a longanimidade que faz com que a nossa causa já brote com a força vertiginosa do IMPEACHMENT JÁ, porque sabemos que a presidente tem responsabilidades sobre os crimes contra a Petrobras. E não nos importa a sopa de despistes da imprensa. Nos importa apenas a serena confiança de que somos a opinião pública e não a imprensa. Ela nos segue se quiser. Nós não nos subordinamos a ela.


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O mal-estar paulista

Carlos U Pozzobon

O povo paulista tem todos os motivos para se sentir traído com os resultados eleitorais, ao verificar que com quase 7 milhões de votos de vantagem para Aécio Neves no estado de SP, os paulistas perderam uma eleição que, bem computada, foi decidida pelo voto dos bolsistas espalhados por todo o país, embora sua concentração seja maior no nordeste.

Não se pode admitir que o estado mais desenvolvido da nação, onde a expectativa de progresso é a força motriz da sociedade, tenha seus objetivos frustrados por uma parte da população que, alijada do processo produtivo e amparada pelas provisoriedades assistenciais, tenha adquirido o 'direito' de representar a opinião pública do país.

Não se trata apenas de uma fraude no cômputo dos votos, de violação de urnas e de tantos exemplos que aparecem em clipes todos os dias. Trata-se de uma falácia no processo eleitoral que seleciona os eleitores, atribuindo direitos de cidadania a pessoas sem a independência necessária para se considerarem cidadãs.

A maior fraude que cala fundo no sentimento paulista foi a hipertrofia da democracia, em que o voto dos setores ativos da nação foi subtraído pelo voto dos setores passivos, os dependentes do estado. Como se sabe, a democracia não foi um acidente de percurso na história da humanidade. A forma mais fácil de compreendê-la é entender que é um regime em que a sociedade elege seus governantes na expectativa da melhor gestão do estado. Supor que aqueles que são sustentados pelos que financiam o estado têm o direito de decidir sobre o que o estado lhes repassa, é o mesmo que aceitar que o chantagista seja inocente em um processo de extorsão.

A inquietação que se originou do abismo entre a esmagadora vitória paulistana de Aécio e a derrota no cômputo geral não permite mais o sossego de tantos quantos lutam por uma pátria livre da corrupção e da bandalheira institucionalizada. E não há possibilidade de aceitar moralmente uma eleição que foi fraudada em sua probidade ética, quando cidadãos alienados do convívio da federação, excluídos da vida produtiva e arregimentados em currais eleitorais possam ser os eleitores cativos que decidam os mandatários do país. Nos anos 60, não se falava em reforma política, porém em reforma eleitoral. E quando se falava em reforma eleitoral, a questão que se colocava nas colunas dos jornais é que ela deveria começar pela reforma do eleitorado. Não começou nunca. Todas as tentativas de selecionar o eleitor viraram letra morta na prática populista que infestaram os costumes políticos.

Ao contrário do ordenamento jurídico, para o sistema eleitoral, o retirante, o andarilho, o sem teto, o sem terra, o índio ou o presidiário são considerados cidadãos aptos e capazes. O voto obrigatório torna cidadão o assassino, o estuprador, o larápio e o delinquente. Um cidadão honesto e responsável tem seu voto anulado por um marginal. E juntamente com os despossuídos, os olvidados, os que perderam o lugar no penoso processo de progredir é que se tornam os capacitados para fazer parte da mais importante decisão da República: a eleição de seus mandatários. Logo, a política foi obrigada a incorporar o discurso daqueles que são capazes de fazer a coleta miúda desses votos, e o varejo político é sempre o reflexo do modelo eleitoral, e não poderia ser outra realidade que a supremacia da demagogia, do toma lá dá cá, das malas de dinheiro cruzando de um lado para outro como moedas correntes do estelionato eleitoral.

Não existe outro nome para o terrorismo político consubstanciado em ameaças de perda dos benefícios do bolsa família que não se classifique como estelionato eleitoral. E foi o que aconteceu em todos os quadrantes onde o bolsa família tinha uma concentração urbana considerável.

Os paulistas, pela enormidade dos votos dados a Aécio têm, a partir deste momento, a autoridade para comandar a reação ao estelionato eleitoral e buscar cada vez mais adesão a causa que aglutinou a oposição até aqui: o FORA PT. Os fatos econômicos, as tentativas de amordaçar o que resta da democracia, já são o suficiente para a ignição do ânimo popular no estado inflamado em que se encontra a sociedade com o resultado qualitativo das eleições. A qualquer momento, as multidões nas ruas vão mostrar que eleições não se legitimam com a anuência dos grotões chantageados pelo governo cujo ativismo político não se sustenta mais sem um exército mercenário agindo descaradamente. E o desgaste resultante haverá de provocar as rachaduras no bloco aliado a ponto de implodir o governo. A oposição das redes sociais não se cansa nunca. Ela faz da crítica a sua arma favorita. E não dará sossego ao governo, pois já sabe que o fracasso deste mandato será seu indetível destino.


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A inocência do PT

Carlos U Pozzobon

Depois de todas as evidências e condenações, ainda resta saber por que o PT insiste em defender seus militantes. Não creio que seja difícil descobrir as motivações que os levam em direção contrária ao comportamento dos outros partidos também réus do mensalão.

Quando o governador Roberto Arruda foi denunciado, e, tempos depois, o senador Demósthenes Torres, a direção nacional do DEM, seu partido, expulsou-os sumariamente, ainda antes da formalização de um processo de culpa, baseado apenas nas denúncias apontadas. No caso do DEM, verificamos que a moral não pertence ao partido, mas aos seus membros. Se um militante sai dos trilhos, é abandonado e colocado para fora. Não no caso do PT, para quem a moral individual inexiste, somente a moral social. A moral social implica em entender a sociedade capitalista como um mal em si, que deve ser destruída pela ação partidária, justificando todos os excessos que não se limitam ao desvio de dinheiro público, mas até mesmo de atos repulsivos, como o assassinato de companheiros que não se subordinam às instruções do partido, como foi o caso de Celso Daniel.

A moral é a do partido e, portanto, se os seus membros cometeram delitos e o partido os nega, todos os seus militantes passam a negar, mesmo quando condenados pela mais alta Corte da Justiça, à qual veem como um ‘tribunal de exceção’.

Por que isso? Qual a causa motora de semelhante comportamento? Creio que se encontra nos fundamentos da doutrina petista. Entendendo a sociedade como MORALMENTE INJUSTA, os petistas têm uma visão revolucionária de justiça, aquela que postula a tomada do poder para atingir outra sociedade, valendo nesta transição todos os jogos inescrupulosos para acumulação de poder. Para transformar a sociedade, é preciso usar seus instrumentos e, para isso, estabelecem um discurso de suposta sujeição às regras do jogo, que na verdade serve para mascarar um segundo discurso de subversão a essas regras, para fins particulares e internos. São assim postulantes da democracia por conveniência e se destacam dos demais atores da cena política, que são democratas por convicção. Essa diferença de atitude é revelada pela proteção aos "infiéis". Para um democrata por convicção, um delito é sempre algo individualizado. Para um democrata por conveniência, um delito só existe fora do seu núcleo de vanguarda, para atender aos interesses do partido, mesmo que alguns membros tenham ficado ricos. Ele só passa a indivíduo quando trai o partido. E nesse caso...

A defesa dos mensaleiros feita por setores até mesmo simpatizantes do PT (para não falar da cúpula não envolvida no processo) tem assim a premissa da defesa de uma sociedade imaginária, onde a retidão moral seja obrigatória, e onde os seres humanos não cometeriam delitos de corrupção porque não haveria sequer a propriedade para conspurcar esse ideal.

Isso explica a coerência interna do partido. Afinal, se o PT defende um regime homicida como o de Fidel Castro, cuja nomenclatura se apropriou de toda a ilha, por que não haveria de defender seus membros envolvidos em delitos de desvio de dinheiro para fins partidários? Comparado com os crimes cometidos por dirigentes internacionais que o PT apoia, o mensalão é mesmo uma coisa muito pequena.

Mas se o que está em julgamento é o mensalão pelo STF, o que a sociedade precisa entender é que assim como eles se eximem de qualquer culpa moral pelos delitos que praticam, merecem serem banidos da vida política da nação com a mesma generalidade, isto é, de amoralidade inaceitável para o jogo democrático e banimento perpétuo de todo o partido e de seus membros, tal como costumam fazer com seus adversários quando tomam o poder. A democracia é um regime que está sob constante ataque, por isso precisamos aprender a depurá-la de seus inimigos. Ela só existe verdadeiramente na CONDUTA, e aqueles que, em partido constituído, não se inserem em sua égide, devem ser banidos da vida pública. Espero que o processo do mensalão seja o estopim para um avanço institucional no sentido de não permitir partidos políticos que não tenham o perfil adequado ao debate democrático, já comprovado pela PROCLAMADA cumplicidade nos delitos de seus dirigentes.


sábado, 4 de agosto de 2012

O julgamento do mensalão pode ser nossa última esperança

Carlos U Pozzobon

O relatório do PGR Roberto Gurgel mostra a extensão da rede de suborno criada pelo mensalão. A ênfase com que ele repetiu na TV que o chefe da quadrilha era o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, através dos depoimentos de dezenas de testemunhas, muitas delas que sequer tinham relações entre si, não deixa dúvida sobre o teor da acusação. O que podemos esperar para as próximas semanas será o confronto entre a peça acusatória e a defesa dos réus, permitindo com isso fazer com que o público fique instruído sobre o que está sendo julgado. Não será uma tarefa fácil, posto que a distância entre a acusação e a defesa no caso de 36 réus, torna o processo factível de ser acompanhado somente para quem está muito familiarizado com cada um dos tópicos da acusação. Mas esse deverá ser o papel da imprensa séria que nos alimenta com os fatos confiáveis sobre a vida política nacional.

O fato mais característico no julgamento do mensalão é a reação que ele pode causar em uma sociedade que já o absorveu com outras técnicas. Como se trata de um estilo de corrupção que parece ter sido interrompido importa saber como ele foi geneticamente modificado para continuar produzindo os frutos da anuência social em torno do partido mais corrupto que já existiu na história da República.

Tal partido não se manteria com sua base eleitoral expandida se não tivesse em permanente processo de cooptação social. E a maneira como a imprensa se refere ao maior escândalo de todos os tempos mostra que, ao avançar sobre veículos de comunicação, com publicidade direta, ou compra de cabeças de aluguel através do financiamento direto de blogs de jornalistas, proliferando-se na vida pública do país com a disseminação generalizada de aditivos contratuais criados com os mais estapafúrdios argumentos para obras paradas, como a transposição do SF em que se assinou uma pesquisa do conhecidíssimo solo da caatinga para justificar o bombeamento de dinheiro pelas valas da política, ou da ferrovia norte-sul e transnordestina cujos desvios já se tornaram rotina não para os trilhos dos trens, cujas locomotivas a ela ainda não chegaram, mas para os comboios fantasmas de dinheiro rumo aos paraísos fiscais. Ou quem sabe as verbas fantasiadas de caipira no financiamento direto da Petrobras para milionárias festas de São João no hinterland brasileiro, com quentão e fogueteio garantido não só para os foliões mas, sobretudo, para a farra generalizada de aliados do partido. Ou o travestimento de cultura no sustento direto de eventos carimbados pelo tráfico de influência do jabaculê artístico, sem esquecermos a aprovação de projetos milionários e francamente superfaturados de renúncia fiscal pela Lei Rouanet para compositores e cineastas contratados para louvar a figura presidencial. Ou quem sabe com a assinatura de decreto-lei proibindo o TCU de investigar a destinação do imposto sindical para um dos esteios mais representativos do apoio social do governo. Ou as consequências da emissão de um decreto para evitar a fiscalização das obras da Copa do Mundo chamado eufemisticamente de Regime de Contratação Diferenciado. Ou a famigerada proteção de investigação do extraordinário faturamento da Delta na CPI do Cachoeira, com uma vexaminosa mensagem de SMS que revela a continuação da chamada “organização criminosa” quase dez anos depois da denúncia do mensalão com o cifradíssimo código: “você é nosso e nós somos teu”. Tudo leva a crer que o julgamento do mensalão é apenas o preâmbulo, um entreato de um estilo de fazer política em que a corrupção se tornou sua própria essência.

Afinal, o PT sempre anunciou que tinha um novo estilo de fazer política: e de fato a promessa foi cumprida. Esta foi sua nova política, e com ela a cumplicidade de sua plutocracia e a evasão ou omissão causada pela imoralidade corrente de seu desdobramento. Nesse momento, nosso interesse no STF não passa da curiosidade de saber se o pós-mensalão já foi capaz de contaminar também a Suprema Corte. O comportamento dos ministros, seus argumentos e votos será nossa última esperança, ou talvez a comprovação de que a metástase do mensalão já não tem mais socorro no firmamento nacional.


sexta-feira, 29 de junho de 2012

Do Ecomisticismo ao Ecofatalismo

Carlos U Pozzobon

As discussões em torno do Código Florestal e as mobilizações com a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, e, pouco depois, a conferência internacional Rio+20, colocaram a questão ambiental na ordem do dia com enorme intensidade em 2012.

Novamente, o país se divide em grupos de opinião, destacando-se comunidades envolvidas com a preservação ambiental, o mundo acadêmico, a imprensa e as redes sociais. Nossa escassa formação cultural, nosso subdesenvolvimento, nosso anticapitalismo de cátedra, nosso apartheid social institucionalizado, nosso mundo sorrateiro de vilanias e iniquidades nos tornam uma comunidade desconfortavelmente dividida, e o ambientalismo vem bombardear tudo o que antes se conhecia em termos de progresso e futuro. Porque, quando se discute a questão ambiental, o progresso é bradado com a altissonância do desejo de regresso, e o futuro proposto com a roupagem do passado colonial do verde sem fim.

Desde as seitas talibânicas do ambientalismo primitivo até os militantes das forças ocultas dos interesses internacionais, os representantes do mundo selvagem e os intelectuais de asfalto, todos conseguem formular com renomado desdém qualquer visão de progresso capitalista como superação de desigualdades, propondo uma visão de futuro como uma volta ao passado silvícola do latifúndio improdutivo, tantas vezes execrado pela geração que antecedeu nossos universitários.

Como a questão ambiental chegou a esse ponto não é fácil de entender, sobretudo quando percebemos que por fora, e com um processo político dos mais tortos e intelectualmente obscuros, se organizaram milícias de mercenários intelectuais, cabeças de aluguel, em todos os níveis do Estado. O difícil é entender a conjunção, em um mesmo momento, de diversos fatores aparentemente contraditórios.


Ecomisticismo

O ambientalismo é um conhecimento empírico, mais associado à mitologia do que qualquer outra ciência, até mesmo a filosofia. Tal como as narrativas que envolvem os deuses pagãos e suas relações com a natureza, o ambientalismo formula conceitos de pureza ambiental de origem mitológica, destacando mitos que contribuem para que se estabeleçam a posteriori posições políticas equivocadas sobre a proteção ambiental.

O mito da fontes d´agua como locais sagrados

O primeiro mito é o das fontes nascentes de córregos e rios. Pela mitologia greco-romana, as fontes eram o local reservado a cerimônias em que as ninfas apareciam para recitar versos e celebrar rituais. Deusas gregas, romanas, celtas, e provavelmente de todos os povos, estão associadas à pureza das águas, às fontes, córregos e mares. Tais mitos influenciaram tremendamente nossa visão do sagrado. A América foi fundada em torno do mito do Eldorado, um território onde deveria haver cascatas e fontes em que todo aquele que bebesse de suas águas permaneceria na eterna juventude, nunca mais envelhecendo. Em Visões do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda investigou nossas fantasias com relação à natureza nos 2 primeiros séculos de formação histórica do Brasil.

Nossa exuberância tropical está relacionada com nosso verde único e nossos recursos aquíferos sem igual. Para quem conhece o Brasil, no seu interior profundo, sabe que as fontes são um dos patrimônios mais cativantes de nossa natureza. Aqui temos o primeiro mito que informa nosso sistema político – de que as nascentes devem ser preservadas longe de qualquer atividade humana. A proteção dos mananciais faz parte do discurso político de candidatos de todas as espécies, e parece estranho que ainda se fale sobre um assunto que deveria estar resolvido há muitas décadas. Mas se as fontes fazem parte da cultura humana, poderíamos supor que elas dispensam controvérsias, admitindo uma lei que apenas mencione sua importância. No entanto, o Código Florestal prevê a necessidade de se proteger 80 metros de distância do principal olho d’água. O porquê de 80 e não 20 ou 150 metros é um argumento sem resposta. E o tipo de fonte d’água também não é especificado. Assim, uma vertente ocasional pode receber o mesmo confisco territorial que um manancial caudaloso. Trata-se de mitos relacionados com a pureza da água. E qual o sentido de se proteger a nascente, se no percurso da água seus diversos tributários não sofrem o mesmo cuidado?


O mito dos córregos limpos

Da mesma forma o córrego. Um córrego é tanto mais puro quanto mais cercado estiver de vegetação. Achamos que a água se conserva fria pela sombra, e esta proteção garante sua pureza. Trata-se de outro mito que não encontra justificativa científica. Basta argumentar que um córrego que serpenteia um campo pode ter águas mais limpas do que outro coberto de vegetação, apenas porque não cai sobre ele uma grande quantidade de folhas e galhos, quando não troncos inteiros de árvores, ninhos de pássaros, excrementos de animais, e todo o tipo de detritos do ecossistema. O córrego protegido da vista humana nos parece muito mais límpido e cristalino do que se estivesse correndo em campo aberto.

O mito das matas ciliares

A partir do córrego criamos outro mito brasileiro: o das matas ciliares. Como as terras ao redor de rios e córregos são úmidas, formam espontaneamente uma vegetação, bastando que se deixe a terra intacta. Mas, nesse caso, não se entende que a educação ambiental para a conservação das matas ciliares seja suficiente, e até mesmo compatível com o interesse do proprietário em manter uma reserva de biomassa para uso contínuo. É preciso uma lei que estabeleça as metragens de mata nativa na beira de rios, sem critérios científicos. Considera-se um barranco nu ou gramado sujeito à erosão pelo movimento variável das águas, enquanto que coberto de vegetação seria protegido do desbarrancamento pelas raízes vegetais.

O mito da mata ciliar como proteção contra erosão

A questão das matas ciliares é mais um mito associado a ideias antigas. A verdade é que cada caso é um caso. Não existe uma razão comum para que possa ser transformada em um princípio universal. Barrancos altos em certas curvas de rios, quando chegam as cheias, são mais castigados quando têm vegetação do que quando não têm. Uma das razões, é que as águas ao derrubar certas árvores na margem terminam sendo forçadas a desviar seu fluxo mais violento quando estas mesmas árvores ficam dispostas transversalmente ao rio, provocando mais erosão pela virulência dos obstáculos do que se não estivessem junto ao barranco, antes de serem carregadas pelas águas turbulentas das cheias. Portanto, quem conhece nossos rios sabe que a mata ciliar é um mito como proteção contra erosão, pois as características geológicas do leito dos rios associadas ao regime das águas tornam a dinâmica dos rios incontrolável por ação humana, em certos casos. Entretanto, a mata ciliar é invocada também como fonte de conservação da biodiversidade, já que sua natureza úmida abriga diversas espécies animais.

A prevalência do homem sobre a natureza implica em fazer escolhas em meio à biodiversidade que lhe cerca. Assim, não deveria haver mata em uma propriedade com uma casa muito próxima a um rio, para que seu morador não corresse o risco de ser devorado por muriçocas, aracnídeos, répteis, ofídios, e outros animais indesejáveis. Conforme o lugar, a escolha pela biodiversidade pode condenar o homem a abandonar seu habitat. Portanto, uma lei não deveria ser draconiana a ponto de estabelecer regras que nem sempre podem enquadrar a natureza e a cultura humana. O homem não deveria ceder seu lugar a uma natureza indesejável ou perigosa para si. Mas isso sequer é considerado no debate ambiental. Os ambientalistas de asfalto e os ecologistas de apartamento acham que a preservação da natureza deve ser resolvida com soluções genéricas cabíveis em artigos de lei.


Áreas de proteção permanente – APPs

Da mesma forma, as APPs não têm relação com a ciência, porém com a necessidade de se aumentar o colchão vegetal do país. Um princípio geral pode se chocar com a realidade local, como têm assinalado os críticos do Código Florestal. Não obstante, descobriu-se na região de Sorocaba uma solução vergonhosa para a aplicação do reflorestamento. Uma propriedade, cujo proprietário necessitasse explorar a área onde deveria haver mata, poderia comprar áreas de mata equivalente da prefeitura na forma de parques de conservação. Os tais parques de conservação seriam administrados por empresas privadas, recebendo 80% do valor do hectare vendido. Falaram em 13 mil reais o hectare, com o negócio total superando 1 bilhão de reais. Trata-se de mais um caso de utilizar a questão ambiental para formar máfias com a finalidade de explorar os proprietários de terras. Pois, se o que conta é a mata, então a prefeitura poderia criar um parque florestal de compensação e mantê-lo cercado, tomando apenas o cuidado de evitar penetrações indesejadas, não necessitando de mais argumentos do que o de criar áreas verdes para compensação ambiental do município. Mas isso seria civilizado demais para nossos padrões. No espírito ambientalista, o que vigora é adequá-lo à ideologia da rapinagem da população, já consolidada na estrutura do modelo político e tributário.


Misticismo Moderno

A partir dos anos 70, começaram no Brasil os movimentos de valorização dos produtos naturais, quando apareceram lojas de ‘produtos coloniais’ cultivados no modo tradicional – sem conservantes nem agroquímicos, produzidos por pequenas propriedades rurais. Durante certo tempo, tiveram boa aceitação no mercado, mas depois foram praticamente extintas no meio da crise geral inflacionária e da perda do poder aquisitivo da classe média. Nos EUA, na mesma época, apareceram cooperativas de produtos naturais também cultivados sem agroquímicos.

Com o conhecimento de diversos cereais não constantes na mesa tradicional das famílias, o conceito de alimentação natural se expandiu. E uma filosofia de interação homem-natureza apareceu como caudatária dos movimentos hippies, que haviam adotado certo tipo de vida comunitária, e que se baseavam em um complexo de filosofias e atitudes.

O ecomisticismo de Ricardo Braun

Um dos livros que explica esse movimento chama-se Novos Paradigmas Ambientais (desenvolvimento ao ponto sustentável) de Ricardo Braun (Editora Vozes – 2005). O autor é doutor em ciências ambientais pela Universidade de Aberdeen na Escócia e, portanto, uma autoridade para ser ouvida na questão do ecomisticismo. Ele apresenta os índices de degradação ambiental do planeta curiosamente incluindo a fome, a desnutrição de quase 1 bilhão de pessoas, mas também a escassez de água, os problemas com a redução dos cardumes marítimos, a extinção das espécies, a perda de solo fértil pela erosão, etc. Apresenta todos os parâmetros como sendo derivados da ação humana, e é aí que começa a primeira dificuldade para entender os argumentos de órgãos como o Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente (PNUMA).

Como entender que a fome e a desnutrição sejam um problema da natureza e não do homem? Por que misturar coisas imiscíveis? E também como entender outras afirmações de Braun como a de que anualmente se perdem mais de 25 bilhões de toneladas de solo fértil pela erosão, que o faz escorregar para os rios e para o mar. Mas se o homem não existisse não haveria erosão? Quanto dessa erosão se pode efetivamente atribuir ao homem e quanto à natureza em si mesma, é uma pergunta que não tem resposta factível. Ou, ainda, dizer que 70% dos estoques de pesca marinha estão sendo explorados acima de sua capacidade, e que os oceanos não podem mais suportar as atividades pesqueiras, são afirmações que desconhecem o fato de que para sanar o problema de um bem inserido na oferta e procura da economia de mercado, a própria demanda se encarrega de sanar tal problema. As fazendas marinhas conhecidas tendem a aumentar, deslocando a pesca extrativista dos mares para a pesca em águas privadas, permitindo controlar sua produção da mesma forma como se faz com frangos e gado. Aliás, temos diversos exemplos de peixes e camarões sendo cultivados em cativeiro.

Não obstante, a apresentação dos dados por Braun envereda para o ecofatalismo, um artifício que – vociferando ameaças apocalípticas – pretende canalizar mais verbas para instituições parasitárias do ponto de vista da produção, ignorando a capacidade humana de superar a ameaça de extinção de certas espécies biológicas, se houver demanda por elas dentro do contexto da economia de mercado. Como neste país ninguém fala nas virtudes do lucro, tampouco se utiliza o argumento de que frangos, suínos e bovinos não irão se extinguir simplesmente porque estão na nossa mesa.


Ecovilas

Ricardo Braun fala ainda dos movimentos criados em torno das ecovilas ao redor do mundo. As ecovilas propunham um estilo de vida que combinavam a sobrevivência através de métodos coletivos de sustentabilidade aliados ao desenvolvimento espiritual do indivíduo e à promoção de atividades culturais. Uma das instituições pioneiras em ecovilas foi a Fundação Findhorn da Escócia que, ao perceber a disseminação dos condomínios ecovilas, criou uma rede global de ecovilas para a troca de experiências entre seus membros e para aperfeiçoar técnicas e expandir atividades. As ecovilas reúnem assim conhecimentos de tecnologias alternativas (energia solar, eólica, compostagem e tratamento d’água), arquitetura ecológica, alimentação orgânica, dinheiro alternativo (com moeda de referência limitada a alguns tipos de escambos internos) e, por último, espiritualidade.

A questão da espiritualidade merece uma análise à parte. Neste aspecto, seus integrantes apresentam alguma relação com o budismo, seja na prática de meditação como nos rituais próprios da religião, enquanto outros se dedicam à ioga, e ainda outros à busca de uma religião independente, bem como uma filosofia de vida com alto teor de esoterismo.


Equidade Biocêntrica

A visão de mundo é fundamentada em um princípio chamado de Equidade Biocêntrica, que significa “todos os elementos e seres da biosfera possuem o direito de viver e se desenvolver plenamente para atingir sua própria forma individual e realização dentro do todo (o ser no ser)” (p. 33). Esse princípio implica em uma visão do mundo fundada no altruísmo. Dizer que todos os seres têm direito à vida revela apenas as boas intenções, mas na verdade o que sabemos é que a vida humana está sempre em luta com outras formas de vida que lhe são hostis, ou atrapalham seu caminho ou atividade. Desde que os homens viviam em cavernas trataram de eliminar todas as formas de vida hostis, não apenas animais. E até hoje o homem continua combatendo bactérias e fungos, ratos e escorpiões, mosquitos e baratas, e sabe-se lá onde vai parar esta lista, pois cada comunidade tem seus “entes biológicos” a combater.

Esses movimentos contêm erros teóricos preocupantes, como o da proposta de um governo mundial, altamente combatida nos dias atuais por se tratar de uma proposta de governo não eleito pelo povo, ademais o de colocar nos mesmos valores qualitativos as opiniões de civilizados e cultos com as de atrasados e ignorantes, sendo por isso um artifício seguramente populista e totalitário, com implicações que ultrapassam o escopo deste artigo.


Misticismo Moderno

O moderno misticismo não se baseia mais na alquimia de transformar prata em ouro, porém na vinculação dos valores espirituais com o mundo das partículas atômicas. O complexo mente-corpo-espírito é imbuído de energias que precisam ser explicadas através do equilíbrio. Não se sabendo no que consiste o equilíbrio, se na serenidade do ócio ou na preguiça justificada, pois na natureza qualquer equilíbrio é sempre instável, parte-se para o mundo obscuro da física quântica – obscuro evidentemente para não físicos – e se chega assim a criar relações de identidade entre os fenômenos atômicos da matéria com os da consciência. Nisto entra tudo o que a ciência pode estar elaborando, mesmo que ainda sem comprovação. O misticismo ecológico é assim uma sopa tomada de empréstimo da ciência a serviço da paz interior.


Máquina Thesta Distática

Chega a ser chocante ler a opinião de Braun sobre a máquina Thesta Distática. Trata-se de um gerador de energia elétrica de um metro cúbico de dimensão e que funciona violando alguns princípios da física, como o princípio da conservação de energia, que se chamava de motocontínuo. Seu inventor, um tal de Prem Oscar, garante que ela produz até um megawatt de energia elétrica. Está instalada em uma clínica para tratamento de saúde nos Alpes suíços. Ao ser indagado se a máquina não deveria ser disseminada mundo afora, especialmente em regiões carentes da África, ele simplesmente respondeu: “... a Thesta Distática só funciona em ambiente meditativo, onde as pessoas e a atmosfera geral estivessem em sintonia com as vibrações superiores da energia livre” (p. 161). Essa máquina é um gerador perpétuo estruturada com placas de metal sobre uma folha de plástico, que giram entre as escovas de metal produzindo energia elétrica. A geringonça tem um sistema de retroalimentação que a mantém funcionando sem parar movida pelo movimento perpétuo que move os planetas e as estrelas do Universo. E o autor não consegue esconder seu espanto: “sem dúvida um verdadeiro ovo de Colombo para a crise energética atual” (p. 161). Como alguém pode acreditar que um físico maluco possa inventar uma máquina que viole os princípios da física é algo que só a razão mística pode engolir.

Mas as surpresas não param aí. Na busca incessante pelo conhecimento de partículas atômicas, os físicos que trabalham nos laboratórios de partículas atômicas criaram uma hipótese para uma partícula que seria mais rápida do que a luz e que teria uma função estranha com o tempo. Ela poderia se deslocar para o passado. Essa extravagância não pode ser comprovada até hoje, mas as pesquisas científicas continuam com o bósom, outra partícula-hipótese misteriosa e sem qualquer conclusão, apesar do grande sensacionalismo que encobre suas propriedades. Pois bem, do ponto de vista da superstição, a partícula com essa propriedade seria capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, abrindo caminho para que a consciência mística atribuísse a tal transcendência, a existência de um esquema de onipresença no Universo.

Sendo assim, a onipresença corresponde a um estado superior de repouso no Universo, também chamado Ponto-Zero. A fantasia mística é levada ao paroxismo de dizer que sendo uma energia que inclui todas as outras energias, como a astral, a etérica e a energia eletromagnética, ela flui através de um continuum energético que se origina de uma única fonte – a Mãe Divina como é chamada na Índia; o Espírito Santo para o Cristianismo; ou Energia Cósmica para a New Age. E, na física moderna, a Energia do Ponto-Zero é uma explicação para o velho vácuo (p. 158).


Mística Quântica e Ambiental

Assim colocada a mística em torno dos problemas físicos, como ela se insere no ambiental? Primeiro ela passa pelo mental, pois nossa saúde estaria vinculada a este continuum energético. Tudo o que faz parte do corpo humano estaria codificado na forma de energia dos táquions. “Um claro exemplo disso pode ser observado na fauna selvagem, pois os animais que não tenham sido influenciados por qualquer ser humano normalmente possuem um estado de saúde quase perfeito. Quanto mais naturais na alimentação, no pensar e no ser, mais estaremos permitindo a energia táquion fluir não somente pelo nosso organismo, mas também dentro de nossas células e de nossos corpos sutis, promovendo a organização e o balanceamento do metabolismo da maneira como deveríamos realmente funcionar” (p. 159). Eis aí como o esoterismo se vincula ao ambientalismo, sem nenhuma concessão à razão. Um discurso de efeito, mas desprovido de evidências; uma captura apriorística de sentido para explicar eventos sem qualquer fundamentação no conhecimento científico. Enfim, a razão mística voltada para o passado transcendente onde todas as forças telúricas tenham sua narrativa impregnada do empréstimo tomado à ciência de seu vocabulário e vulgarização popular de seus conceitos.


Ecofatalismo: Marxismo Ecológico

Outra corrente ecológica baseia-se no marxismo acadêmico depois da derrubada do Muro de Berlin. Se no misticismo ecológico muitas ideias em circulação não se podem comprovar, no marxismo ecológico, ou ecofatalismo, quase tudo pode ser refutado. Desde a terminologia até os argumentos. Um livro basilar para se entender essas ideias é o do professor Carlos W. Porto-Gonçalves da UFRJ, com o título: A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização (Civilização Brasileira – 2006).

Para criticar o livro do professor Gonçalves de 460 páginas seriam necessárias outras 460 páginas, tal o universo de perplexidades que ele lança página após página sobre história, geografia (sua especialidade), sociologia, política, economia, e afins. Sua crítica mistura vitimismo (motivos do nosso subdesenvolvimento), fatalismo (mundo avançando para seu fim), ressentimento (treinamento para o espírito de inferioridade), nacionalismo (base de dados que compõe o elenco de informações do marxismo), historicismo (certeza no futuro) e catastrofismo (destruição da natureza pela produção intensiva) ...

Na página 14, roído pela superioridade dos EUA sobre a URSS na corrida espacial diz: “na lua finca-se uma bandeira. E não é a bandeira do mundo – é a bandeira dos EUA”. Essas pérolas do pensamento tupiniquim ressentido, do primitivismo brasileiro, percorrem todo o livro em incontáveis passagens. Para ele, supõe-se que a única bandeira do mundo deve ser a bandeira das Nações Unidas, odiada pelos EUA com toda a razão, pois quem é grande não gosta de trampolim para os que se recusam a seguir o caminho de sua própria grandeza. E imagine-se em plena guerra fria os EUA não se limitando a si mesmos, mas arrogantemente pretendendo representar toda a humanidade, colocando uma bandeira do mundo na lua. O que não diriam os marxistas de todo o mundo com semelhante afronta? “Como eles ousam representar a humanidade, este povo de imperialistas e saqueadores do resto do mundo?” Pois bem, limitando-se a sua nação, ele acha que isso é um gesto de arrogância, e não de liderança, supremacia tecnológica, etc.

Para o professor Gonçalves, no mundo impera uma “injustiça ambiental”, o caminho neoliberal do mundo nos últimos 30 anos colocou sérios riscos não só para a humanidade como para o planeta. Como provar isso? Não há provas, apenas afirmações peremptórias.

O esquerdismo desapegado, ressentido com o fracasso comunista, mas que não conseguiu enxergar neste fracasso seu conteúdo totalitário fez, ao contrário, a manutenção da ideologia, expurgando a nominata marxista para filtrar apenas o essencial – o Estado como fim e objetivo da ordem social. O resultado é a continuidade do pensamento marxista fazendo de conta que sua experiência histórica não existiu, ou que não lhe era legítima. Assim, a globalização é mantida como sendo o regime em que organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, “vão se constituindo em peças-chave da afirmação hegemônica dos Estados Unidos no mundo, contribuem para diminuir (sic) o poder soberano de outros estados e para sua maior subordinação ao capital financeiro internacional” (p. 22).

Não entende o professor que tais bancos tenham sido criados para financiar programas de saneamento ou transportes públicos (Banco Mundial), ou dívidas das balanças comerciais e déficits públicos (FMI). Ao contrário, para o professor os bancos foram criados para tornar os países dependentes dos EUA. É um caso em que uma suspeita factível somente a analfabetos se transforma em uma superstição exequível somente a certos catedráticos vitalícios. Ora, se um país recorre a um empréstimo do FMI é porque tem alguma coisa em suas receitas e despesas do Estado, caso contrário, não recorreria. E são sempre países cujas oligarquias estatais desperdiçam irracionalmente movidas pelo sistema político populista. Mas isso é exatamente o que o professor Gonçalves não pode admitir. Fracassado o marxismo, é preciso conservar a todo o custo a ideologia do Estado como bem público, e as estatais como expressão desse patrimônio público, caso contrário, ele teria que se converter à ordem liberal. Como isso seria a confissão de uma apostasia, sua teoria consiste em esconder a responsabilidade do Estado no desatino dos países do terceiro mundo, Brasil na frente. Seu recurso é apelar para o vitimismo, tão abusado ao longo do século XX. Difícil sustentar tais argumentos quando temos o caminho asiático ao capitalismo como prova inconteste da negação da razão estatista como fator de desenvolvimento e progresso para a superação da pobreza e da ignorância.

Pilotando a nau dos insensatos, Gonçalves chega a afirmar que a propriedade privada priva os não proprietários e assim se constitui em escassez como base da economia mercantil capitalista (p. 123). Privar as formas de riqueza... é a condição para que se instaure o reino da economia mercantil (p. 123). Essa é a explicação mais bisonha que já apareceu sobre a propriedade privada. Sua confusão é total e insalvável. Para demonstrar que o mundo científico não pode ter uma visão única, porém pluralista do Universo (como se fosse possível duas verdades contraditórias), chega a citar o princípio da incerteza de Heisenberg como sustentação de que a ciência deve ser alimentada por múltiplas correntes. Ora, para a física quântica, o tal princípio da incerteza trata apenas de uma imprecisão relativa ao que se conhece com relação à posição de uma partícula e ao seu momento num mesmo intervalo de tempo.

E a própria Wikipedia adverte o professor Gonçalves para esse tipo de erro: “Thus, the uncertainty principle actually states a fundamental property of quantum systems, and is not a statement about the observational success of current technology” http://en.wikipedia.org/wiki/Heisenberg_uncertainty_principle. Parece que este argumento já foi utilizado por outros amigos ideológicos do professor Gonçalves para que a Wikipedia colocasse tal advertência.


Sincretismo ou Morte

A tentativa de sincretizar o raciocínio marxista latino-americano com o ambientalismo cria o ECOFATALISMO, uma doutrina em que o meio ambiente entra como objeto de exploração e cobiça do capital internacional, integrado ao tradicional discurso do papel excludente de fornecedor de matéria prima reservado ao Brasil. Era de se esperar que a ascensão asiática fosse enterrar este discurso, pela notória evidência de que países subdesenvolvidos podem ascender aos padrões de vida do primeiro mundo, mas o marxismo verde-amarelo continua renitente em admitir seu fracasso quase secular.

Ao contrário, seu discurso continua usando jargões do tecnocentrismo, um eufemismo para a tecnologia desenvolvida nos países avançados (repito, não há uma palavra em todo o livro para o fenômeno asiático), e da subordinação norte-sul, em que o sul é forçado a entregar suas matérias primas para sustentar o norte rico e prepotente. Com isso, a modernidade é inseparável do colonialismo expresso na apropriação de matérias primas e, agora, na destruição ambiental.

Esse tipo de embrulhada envereda até pela terminologia, ao distinguir os países entre capitalista monopolista de Estado e capitalista de Estado monopolista. Os primeiros seriam os liberais e os segundos o resto. Ora, capitalismo de Estado monopolista é um pleonasmo, pois todo Estado é um monopólio.

A perplexidade está em cada página, em cada argumento do professor Gonçalves: “A ciência e a técnica modernas, tal como concebidas pelo Ocidente europeu e expandidas pelo mundo, foram instituídas como critério não só de verdade, mas também, como se essa verdade tivesse uma bondade naturalmente nela inscrita. Com isso, a verdade científica deslocou outras formas de construção do conhecimento e se tornou uma verdade possuída por uma espécie de mais-valia simbólica: o que é científico é bom e, assim, o Estado e os gestores passaram a invocar a verdade científica como se fora A Verdade” (p. 85).

E o que mostra que A Verdade não é verdadeira? O fato de o homem basear seu conhecimento usando cobaias e sacrificando animais cria uma premissa que em si mesma não é científica, pois nenhum princípio autorizaria semelhante atrocidade contra a natureza. Ou o autor deseja que se use o próprio homem em experimentos de laboratório, o que não é de acreditar, ou então o homem renuncie ao conhecimento, e ficaríamos sem os modernos fármacos que vêm revolucionando a cura de tantos males e, no segundo caso, o homem deveria se tornar vegetariano. Mas ele fala como se a nossa moral tivesse que evoluir para uma forma de conhecimento totalmente avessa ao próprio uso da natureza como recurso disponível à nossa vida.

Com tantos retorcimentos idealistas, ele finalmente revela um segredo de polichinelo que comprova que o marxismo é um derivativo do fascismo: o Estado é o poder público e o risco à democracia consiste no deslocamento do poder público para o mercado. Quando a lógica do mercado penetra nos organismos públicos ela logo degenera. E ainda cita a Embrapa para mostrar a verdade do modelo de empresa estatal. Quando sabemos que as pesquisas da Embrapa foram totalmente solapadas pelos talibãs da CNTBio, que com diversos artifícios de sabotagem ideológica conseguiram fazer com que a empresa passasse de 70% para 30% no fornecimento de sementes transgênicas, permitindo que Cargyll e Monsanto ficassem rindo à toa com o marxismo atuante no controle dos resultados da Embrapa. Aliás, como acontece agora com as multinacionais petroleiras que se refestelam nos lucros vendendo gasolina para a Petrobras petista desde os EUA. Naturalmente que esses argumentos nem sequer chegam ao vaticínio do professor Gonçalves.

E quanto ao risco à democracia o que podemos dizer? Será a democracia que está contida no nome da República Democrática Popular da Coréia, para expressar o regime da Coréia do Norte?

Mas nenhuma lógica é suscetível de decantar em raciocínio tão alvoroçado por preconceitos anticapitalistas. Como, por exemplo, ao reclamar da iniciativa privada no desenvolvimento científico: “a ciência deixa de ser patrimônio da humanidade e tende a perder seu caráter livre e democrático” (p. 112). É mais uma idealização absurda: isole-se a ciência do descobridor, da meritocracia que oferece benefícios materiais para as conquistas intelectuais, isole-se o conhecimento da patente, do lucro do mercado, e não haverá ciência. O que Cuba e Coréia do Norte têm dado de contribuição inovadora para a humanidade? A defasagem entre o discurso e a realidade é tamanha que não se sabe como uma pessoa pode estar circulando no meio acadêmico com tais ideias.

O tom geral e quase sufocante do livro evolui para se conhecer como o pensamento marxista procura se agarrar em qualquer coisa viva depois do naufrágio. A objeção à economia de mercado parte de considerações morais na economia, já fartamente sepultadas no debate das ideias econômicas. Mas o autor não se contém e parte para a pregação do preço justo, preço natural, citando Adam Smith para constatar que a economia foi se desfazendo de seus vínculos com a ética e a moral na medida em que, paradoxalmente, foi se tornando economia política e, mais recentemente ainda, simplesmente economia sem moral e sem política, enfim, como algo que se impõe enquanto necessidade econômica (p. 121-122).

Este argumento revela o erro garrafal do passado redivivo no presente das ideias do professor carioca. Pressupõe que os preços não sendo regulados pela lei da oferta e procura terão que ser justos. E quem faria a justiça na determinação dos preços? Quem seria a força por trás? Eis aí como se gasta saliva para vender a ideia do totalitarismo na justificação dos argumentos. Pois basta um relance sobre a economia cubana para termos uma ideia do afundamento econômico da ilha caribenha com os tais de preços justos. Foi ali onde as soluções do professor Gonçalves levou os cubanos depois de 50 anos de socialismo, ou economia moral, a produzir apenas 20% dos alimentos que consomem. Para uma população forçada a viver uma vida econômica vegetativa, por impossibilidade de determinar seu próprio caminho, a dialética do ecofatalismo não tem qualquer apoio no mundo real. É algo sociopático.

Mas o livro apresenta um banco de dados com análises de diversas áreas de produção, por exemplo, compara custos da produção de soja no Estado de Iowa, nos USA, com os do Mato Grosso (p. 237 e sgts). Lança custos com sementes, fertilizantes, calcário, herbicidas e maquinaria, mas esquece o fundamental: custo de transportes e portos. Ou seja, ao escamotear estes custos, Gonçalves esconde a responsabilidade do Estado, quando sabemos que, nos portos brasileiros, uma saca de feijão vinda da China custa 4 dólares. E que para transportá-la do Paraná (maior produtor brasileiro) para o Nordeste custa mais 12 dólares (Maio de 2012). Aí já vemos onde está o furo do marxismo ecológico.

Pelo argumento do marxismo ecológico, a venda de uma pequena propriedade rural, por ineficiente e anacrônica que seja para o moderno sistema de produção, corresponde à expulsão de uma família do campo. Portanto, a migração do campo para a cidade não faz parte do processo de busca de melhores condições de vida para a família camponesa, mas de expulsão mesmo, como se a família fosse corrida à vara.

Um doutor em geografia, como o Professor Gonçalves, não poderia ignorar a importância dos defensivos agrícolas para a sobrevivência da agricultura e de bilhões de pessoas pelo mundo. No entanto, Gonçalves acha que a indústria utiliza uma linguagem defensiva para escamotear o real significado dos termos que ferem o meio ambiente – assim, a indústria não diz que usa agrotóxicos, mas defensivos agrícolas. Considera oligarquia os setores multinacionais do agribusiness. Ora, no Brasil, oligarquia sempre foi a classe política e o primeiro escalão estatal, por sua histórica impunidade e privilégios, jamais a classe produtora e muito menos os ruralistas.

Mas isso não importa. O que vemos em seu livro é uma mistura de dados para mostrar que somos vítima dos outros. Tanto mais vítimas quanto mais longe estivermos da verdade, verdade que os asiáticos já descobriram e se enriquecem a passos largos, enquanto nossas universidades continuam abrigando mistificadores fanáticos.

Por último, entrou na moda a ideia de se trocar a dívida externa por conservação da natureza, ou simplesmente pela natureza existente. O raciocínio é bastante peculiar e esdrúxulo. A princípio, argumenta que as nações latino-americanas sempre foram pilhadas, a começar pelo pau Brasil, depois pelo colonialismo e imperialismo. Como nunca recebemos direitos de patente pelos nossos recursos ‘roubados’, isso nos dá o direito de abater ‘a dívida’ com os organismos financeiros internacionais. É uma ideia derivada do rentismo e da passividade imposta como forma de relação entre as nações. Ficaríamos estatizados e paralisados ao estilo cubano, enquanto as nações nos pagariam para mantermos nossas árvores em pé.

Essa bisonhice cretina desconsidera que os grandes ciclos econômicos do Brasil foram de produtos não nativos. Começa pela cana de açúcar, que veio da Índia ou Ilhas Canárias. Depois o café que veio da região arábica. Mais tarde a soja, algodão, arroz e pecuária, que também não são nativos do Brasil. Em suma, se tivéssemos que pagar com a mesma moeda sugerida pelo professor Porto-Gonçalves, acho que a dívida aumentaria ainda mais.

Em suma, o erro básico da visão ecofatalista de vertentes socialistas e comunistas é de que o desenvolvimento liquida irremediavelmente com a natureza, e isso provocaria uma catástrofe inelutável. Tal visão vem da impossibilidade teórica de se querer solucionar a questão social fora do Estado, e da necessidade que essas vertentes têm de esconder o fracasso do estatismo brasileiro – em contraponto ao demonstrado de forma cristalina pelo sucesso asiático, cujas sociedades atrasadas migraram em direção ao capitalismo high-tec, com ou sem estatismo.

Pela doutrina marxista, o capitalismo levaria inevitavelmente ao socialismo, porque o capitalismo, ao se desenvolver, engendraria cada vez mais operários que se tornariam seu coveiro. Agora o foco mudou – o capitalismo leva inevitavelmente à destruição da natureza, a menos que o Estado entre em ação para impedir. Trata-se, portanto, de uma variação do determinismo histórico.

A única importância do livro de Gonçalves é sua capacidade de acumular conhecimentos sobre como pensar errado. Neste ponto, podemos nos deter com grande interesse para entender como uma parte do Brasil pode se perder pelo pensamento acadêmico marxista – irremediavelmente.